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23 de dez. de 2017

Miojo

Hoje o dia se arrastou. A noite promete se arrastar  ainda mais. Jantei só pra constar. Não estava com fome. Bebi uma cerveja horrível. Não estava bem gelada.  A única coisa em mim que presta hoje são as unhas, pois fui ontem ao salão. Tudo o mais é de afastar, não de atrair.

A salvação, às vezes, é a sacada. é pra lá que vou sentir o fresquinho da noite e pensar em coisas interessante.   Mas hoje não funcionou muito.  Olhei a rua e achei terrivelmente triste as poucas luzes de Natal mal penduradas, aqui e acolá.  Elas me pareceram tão cansadas e desistentes que precisei desviar o olhar.  

Da sacada geralmente gosto de imaginar que todos estão felizes em casa. Já até escrevi um texto bem razoável sobre essas coisas de fim de dia. Mas hoje me surpreendi comigo mesma. Dessa vez os pensamentos foram muito antipático. Os prédios que antes me despertavam ideias relaxantes agora me pareceram tão vulgares e encardidos!

Ali, bem em frente, as mesmas janelinhas amarelas piscavam caladas, de costas pra mim. E delas adivinhei um cheiro insuportável de miojo partindo do ventre de suas cozinhas. Miojo: a comida mais barata, fácil e desaconselhável que alguém pode escolher. A comida da dona de casa mal humorada que não tem carinho suficiente para fazer nada melhor. A comida do solteiro entendiado e sem dinheiro, cansado e de saco cheio. Azedo. Todos os prédios estão cheirando miojo fervente. Ao lado dessas cozinhas desprezíveis vi áreas de serviço igualmente nojentas, com migalhas de pão caídas pelo chão, umas baratinhas perdidas e montes de roupas por lavar. Do outro lado um monte de roupas por passar e por guardar. As pobres roupas limpas estavam lá há dias e já haviam perdido todo o encanto que poderiam ter com o cheirinho de sabão em pó. O perfume se fora por completo e tudo o que sobrou foram os amassados e o amarelados das roupas brancas mal lavadas.

Na sala algumas cadeiras saíram de seus lugares e tentaram zanzar,  mas pararam no meio do caminho meio indecisas. A televisão joga na cara de todo mundo o Jornal Nacional, que contribui consideravelmente para que cada um tenha uma noite péssima.

Mulheres solitárias, homens indispostos, crianças enjoadas, adolescentes estranhos. E alguns velhos cuja diversão única é imaginar por horas um plano de fuga daquilo tudo. Poucos velhos. Eles morrem de pena dos mais jovens mas mesmo assim fugiriam sem olhar pra trás.  Bastaria para isso um plano. Um bom plano.

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