.

.

8 de abr. de 2020

O POÇO DOS DESEJOS


De onde saiu essa curiosa crença de que seria possível  jogar moedas em um misterioso poço, o Poço dos Desejos, e então seu desejo seria realizado?  

O Poço dos Desejos nos ensina algumas coisas:

1- Há muito tempo, talvez séculos, exista essa brincadeira de jogar moedas no poço - ou na Fonte dos Desejos.  O desejo seria  realizado por quem? Como? Quando? Ninguém sabe. Mesmo assim há poços ricos por aí. Então a lição número 1 é essa: você não precisa de todas as respostas. Por mais que queira, não precisa. Só precisa acreditar, jogar a moedinha e sair feliz, imaginando que plantou algo de bom para o futuro.

2- A graça do poço é o mistério. A vida sem mistério é meio fuleira.

3- Ensina a ter paciência - porque o pedido não é realizado na mesma hora. Você medita um pouco em frente ao poço,  sonha, deseja de novo, idealiza, joga a moeda e vai pra casa. A coisa não acontece na hora. Pode levar um dia, uma semana, um mês. Então você fica  em alerta, esperançosamente atento ao próximos  acontecimentos.  Qualquer coisa estranha ou inusitada pode ser a prova de que os poderes do poço são reais.

4- Ensina a não ser pão duro.   Porque afinal de contas ninguém garante o seu investimento. Pode acontecer ou não e se não acontecer não tem como recuperar a moeda. Se você perde a moeda acaba aceitando tudo como brincadeira e deixa pra lá, porque ainda que o pedido não tenha se realizado valeu pagar para ter esperança por mais um tempinho.

5 - Ensina que por mais que você se ache muito realista e esclarecido,  não consegue fugir das impressões humanas mais primitivas. Você não é muito melhor do que os antigos.  O medo do escuro, o receio do cemitério a meia-noite, o olhar profundo do gato, o poço dos desejos, tudo são impressões fortes que nunca saem da gente. É se render e pronto. No máximo você diz que jogou a moda por brincadeira.   Dentro de cada um de nós sempre vai haver espaço para o mistério. Aceite.  No fundo no fundo a gente acredita nas coisas.  Fomos programados para isso. Deve haver uma verdade aí. Ninguém cria uma fechadura para chave nenhuma.

6- Ensina a aceitar os fatos: não dá pra negociar com o poço. Não dá pra pagar depois. Cada moeda é uma semente que a gente não sabe se vai brotar.  Isso é o início de um importante aprendizado para a  vida. Todos os nossos investimentos são assim, tanto financeiros como emocionais. Jogamos moedas para o amor, para a amizade, para os negócios. Investimos sem garantia alguma, essa que é a verdade. Tudo o que temos são possibilidades. O importante é seguir sorrindo e pensar "tudo bem, tentei", ou "vai que cola!"

7- Ensina que o pensamento positivo, a esperança, são coisas que também acalentam o coração independentemente de a coisa desejada cair ou não  no nosso colo. Os bons sentimentos são bens e si mesmos.  O prazer da vida não reside  apenas no que se realiza mas também no que se sente pelo caminho.  

 O que mais? Bem, se nada disso te convence sobre a utilidade do poço como professor de vida, tenho mais uma carta na manga: se eu posso abrir mão de uma parte do meu dinheiro para ter um prazer tão frágil  e uma esperança tão sem sustentação, uma  brincadeira barata, não seria muito mais sábio e prazeroso fazer das pessoas o nosso poço de desejos? E quem sabe  investir nossos bens   e esperanças não direcionadas a nós, mas a elas mesmas?  Se "jogarmos moedas"  e desejarmos a elas tudo de bom, do fundo do coração, quem sabe nosso desejo não se realiza?

2 de abr. de 2020

Have You Ever Really Loved A Woman?

É uma pena que nem todos os homens gostem de mulher.

Não estou me referindo aos homossexuais. Estou me referindo aos homens que gostam de fazer sexo com as mulheres mas não gostam das mulheres. É algo como gostar de pizza; você só gosta na hora da fome mas não quer passar o dia carregando uma pizza debaixo do braço.

Frequentemente vejo homossexuais que gostam mais das mulheres do que os heterossexuais.

Acho que o grande sonho das mulheres é que os hetero gostem tanto delas quanto os homo. Que eles gostem tanto do todo quanto gostam de algumas partes do corpo.

O filme Don Juan de Marco é lindíssimo e fala sobre esse coisa de REALMENTE gostar de mulher.  Don Juan realmente as amava. É o extremo oposto do que vejo na maioria das vezes aqui, do meu posto de observação. Don Juan de Marco não representa o homem ideal; representa o que falta ao homem ideal, que é gostar da mulher toda e não em partes, como um frango de supermercado.

Para o personagem principal a mulher não era apenas um pedaço de carne a ser consumido mas uma jóia,  um enigma, alguma coisa curiosa e encantadora, sempre desejável.  Algo a se possuir, descobrir, guardar, ouvir, cheirar, ficar olhando mesmo depois da cópula. Para ele as mulheres eram como um fogo, um calor do qual era penoso se afastar. Ele queria todas.  O sexo era apenas a maneira mais plena de se estar com uma mulher. Sexo para ele era deixar-se possuir para poder possuir também. Pode parecer sacana mas no filme conseguiram que isso tudo parecesse poético. Don Juan era tomado pelo torpor de encantamento de um colecionador.

Isso tudo nada tem a ver com amor em si, eu sei. E nenhuma mulher quer ser colecionada. Como já disse, Don Juan não é o homem ideal, apenas tem algo que falta à maioria. Talvez por isso as mulheres se deixem seduzir por ele: por ser alguém raro, que demonstra realmente apreciar a companhia feminina.

Gostar de sexo com uma mulher é muito diferente de gostar de mulher.

Tenho um conhecido que se gaba de suas aventuras sexuais. Adora dizer que saiu com fulana porque "precisava ejacular". Adora dizer que arranjou alguém, transou mas que agora nem lembra o nome.   Ele não tem a menor noção do quanto ele é patético dizendo isso.   Sua felicidade é estar entre os amigos dizendo coisas desse tipo, ou seja: confessando sem perceber a sua incapacidade de ser humano, completo. Sua incapacidade de ser mais do que um cão "cruzando" na rua.   Desconfio de que nunca na vida ele soube o que é realmente uma mulher. De certa forma considero-o virgem.  Lamentavelmente virgem. Esse tempo todo ele só se masturbou, não mais que isso. E sozinho, sem jamais perceber  o prazer de uma real companhia.



Agora delicie-se com a música-tema do filme que mencionei:


Você Realmente Já Amou Uma Mulher?  -  Bryan Adams

Para realmente amar uma mulher, para compreendê-la
Você precisa conhecê-la profundamente por dentro
Ouvir cada pensamento, ver cada sonho
E dar-lhe asas quando ela quiser voar
Então, quando você se achar repousando
Desamparado nos braços dela
Você saberá que realmente ama uma mulher...

Refrão:
Quando você ama uma mulher
Você lhe diz que ela, realmente, é desejada
Quando você ama uma mulher
Você lhe diz que ela é a única
Pois ela precisa de alguém
Para dizer-lhe que vai durar para sempre.
Então diga-me: você realmente, realmente
Realmente já amou uma mulher?

Para realmente amar uma mulher, deixe-a segurar você
Até que você saiba como ela precisa ser tocada
Você precisa respirá-la, realmente saboreá-la
Até que você possa senti-la em seu sangue
E quando você puder ver, seus filhos que ainda não nasceram dentro dos olhos dela
Você saberá que realmente ama uma mulher

Refrão:
Quando você ama uma mulher
Você diz a ela o quanto ela é desejada
Quando você ama uma mulher
Você diz a ela, que ela é a única
Porque ela precisa de alguém
Para dizer a ela, que você irá estar sempre junto
Então me diga, você realmente
Realmente, realmente já amou uma mulher?

Você precisa dar-lhe um pouco de confiança
Segurá-la bem apertado, um pouco de ternura
Precisa tratá-la bem
Ela estará perto de você, cuidando bem de você
Você realmente precisa amar uma mulher. Yeah.

E quando você se achar repousando, desamparado nos braços dela
Você saberá que realmente ama uma mulher.

Refrão:
Quando você ama uma mulher,
Você diz a ela, o que ela realmente queria.
Quando você ama uma mulher,
Você diz a ela, que ela é a única.
Porque ela precisa de alguém
Para dizer a ela, que você irá estar sempre junto.
Então me diga, você realmente
Realmente, realmente já amou uma mulher? Yeah
Somente me diga, você realmente
Realmente, realmente já amou uma mulher?
Oh! Somente me diga, você realmente
Realmente, realmente, já amou uma mulher?

20 de fev. de 2020

Análise

Estive pensando sobre a minha vida.  Olhei para trás porque olhar para trás é inevitável em algum momento.  

Tive uma vida  boa sim,  muito boa.  Tive problemas,  sofri. Claro.   Não há quem não sofra nesse mundo. Tudo bem.  Mas pensando bem... o que me trouxe mais dor? Qual foi a pedra,  o espinho?

O que me trouxe mais dor foi,  sem sombra de dúvidas,  a intensidade quase insana de todos os meus desejos.  Todos os meus desejos,  sonhos,  fantasias,  projeções,  tudo foi absolutamente excessivo,  exagerado, diente.  Entenda: eu não conseguia evitar.  Se eu queria,  queria demais,  com as entranhas. Foi isso que estragou tudo porque a vida jamais conseguiu corresponder a isso. Nem a vida nem as pessoas.  Colecionei angústias e frustrações indizíveis.  Culpa de ninguém.  Talvez nem culpa minha.  Como eu poderia ser menos,  sentir menos,  ser outra? Como eu poderia domar meu coração? Domei por fora tudo o que pude domar mas por dentro é terra de ninguém e algum estrago foi inevitável.  Eu posso dizer ao meu corpo "fique aqui" mas não pude colocar rédeas na alma.  Ruim, muito ruim.  Olho pra trás e quase tudo dói.  Quase tudo o que lembro vem malecado com tantas angústias e ventos e tornados que é  melhor deixar pra lá. Chega. Já  deu. Passou, passou,  viu? Passou.     

Abraço o meu hoje. E peço a Deus que minha alma envelheça bem rápido e em paz . Eu mereço.


23 de jan. de 2020

Sem turbulências

Um monte de gente já tentou definir ou formular um conceito de "velhice". Já disseram que a gente fica velho quando não quer mais aprender nada. Outros dizem que é quando a gente deixa de sonhar, ou deixa de amar, ou não tem mais curiosidades. Eu particularmente acho que a velhice  se resume em "falta de disposição". É quando você não tem mais muita (nem pouca, talvez) disposição para ir a uma festa, ou participar de pequenas aventuras como tomar banho de chuva,  pular um muro ou brincar de queimada. Você não sonha mais nem com romance por total "falta de saco" . Você já se apaixonou várias vezes e dá uma canseira imensa só de  imaginar o desgaste emocional que vem de brinde. Não, já deu.

E as festas? Chega de festas. Você já sabe tudo o que vai acontecer. Conhece as caras que vão aparecer, as poses, os sorrisos formais. Já cansou de assistir as pessoas tentando parecer  elegantes. Já cansou de ver idosos cochilando à mesa, crianças infernizando no salão, casais tentando passar uma boa imagem do relacionamento, garotas de olhos pretos quase como o Zorro.  Não, chega. Se nada catastrófico ou inusitado acontecer,  você já conhece o roteiro todo. Não que seja ruim mas o fato é que você já sabe, já viu, já cansou.


Eu nunca fiquei me analisando muito para saber a quantas anda o meu processo. Só que esses dias fui obrigada a fazê-lo ao observar  uma amiga se manifestar em uma rede social. Ela contava que pretende dar uma guinada na vida, mudar tudo. Olhei pra mim e descobri que não quero mudar nada. Tá tudo bom demais. Não quero encheção de saco nem turbulências. Mau sinal.

Mau sinal mesmo?  Será?

Ela falou de planos que  deverão se materializar depois de uns cursos que está fazendo e tal e tal. Caramba, eu não sabia que ela estava com essa disposição toda!  Então olhei pra mim: nada.  Que contraste!  Tentei ficar com inveja mas lembrei que não há nada que ela esteja fazendo que eu também  não possa fazer se quiser.  Aí que está: não quero.

Não quero mas confesso que queria querer.  Queria estar com todo aquele ânimo. Quer dizer, eu acho que queria.

O fato é que  balancei meu botijão e percebi que estou sem gás. É isso.

Quais meus sonhos hoje? Agora você me pegou. Sei lá.  Quero viajar?  Ok, quero sim. Mas já fiz umas viagens bem legais e esse "querer" de hoje não passa de um desejo chocho de pijama e pantufas. Está longe de ser um sonho.

O que mais? Sonhos românticos? Não. To casada, tô em paz. Já deu.

Sonhos... ?  O  que sinto está mais pra melancolia pelo que não foi do que desejo ou esperança de realizar.    A essas alturas da minha vida já deu pra entender que o que  não deu, não deu.  Já foi.

E então? Tenho algumas coisas tênues que nem sei se podem ser chamadas de sonhos. E quer saber? Prefiro que seja assim. No passado eu desejava tudo com muito fome, muita sede de viver. Meus desejos todos doíam.  Minha intensidade me machucava.  Ser intensa  pode parecer lindo mas na verdade é apenas DOLOROSO.  É assim que me lembro de toda a minha juventude: como um rosário de desejos angustiantes. Não quero mais isso. Prefiro ficar com os meus "desejos tênues e voláteis".  Quantos aos tais "sonhos", fique com eles pra você. Faça bom proveito.

Pode me chamar de velha se quiser.

21 de dez. de 2019

Um homem "pra casar" *



 Hoje simpatizei muito com um homem totalmente desconhecido só porque achei que ele era um homem bom. 
Eu assim o classifiquei porque eu estava, com ele e mais uns 30, em uma fila de embarque no aeroporto e com a mente ociosa.  Esse é  um ótimo contexto para começar a imaginar coisas. Imaginar coisas é o melhor que se pode fazer em uma fila.

Bem, esse era um homem bom, esforçado e trabalhador. Do tipo "pra casar". As ferramentas ele tinha,  pelo menos.  Como eu sei? Bem,  ele estava logo ali,  à minha frente. Prestativo e companheiro, carregava com muito cuidado e dificuldade um enorme pacote que até hoje desconheço o conteúdo. Aquele pacote parecia tão incômodo de transportar! A tarefa era manter aquele pacotão delicado com uma mão, manter o cartão de embarque e documento de identificação na outra mão e empurrar a malinha com o pé.  E ele parecia tão cônscio da importância do que fazia e tão disposto a continuar fazendo sem reclamar, que isso tocou meu coração.   Não parecia mal humorado, só um pouquinho cansado. Claro que era um bom homem!    Do tipo que não se cansa fácil e, quando cansa, só nota depois. O melhor homem em um raio de cem metros, decidi. Gostei dele.  

Vejam vocês o poder da imaginação. Do nada a gente rotula e determina quem presta e quem não presta, numa escaneada só. O que havia dentro daquele pacote me instigou e a curiosidade incentiva a criatividade.  Eram  enfeites de Natal? Doces finos? Taças? Brinquedo desmontável? Roupa de bailarina? Patins? Patins não, não são frágeis nem volumosos. Fiquei curiosa mas me contive. 

O fato é que ele se esforçava para que seja-lá-o-que-fosse não balançasse nem derramasse nem caísse ou esbarrasse em ninguém. Não parecia ser uma bomba. Ele não era do tipo que transporta bombas por aí. Não com aquela cara de pai de classe média baixa apaixonado pela filha de nove anos e pela esposa seis anos mais nova e um pouquinho obesa. ( Meu Deus de onde tirei tudo isso?!) . Pois ele tocou meu coração. Não era bonito. Nem feio. Apenas comum, com cara de pai. 

Certamente se eu estivesse no lugar dele estaria já com cara de enfado e dor nas costas. E se alguém encostasse para conversar eu aproveitaria para reclamar ( " não sei onde eu estava com a cabeça quando concordei em levar  essa tralha. Fazer fazer favor para os outros é uma tremenda furada e eu estou cansada, meus braços doem e bla bla bla." )

Bem que eu queria que quando alguém me olhasse ao acaso pensasse consigo "nossa, que mulher legal! Gente fina mesmo!" Mas eu não coopero. Tanto não coopero que não me ofereci para ajudar o Homem Legal. Como castigo estou até hoje sem saber que raios ele carregava naquele pacotão. E vejam: eu estou escrevendo sobre ele mas ele não escreveu nada sobre mim. Ele é o cara legal, marido de ouro, enquanto eu não passo de uma viajante que fica rotulando os outros.

Bem, caso não tenham notado, essa é uma crônica de "preconceito do bem".  Isso existe sim.


9 de out. de 2019

A era da propaganda anti-homem. Tô fora.

E a propaganda anti-homem, na midia, continua de vento em popa. Repare que todos os dias aparece uma "pesquisa" afirmando que:

* Existe mais bactéria na barba do homem do que  numa tampa de vaso sanitário.
*Viajar traz mais felicidade do que casar.   Aí  aparece na foto uma mulher sorrindo feliz.
*  Um marido dá mais trabalho e stress  do que cuidar de um monte de crianças. A ideia é sempre mostrar o homem como um estorvo, não como parceiro.
* Afirmam que  mulheres inteligentes tendem a ficar solteiras.
* A pior é essa agora: andam afirmando que não existe orgasmo vaginal (kkkkkkk).  Só existe "orgasmo" clitorial - segundo as frigidas de plantão.   E assim que convencem sua filha adolescente de que homem é  desnecessario e que aquilo que os gays tanto prezam não serve pra  nada - kkkkk.
Querem que as meninas acreditem que sexo completo é  igualzinho à  simples masturbação e que passar a vida dando voltas nas preliminares é o máximo de prazer que ela vai conseguir da vida e não tem como passar disso.
Negam a experiência de milhares de mulheres desde que o mundo é  mundo.  Inacreditável. Mas é a mesma turma que diz que ninguém nasce homem nem nasce mulher.
*  Todos os dias na televisão e nos filmes assistimos no mínimo uma cena de uma mulher agredindo fisicamente um homem.  Pode notar.   É tapa na cara,  é arremesso de objetos,  é empurrando, gritando, apontando o dedo na cara... Note que essas cenas sempre acontecem dentro de um contexto em que a mulher tem toda razão de agredir o homem. 
* Criaram o ridiculo termo "masculinidade tóxica. As mulheres são umas santas.
Isso tá ficando nojento já.

Espero que acabe logo essa fase de "meu deus como as mulheres são maravilhosas e como os homens são tolos e dispensáveis." Essa fase dá poder a um monte de mulher chata e frustrada.

7 de out. de 2019

Janela vermelha *

É isso mesmo o que eu quero: uma janela vermelha, bonita e vivaz, que quando eu acorde me acolha assim, de batom, apontando para mil possibilidades lá fora: flores, caminhos, caminhozinhos, trilhas, cantinhos.

Uma janela vermelha é um bom começo de dia e é, por si só, um bom sinal. Ninguém tem uma janela vermelha a toa. Há de possuir também colcha de retalhos e pote de biscoitos caseiros. Ninguém as tem se não sai para passear de repente, de cabelos soltos, e come bolo no final da tarde olhando o sol poente enquanto as mães passeiam com seus bebês.

Quem tem janela vermelha tem incenso e fotos de muitas férias. Tem caixas com bugigangas, livros sublinhados, uma almofada bordada. Tem também chapéu para ir à feira e ingressos para o teatro.

Ninguém se sente só com uma janela vermelha pela qual olhar o mundo imenso e convidativo.

Hei de ter a minha, sorridente como ela só, com uma linda cadeira de madeira por perto. Hei de ter brincos indianos e vestido de cigana para sair só para comprar revistas quando der vontade. E quando, lá embaixo, eu estiver molhando as flores, hei de olhar pra cima e ver de relance na janela vermelha a minha imagem feliz e sozinha sorrindo de volta.

*

5 de out. de 2019

INTERVALOS

Já não cabem mais declarações
Na verdade não cabe mais nada
Toda explicação é despropositada
Todo comentário é inconveniente
Não há mais que se falar
Em conserto ou em “será”
É estranho o ponto em que chegamos
No qual todos os comentários 
Caem como pedras no vidro

Dobramos  esquinas, cada um a sua
Rasgamos o tapete vermelho
Que nos levava a um destino comum
Mudamos a rota
Numa guinada mortal
Os anjos se escandalizaram
Com pureza desinformada
“- Absurdo dos absurdos!”
Que, no entanto, aconteceu...

... e continua acontecendo
A cada dia, a cada hora
Como goteira funesta
Que chora no fim da festa

Nosso afastamento
É progressivo e presente
Já que “passado”
É o que parou de acontecer.

Preferia que tivesses me deixado
Assim eu poderia, com propriedade
Perguntar “por quê?”

Perguntaria ao  céu, às aves,
Às feras e às crianças
Ninguém me responderia
Mas  entenderiam minha perplexidade
E eu ganharia abraços


Preferia que tivesses me deixado
Assim eu poderia imaginar motivos à noite
E ir dormindo  aos poucos, suavemente,
Enquanto tentasse desvendar
Nossa intrincada equação

Eu teria pena de mim mesma, ou ódio
Só para ter o prazer 
De perdoar-me  depois
E então levantar a cabeça
Totalmente consolada.

Será sempre uma anomalia
Uma dor, um suspiro,
A povoar os intervalos da minha felicidade
Quando a lembrança me assaltar
Levarei as mãos ao rosto
Em um ato involuntário
E perdoável

Então
Na pausa da felicidade
Farei reverente silêncio
Pra poder me recompor
E descobrir novamente
Que não há nada de novo
Debaixo do meu sol
Tudo são espumas...
Espumas de ondas passadas

“Durma em paz, alma minha!”

O passado
Não é uma árvore que ficou para trás
Na beira da estrada
Penso que seja uma ave  
Que nos acompanha grasnando
Desajeitadamente
As músicas que cantávamos.

19/04/10

20 de set. de 2019

A morte

Penso muito na morte. Não com medo, mas com uma curiosidade invencível. Pareço uma criança olhando a porta do armário trancada, sem saber o que tem dentro. Ninguém lhe  diz o que realmente tem lá dentro.  E olha... sabendo que não pode abrir a porta impunemente.

Admita: a morte é um tema fascinante. Ok, pode ser assustador também, mas continua fascinante. Detalhe: "fascinante" não é sinônimo de bonito. Nem de feito.  

Pra  vocês verem o nível: estou seguindo um canal no Youtube  que traz diversas entrevistas com pessoas que viveram a instigante experiência da "quase morte". Que coisa!

Mas juro que não sou amante de caveiras, sangue escorrendo, punhais ou outros símbolos do Halloween.  Estou mais para a riponga colorida do que para o gótico.

Às vezes penso na morte pela esperança cristã da glória eterna mas em outras apenas me abismo com o fato de que mais cedo ou mais tarde não farei mais parte do mundo dos vivos. Quando penso nisso me ataca um sentimento de urgência. Hoje posso mover o copo em cima da mesa, mas um dia não poderei mais. Então mova logo o copo! Mova tudo! Faça o que tem que ser feito  porque o mundo ainda é seu mas amanhã todas as leis da física ignorarão você.

Um dia terei que me despedir. Aí perderei completamente a relevância que eu penso que tenho hoje. Hoje posso dar um sanduiche para aquele mendigo. Amanhã terei que me conformar em vê-lo morrer de fome e "passar pro meu lado".

Os objetos que me são tão caros serão pulverizados entre parentes e doações. Todos os meus rastros sumirão de forma inclemente. Outros usarão minhas joias, minhas  roupas, lerão minhas anotações, olharão constrangidos a minha nudez gelada e se apressarão em cobrir-me com uma roupa qualquer. Um dia todo esse mundo que me abriga, lindo e confuso, me expelirá de si mesmo como um furúnculo. E o meu corpo, que tanto lavo e perfumo, se desfará horrivelmente.  Como não pensar nisso?

Morre um amigo, morre um parente... Vai chegar a minha vez. Vai ser estranho. Estou tão acostumada com a vida e suas manhas! O mundo material me é tão familiar!

Há pessoas por demais apegadas à vida. Acho que é por isso que alguns tem que morrer aos poucos, sofrendo, refletindo, cansando... Para ir aceitando a ideia até que por fim chegue a pedir pra ir logo pelo amor de Deus. Outros não. Alguns partem no supetão, arrebatados por acontecimentos súbitos. Acho que esses são os que jamais entregariam os pontos, então vão ter que ir na marra, pra não ficar argumentando demais.

A morte é o mistério dos mistérios.  Mesmo crendo profundamente nas palavras de Cristo, convenhamos: ele não nos deu todos os detalhes.  Dói muito? Dá frio na barriga? Dá um susto ou um sono? Quanto tempo leva para a gente entender que finalmente lascou e não tem mais jeito?  Dá pra dar uma olhada ao redor antes de pegar o bonde pro além? A pessoa vai sozinha, puxada por um ímã cósmico ou virão guias gentis para dar uma força?   Vai todo mundo pelado ou vestiremos roupas imaginárias, como em Matrix?

Não, nada disso foi esclarecido. Isso me dá o direito de criar minhas próprias teorias a respeito.   Podemos um dia conversar alegremente sobre o assunto.

Enquanto isso continuo firme, assistindo a morte passar aqui e acolá sem demonstrar ainda muito interesse pela minha pessoa. Eu fico na minha. Sou curiosa mas não quero amizade com essa senhora. Ela anda à volta, pega um, pega outro... Segue flutuante pelos bairros da cidade fingindo que não me viu. Vai sem pressa mas sem detença, cheia de véus. Vai, mas volta.

2 de set. de 2019

Mais frio!


Precisava que a tarde morna
Transmudasse em tarde fria
Pra então justificar
Essa irmã melancolia.

Como eu, está chovendo
Só falta o dia esfriar
Mais um pouco e você chega
Saberei o que falar?

Artrose nas velhas janelas
Estéreis riachos sem peixes
E prédios com mil sentinelas
Cuidando que não me deixes

Poucas cores nas sombrinhas
Pouco tempo pra almoçar
Meu vestido sem florinhas
E um rádio a cochichar

A tarde parece gripada
Encharcada e reticente
Chove grosso, chove fino
E chovem sentenças na gente

Deveria esfriar mais
E nevar a não poder
E sumirem os transeuntes
Até tudo esmaecer

Meu rosto agora sombrio
Riria então pra neblina
Irmanado com o frio

Um véu de camada fina.
Meu corpo seria de inverno
Petulante e transparente
Riacho gelado no ermo
Frio, nu e displicente.

Mas falta chover bem pesado

Com mais frio, até doer
Até que o mundo em meus braços
Eu sentisse esmaecer.

Cristina Faraon

28 de ago. de 2019

BONDADE CÍNICA

Bondade cínica.
Falsa bondade. 
Ou cara de pau. 
Sei lá qual nome você prefere dar. É sobre isso que quero falar hoje.

O sonho desses "novos bondosos" é lindo: fronteiras  abertas sem critério pra todo aquele que quiser entrar. E o dinheiro surgindo.  Mas e se alguns forem comprovadamente inimigos da nossa cultura?   "Não importa. Depois a gente pensa nisso". 

Um otimismo invencível e insano entope essas cabeças a despeito da realidade, a despeito da experiência, a despeito dos noticiários, da lógica e da matemática. "Não, com a gente vai dar certo. Tudo se ajeita. Nóis é brasileiro!".

Percebo uma certa expectativa de canonização no sujeito que deseja acolher os de fora às custas do  sofrimento dos de dentro. 



É como colocar o filho pra dormir ao relento enquanto o hóspede fica na cama. Ou como tirar o pão dos filhos pra ser legal com o desconhecido. 

Não sou contra partilhar o pão!   E não sou contra empobrecer para socorrer. Pelo contrário!  Isso faz parte da minha fé!   Mas generosidade só é generosidade se for uma decisão livre e consciente de cada um.  Generosidade na marra e às custas dos outros? Não. É cinismo. 

Bondade só é bondade se for livre. Se for por amor é cristianismo. Se for às custas dos outros, é opressão.   Deus me livre desse tipo de "bondade"!
Bondade, pra mim, é abrir mão do que é meeeeu, particular. Eu sozinha é que devo sentir falta daquilo que doei.  Sou  EEEUUUU que tenho que pagar por minha generosidade.
Se minha bondade funciona às custas dos outros não sou boa, sou má. Ainda que não perceba.


Essa "bondade moderna" é assim: quero dar o que é do povo, na expectativa de que isso não me afetará absolutamente. Meu salário não encolherá, o imposto não aumentará, não preciso ceder o quarto da minha casa nem colocar o estranho em minha mesa. Minha "bondade" não afetará minha vidinha.    Ah, vá!

A "bondade moderna" se apoia na expectativa de que o dinheiro doado brotará do chão ou do bolso do outro, mas eu não serei afetado. O governo tira de algum buraco, sei lá qual.  Saúde? Segurança? Educação? Infraestrutura? Não me interessa, desde que eu não perceba o impacto. E se perceber, xingo o governo.

Uma pergunta:

Alguém aí está preocupado com a comprovada DEGENERAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA dos brasileiros que vivem na fronteira com a Venezuela?  Sabiam que eles vivem com medo pois a violência aumentou muito?
  Mas quem se importa? Isso é tão longe e onde eu moro, não é?  Eu pago de "cristã caridosa " enquanto quem se lasca são eles, lá longe. 

Tudo liiiiiindo e em nome de Jesus!

REALIDADES BRASILEIRAS