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7 de set. de 2018

Você vai ter que se conformar *

Um dia, passeando pelo centro da cidade, surge à sua frente aquela amiga, irmã do coração que você não via há séculos. Em um flash você relembra de festas, confissões, passeios e sextas-feiras.  Em rápida escaneada você vê no rosto dela que o tempo passou, que o penteado mudou mas não há como negar: é ela sim, que vem do passado mútuo de vocês e do passado dela mesma com outras histórias. Que bom!

Você corre ao seu encontro, faz uma festa enorme. Você a beija e se emociona.  Abre os braços como se quisesse abraçar, junto com ela, também seu marido  e filhos, já tão queridos! Você a chama pelo apelido. Ela hesita e não consegue rir da brincadeira e fica com cara de dúvida mas você passa por cima. Atropela mesmo, porque ela é a sua irmã maluquinha que nunca mais você viu mas Deus trouxe de volta.

Nossa, você já sabe que ela há de exigir que você vá à sua casa nessa semana ainda. E vocês duas hão de conversar horas e rir muito. Ela há de te mostrar seu guarda-roupas, fotos da gestação, da viagem de férias, do aniversário de casamento. Há de falar na nova dieta, dos novos cremes, do colesterol e da celulite. Vocês vão rir muito dos ex namorados e das inimigas mútuas do colégio.  Que longo abraço!

Que longo, que solitário abraço!  Demora uns segundo para você notar que teve toda a sua empolgação "amortizada" pelo abraço frio e frouxo que recebeu de volta.  Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando ver neles algum lampejo atrasado daquela vivacidade da qual você tanto se lembra. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia de todos os seus segredos, a menina linda que te emprestava roupas e contava dos foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu?  Reconheceu sim.

Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!" Como "que prazer te rever"?   Onde será que ela aprendeu a ser tão formal logo com você? Logo ela que te chamava de doida, que era chorona, tomava as dores do mundo, pedia satisfações e falava pelos cotovelos?   Que desmonte foi esse que a deixou tão polida e embaraçada com o seu carinho,  procurando aflita por palavras simpáticas que não lhe vêm naturalmente à boca?

Você vai ter que se conformar com essa perda. Sim, sua amiga morreu.  Ou pior: ela nunca esteve lá, no passado, do jeito que você lembrava.  "Tudo aquilo" talvez  só tenha existido na sua cabeça. Ou aconteceu mesmo, só não era eterno como se supunha.   Você vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa murcha depois desse papelão.

Ficou tão claro que o marido dela jamais tinha ouvido falar no seu nome!  Poxa! Enquanto isso a sua família já ouviu mil histórias de vocês duas.

Dói. Você segue seu caminho sozinha, empobrecida. Ficou um vácuo, uma mancha na parede igual a quando a gente tira um quadro antigo que estava lá, pendurado há muito tempo.  Seu passado precisa ser revisto...

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5 comentários:

Marinha disse...

Cristina, cheguei a esse espaço através de um comentário que postasse no blog do Carpinejar. Gostei mais do teu comentário do que do post! kkkk
Na verdade, percebi alguém com uma sensibilidade e inteligência acima da média.
Antes de escrever essa mensagem resolvi, já que estava por aqui, ler teu último texto e... gostei demais de tua narrativa. Gostei mesmo! Parabéns!
Bjo e sorrisos e lembranças dividas pra ti.

Rafael Faraon disse...

Legal esse texto

saullo pereira disse...

isso aconteceu mesmo com vc ou é so ficçao? pq se vc estava sozinha e ela nao, entao talvez vc tenha entendido a situaçao de forma errada, como vc posta logo acima, nós sempre preferimos ver as coisas por um lado ruim. Se ela estava com o marido entao talvez tenha ficado com "medo" de lembranças passadas na frente dele, ou entao talvez ela estivesse em um momento de briga com ele...sao mil situaçoes. aposto que ela nao esqueceu vc...se eu que nem conheço vc pessoalmente nao lhe esqueço...entao imagina ela. =*

fica com deus!

Cristina disse...

Isso já aconteceu comigo, não exatamente como está na postagem. Na postagem eu "romanceei" um pouco pra criar a crônica. Mas o desapontamento por descobrir que que não era para aquela pessoa tudo o que pensava que fosse, essa descoberta eu já vivi sim e não foi só uma vez. Faz parte da vida.

Blog da Cristina Faraon disse...

Obrigada pelas palavras, que são um incentiv . Um grande abraço.

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