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31 de dez. de 2007

Lero-lero pra 2008

É ou não é uma ironia? A cada ano novo todos nos tornamos mais velhos.

Então comemoramos o quê nessas "viradas de ano" (credo!)?
Acho que comemoramos a deliciosa fantasia da "página em branco", limpinha, para começarmos tudo de novo. Nova chance, Deus zerando o nosso counter... O passado morreu e ninguem se lembra mais "daquilo".

Quem dera, né? Mas vá lá. Sem fantasia o que sobra da vida? Sobra mesmo muita coisa, mas não é o recheio, com certeza.

Sem fantasia sobra o alface, a beterraba, o peito de frango grelhado e umas bolotas de soja. Tudo com pouco sal. Faz um beeeeem!

Em 2008, criemos todos juízo. E se isso nos tornar menos interessantes, repensemos a mudança. Se der, jogue fora a fantasia e se torne um esbelto emocional. Seja um exemplo mas tente fazer isso sem ser chato. Se você você se tornar chato, volte correndo à lixeira e vista tudo de novo. Depois a gente pensa juntos em um jeito mais simpático de crescermos em 2008.

É isso aí. Por enquanto.

23 de dez. de 2007

A visita


Ela entrou pela porta da frente. Como? Até hoje não sei.

Em meio a tantas outras visitas ela simplesmente fez-se uma a mais. Misturou-se, veio junto e até fez amizades. Como encontrou nosso endereço?

Dona Dor é aquela visita incômoda que vai adquirindo direitos e por fim, conquista um espaço só seu dentro da casa. Querendo ou não ela passa a influenciar nas decisões do lar, acompanha a família às festas, ajeita a cortina, remenda a almofada, rouba flores de velório para decorar a casa... E não é que fica lindo?

Nem todas as vezes fica para dormir mas só vai embora tarde da noite. Bem tarde. É verdade que as vezes desaparece por uns tempos mas sempre volta. Geralmente quando já esquecemos dela.

Dona Dor nem sempre dá explicações. As vezes dá a entender que fomos nós quem a convidamos. Outras vezes diz que a casa é dela... ou que veio porque fomos nós que deixamos a porta aberta e ela se sentiu convidada. Ela suporta nossas perguntas mas não se anima em dar respostas. E quando dá, se contradiz em seguida. Ela adora contradizer-se. Ah como se diverte com isso!

Não se engane: não importa quanto tempo passe mas ela voltará. Sempre volta e cada vez em intervalos de tempo menores.

Dona Dor sempre nos ajuda com a decoração. Parece pouco mas quando falta, faz falta. Dona Dor sabe enfeitar o "ininfeitável" e decorar o "indecorável". Arranja beleza não sei como e a gente sempre se pergunta onde teria adquirido tanto bom gosto.

Nunca sabemos quando vai embora. As vezes parece que não vai nunca. Outras vezes sai pela porta da mesma forma sorrateira como entrou. Ela sempre nos incomoda: quando vem e quando vai. Indo ou vindo ela é o que é.

Quando chega sempre arranja um canto para ficar. Quando permanece incomoda. Quando vai... Não é bom nem ruim: é apenas estranho.

Fica um espaço quando parte. Se não colocarmos nada em seu lugar, ela volta. Precisamos arranjar rapidamente um vaso de flor, uma poltrona, uma luminária. Dona Dor não resiste a espaços vazios.

Claro que não a queremos de volta mas temos que admitir que sem ela nunca mais teremos aqueles arranjos de flores...

Cristina Faraon

15 de dez. de 2007

Confraternizações e piscinas

Ainda no clima de dezembro:

Fico pensando se esse tanto de confraternização de final de ano expressa algum tipo de alegria real... Acho que a pergunta procede porque não é possível que não reflitamos sobre os fenômenos sociais que nos acomentem (nossa! Sempre quis usar uma frase assim. Gostou?)

Se não é felicidade em estado bruto (e põe bruto nisso!) talvez esteja mais mais para busca. Ou quem sabe não passe de um "vai-na-valsa" que ninguém entende muito bem mas adere assim mesmo. E depois do quinto chope, o que importa?

Não pensem que escolhi o ano de 2007 para implicar com tudo. Sou apenas uma pensadora - "atividade" muito valorizada na antiguidade, fique você sabendo.

Ontem fui à milésia confraternização. Abre parêntesis: foi a minha vez de cair no conto do Amigo Invisível. Comprei um presente de O Boticário e ganhei em troca um pacotinho beeem pequeno. Torci para que fosse um baton de qualidade mas logo me desapontei. Adivinhem! Acertou! Era um frasquinho de "reparador de pontas" (pontas de cabelo!) - produto que não deve ter custado nem cinco reais. Não me considero uma pessoa mesquinha, mas ontem doeu... Fecha parêntesis.

Pois bem: havia no local um grupo tão animado, mas tão animado que minha reação oscilava entre inveja e medo. Era sobressaltada vez por outra por gritos, exclamações incompreensíveis, uivos, pulos... E para aliviar as tensões, palavrões eram pronunciados com candura tal que chegava a enternecer a alma mais empedernida. Tudo dentro do mais legítimo Espírito Natalino. Eu acho. Se não for o tal, não sei bem a que atribuir aquelas manifestações paranormais.

Não me atrevi a por a culpa em Jesus Cristo.

Pois é: de lá para cá fiquei a me perguntar qual seria o motivo de tanta empolgação. Por que agiam assim, Santo Deus, tão fora dos padrões do dia-a-dia? Não tinham dívidas? Doenças? Chifres? Ninguém estava com o emprego por um fio? Ninguém se sentia só, com cólica ou calo?

Interessante como as pessoas atendem placidamente a voz de comando de cada época do ano. Finados: hora de chorar; Dia dos Namorados: hora de se comportar romanticamente; Natal: agora é pra ficar emotivo viu, galera? E valorizar a família. Carnaval: soltar a franga (entenda-se: "dar pra todo mundo") e por aí vai.

Em termos de "fenômeno provocador de felicidade", depois das confraternizações o que vem em segundo lugar com certeza são as piscinas domésticas. De clube não vale.

Dinheiro não traz felicidade mas piscina sim.

Explico: onde moro pude comprovar que nas casas onde existe piscina a felicidade está garantida. Aos finais de semana, pelo menos. É uma coisa mágica!

Piscina em casa é sinônimo de ajuntamento de crianças saudáveis comemorando com alegria desesperada o próprio existir. Lindo! Na vizinhança ninguém dorme, estuda ou faz oração: todos se tornam platéia para "aquilo". É como nas confraternizações: gritos, risadas descontroladas, música, disposição para continuar indefinidamente, abraços, comida, palavrões, bebida...

Gente, se eu soubesse que piscina trazia tanta felicidade nem teria comprado carro ou mobiliado a casa. Estou revendo meus conceitos...

Se você não tem piscina em casa é digno de pena. Mas como Deus é pai você pode, todos os finais do ano, ter acesso ao seu quinhão de alegria garantido pela infinidade de confraternizações da época.

Só advirto que tome cuidado com um certo "Amigo Invisível" (ou "O Tenebroso") que anda assombrando por aí. É fácil reconhece-lo: é um Papai Noel às avessas. Além de te desapontar, vai te encher de dívidas.

Legal, né?

Cristina Faraon

28 de nov. de 2007

Estranho vício


Que eu lembre assim, de sopetão, não tenho nenhum vício. Ou, como dizia uma conhecida minha: "fumar, beber, jogar... Desses viciozinhos tolos eu não tenho nenhum."


Mesmo sem ter vicíos posso entender alguns. A ciência explica de forma razoavelmente compreensível aos indoutos (como eu) o motivo de alguém se viciar em cigarro, jogo, bebida, drogas... Até que dá pra entender. Mas os viciados em trabalho desafiam minha capacidade de compreensão.


Existem pessoas que se inquietam frente a possibilidade de "não ter nada pra fazer". Têm crises de ansiedade - "Oh, que calamidade!" Não podem ficar paradas e declaram orgulhosamente que amam trabalhar: "O trabalho é minha razão de viver. Não sei ficar parado". São os viciados em trabalho. Credo.


Segundo a psicóloga Denise Mendonça de Melo (viva o Google!) os viciados em trabalho "passam pouco tempo com a família e mesmo quando estão presentes o assunto é sempre o trabalho. Sendo assim, o período de férias torna-se um suplício, pois longe de seu “habitat natural” sentem-se muito incomodadas, acreditando que estão desperdiçando tempo com futilidades e que por isso são pessoas inúteis. Anseiam para voltar ao trabalho, não conseguem relaxar."

Jesus, tende piedade dessas almas.

Li também que "Artigos científicos publicados em revistas de todo o mundo costumam levantar a hipótese de que boa parte dos seres humanos apresenta uma “predisposição psicológica” para o vício em trabalho."

Tô fora.

Entendo bem as pessoas que gostam do que fazem, que trabalham com afinco, são prestativas e dão o melhor de si em uma tarefa - têm um alvo a alcançar. Mas dá um nó em minha cabeça imaginar que um ser humano livre consiga resumir sua vida ao trabalho e ainda se gabe disso.

Para mim o trabalho é uma maneira legítima de realizarmos nossos sonhos. E é maravilhoso quando gostamos do que fazemos. Só que gostar do meu trabalho é bem diferente de viver para ele. Gostar é bom mas "viver para" é um tipo de maluquice. Pelo menos é o que eu acho do alto da minha pseudo-sanidade.

Sei perfeitamente que existem profissões com o poder de absorver grande parte do tempo de suas vítimas. Elas - as vítimas - por necessidade e/ou senso de responsabilidade se esforçam para cumprir todas as tarefas impostas pelo feitor - digo, empregador. Nisso passam 10, 12, 14 horas por dia. Se essas pessoas forem emocionalmente saudáveis preferirão viver de outra forma e nesse exato momento devem estar maquinando alguma maneira de sair dessa fria. Mas se o "prazerômetro" desse ser já tiver sido seriamente danificado ele vai continuar... até cair pra trás, roxo.

Uma pessoa com o "prazerômetro" danificado, quando de folga não consegue se livrar daquela sensação desgraçada de estar esquecendo de fazer alguma coisa importante. Sente uma "cuíra" misturada com sentimento de culpa quando não está com a enxada na mão. Outros sintomas:
Não consegue relaxar, sua frio e por fim fica dando voltas na casa procurando o que fazer; checa se a lâmpada precisa ser trocada, rearruma as gavetas - dessa vez por ordem de preço, não mais de cor - dá outro banho no cachorro, corta as unhas de todas as crianças do bairro, revira a casa procurando lápis para apontar, meia furada pra cerzir, pede a Deus que um passarinho cague em seu carro para que possa lavá-lo de novo, numera os gatos da vizinhança - tudo isso pra não precisar ficar uma hora balançando em uma rede, ouvindo música e tomando uma água de coco. Dá até pena.

Em meu profundo e profícuo exercício de pensar já concluí que para alguém chegar a esse estágil lamentável de desprezo ao ócio eventual a porta de entrada é sempre a mesma para todos: fuga.

Paira na vida desse tipo de pessoa o medo de refletir sobre a própria realidade. Ela teme dar de cara consigo mesma ou ter que "discutir a relação"com o sujeito do espelho. Seria a morte se descobrisse que sua vida é uma tremenda furada, que está infeliz e que prefere trabalhar até três da manhã do que ter que fingir que ama a pessoa com quem dorme.

Não estou criticando ninguém! Entendo que fugir não faz ninguém feliz, mas anestesia. É legítimo e humano tentar fugir da dor.

O trabalho, para alguns, é uma maneira de fugir sem parecer covarde. Bem, se essa fuga te deixar mais rico tudo bem: os herdeiros agradecem. Continue até morrer. Mas se não está nem ficando rico, receio que você esteja fazendo um mau negócio.

Aqui vai minha contribuição para a sua vida sem sal: uma pequena lista de sugestões de fuga que, a meu ver, são mais divertidas do que trabalhar em excesso:


Faça sexo (se não for exatamente disso que você estiver fugindo, claro);

Leia um livro. Auto ajuda não; é profundo demais.

Escreva um livro e empurre na goela dos amigos;

Leia uma revista de abobrinhas. Não me refiro a culinária, mas não deixa de ser uma opção.

Durma. E sonhe colorido de preferência.

Vá para uma academia e deleite-se em acreditar que está "embonitando".

Desista da beleza e vá com os amigos festejar sei-lá-o-quê no barzinho.

Tome um banho de espumas e vá dormir novamente.

Fique na janela estudando o valor social das bundas.

Visite aquela tia que talvez não viva até o próximo ano. Dê assim aos seus sobrinhos um bom exemplo...

Faça um check-up (só recomendo isso se voce tiver quase certeza de estar saudável)

Assista um filme bem triste e descubra o quanto sua vida é maravilhosa.

Faça compras.

Em caso de pobreza excessiva, vá ao shopping só olhar. Sonhar é de graça - ainda.

Curta um "dia da noiva" (ou do noivo) em algum salão de beleza. Dizem que a pessoa sai de lá 3 anos mais jovem. E um mês mais pobre - mas isso é só detalhe.

Evite seções de massagem porque nessas ocasiões a pessoa acaba pensando na vida e você não está preparado pra isso.

Converse com alguém na internet. Se for seu dia de sorte, em meio a tantos jumentos você conseguirá encontrar alguem minimamente alfabetizado.

Quanto tempo faz que você não usa o fio dental? Pois é: mãos a obra.

Cante uma mulher difícil. Se você está de folga terá tempo de experimentar todas as táticas pra ver qual funciona. Vai que dá certo! E no final de tudo você ainda poderá escrever um livro sobre isso e ganhar uns trocados.

Se nenhuma dessas sugestões lhe agrada aceite mais essa: consulte um psiquiatra ainda hoje. Sério.

Agora me dê licença que eu estou de férias e preciso bater o cartão de pontos na rede que está pendurada lá no meu pátio.

Cristina Faraon


21 de nov. de 2007

Noronha

Não, esse título não tem nada a ver com o nome de algum novo gatinho de estimação.
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Estou em Fernando de Noronha - caso alguém esteja interessado em saber por onde ando.

Obviamente estou empolgada com tanta beleza. Recomendo a viagem. Antes porém sugiro que vendam alguns bens.

Hoje fiz mergulho. Adorei, mas pensei que fosse uma coisa mais fácil e banal. Nada disso. Dá uma tremenda aflição, cansa, pinta medo... mas vale a pena. E como!

Depois mostro umas fotos para vocês, tá? Por favor, não percam o sono enquanto eu providencio. Juro que vou mostrar.

Confirmei o que já desconfiava há tempos: os seres humanos NÃO FORAM FEITOS para habitar o fundo dos mares. O ambiente é lindo mas inóspito para nós. E olha que nem apareceram tubarões!

A pressão lá embaixo é muito grande e o ouvido sente. Os pulmões também. Quanto mais fundo mergulhamos pior a sensação de peso, opressão nos pulmões, perigo e desampado. Dificil deixar de imaginar a merda que seria ter um ataque de tosse lá embaixo...

Agora entendi porque os peixes não tem ouvidos: porque lá embaixo dói muito e eles teriam certa dificuldade em apertar o nariz para tentar desentupi-los. A natureza é sábia.

Uma coisa com a qual eu não contava: os instrutores nada me disseram sobre o risco de um acesso de risos. Por várias vezes tive que usar todo o meu poder de concentraçaõ para não rir da aparência de certos peixes. Havia um que parecia um retalho de pano florido. E para completar a impressão ele deixava-se jogar sobre uma pedra de um jeito bem engraçado. Parecia toalha de mesa de restaurante do interior.

Havia um peixe lindo, azul escuro com detalhes muito fashion em neon. Se não era neon resta-me dizer que a imitação era perfeita. Ah, também vi um que parecia ter os dois olhos de um lado só. Não deu para checar se do outro lado haviam mais dois... Tendo ou não tendo ele já está classificado na categoria "ESTRANHO".

Fiquei um pouco desapontada com a indiferença deles em relação a minha pessoa. Não me conformo de não terem me achado nem um pouco assustadora. Eles passeavam tranquilos a minha frente (e por cima e por trás também. E por baixo) demonstrando o quanto me acham comum. Chato, né? Só se esquivavam quando eu tentava lhes fazer um cafuné. Decididamente os peixes não apreciam essa demonstração de afeto.

Os cardumes passavam por mim como se eu não oferecesse perigo algum. Na verdade não oferecia, mas eles não precisavam deixar isso tão claro!

Bem, são essas, inicialmente e atabalhoadamente, minhas primeiras impressões do fundo do mar.


Cristina Faraon

14 de nov. de 2007

Não contem nada a eles!


O boi, o frango, o peixe, a capivara, o camarão, o marreco, a lula...

Como você, eu também devoro animais - sem trocadilhos.

Não, não me sinto nem um pouco culpada por isso e não vou erguer a bandeira magra e pálida do vegetarianismo. Meu pensamento é o seguinte: deu mole, virou refeição. Nunca aconteceu com você?


Calma! Estou me referindo (sinceramente!) a alimentação. Sabe essas coisas que a gente faz na cozinha, na mesa... Hmmm... Deixa eu melhorar: refiro-me a essas coisas que tem a ver com panelas, tempero, sobrevivência, mastigação. Ficou claro?

Continuemos.

Não sou vegetariana. Quero a saciedade que vem das carnes, quero me sentir "das cavernas" de vez em quando. Faz bem. Comer carne é (do lado de lá e do lado de cá) animalesco, violento e, talvez por isso mesmo, delicioso. O sangue é só um detalhe.
Você deve estar se perguntando o que, então, me levou a iniciar esse texto falando de seres tão comestíveis? O boi ... o frango... o peixe... O que, nesse simpático corredor da morte, instigou minhas considerações?

Tomemos como exemplo o frango: quantas e quantas vezes já me flagrei com um frango entre os dentes e o coração pesado a considerar a brevidade daquela vidinha tão desprovida de prazer e sentido. Tem sido doloroso pra mim imaginar que algo sagrado e misterioso como a VIDA possa acontecer sob determinações estatísticas e contábeis, com o fim único de ser destroçado por humanos impiedosos.

Pense em toda aquela expectativa da galinha, do "coito" à constatação de que mais um lindo ovo viria ao mundo! E para quê? Pra ser quebrado em minha frigideira. Ou sadicamente alimentado e espionado até atingir a idade do abate. Que porcaria de vida é essa?!

O camarão "singrando" os mares, fazendo planos para o futuro, sentido-se livre, jovem e desejado pelas camaroas ... Mal sabe ele que o "mar" que está singrando não passa de um viveiro safado e que sua vidinha vai acabar tão logo ele atinja o tamanho ideal.

Cruel.

Cruel, mas gostoso.

Cruelmente gostoso. E nem sai sangue!

Podemos dizer o mesmo do boi e de tantos outros desafortunados que pisaram esse mundo sem perceberem que nenhuma de suas qualidades seria apreciada, a não ser o valor nutritivo.

Do nascimento a morte o que pode haver de interessante na vida de um bicho desses? Pode até haver mas jamais saberemos. Jamais! Por que desenvolveram inutilmente habilidades? Por que aprenderam a andar, nadar ou voar? Por que ter lindas penas ou pelos macios se tudo se acabará no Auschwitz da nossa cozinha?

Qual a especial ventura ou aventura, o plano de existência, o ato de bravura a ser registrado? Quem se interessa pelo que cada um desses animais possa ter de singular? Manias, preferências, fobias, sobressaltos... De nada disso restará lembrança. Passam pela vida como coisas vãs, como nada! E no entanto são tão complexos em sua formação... A vida neles também é um mistério, tanto quanto em nós. Que força os sustenta? De onde vem? Como se mantém e para onde vai? Quem se importa? Toda a ciência de seu micro-mundo está destinada ao nada... a ser perdida para sempre.
Sabe, isso me inquieta. Não o suficiente para passar fome, mas inquieta.

Eles enxergam, ouvem, sentem as exigências da natureza, a aproximação do predador ou da fêmea, sentem fome, cansaço, aflição... Para quê? Tanta complexidade desperdiçada...
Se eles soubessem - não conte nada a eles! - o quão breve e pobre suas vidas são e quão cruamente estão destinados ao buraco negro do esquecimento... Se eles pudessem ao menos refletir sobre a porcaria de vida que levam...
Sabe, acho que eles se revoltariam. Ou ficariam deprimidos - não haveria Prozac suficiente no mundo. Ou quem sabe, uma vez dotados de entendimento, eles se contentassem em escrever um blog cheio de indignação e amargura.
Ah como é confortável ser contada entre os humanos! Eu: um ser superior! Obra prima da criação de Deus reinando sobre os outros animais. Os reis da floresta somos nós! Ah que chique mandar no pedaço, escolher quem morre e quem não morre, se é com fritas ou farofa... ou quem sabe umas torradinhas. E chope!
Somos quase divinos. Pare para pensar. Pelo menos em comparação a uma lula eu sou. Falo por mim. Não sei você.

Então, enquanto pesarosamente eu comia e lamentava a má sorte daqueles seres inferiores e azarados, me ocorreu o seguinte: será que esse mesmo tipo de consideração também "aflige" os vermes que, debaixo da terra, esperam por nós? Por mim?!
-"Pobres humanos... Que sentido tem suas vidas? Se eles soubessem que a única finalidade das suas existências é nos alimentar... Vidinha mais besta! tantos projetos, tanto suspens, tanta complexidade desperdiçada... Não contem nada a eles!"


Cristina Faraon

3 de nov. de 2007

Pra quê?



Dia desses me senti meio patética (de novo!) vagando pelo shopping, tentando encontrar alguma coisa que valesse a pena ser comprada.


Tudo sem graça, manjado. E cada vitrine que eu olhava me encarava com perguntas irritantes:


- Um anel... Mas pra quê? Você tem vários e eles não melhoraram em nada a aparência das suas mãos. Não se iluda.

- Você tem mesmo certeza de que quer essa droga de vestido? Vai para onde com ele? Vai ver quem? Essa cópia de cópia vai ficar mofando meses em seu armário e você se sentirá pior ainda.

(Droga! Vamos aos sapatos.)

- Sapato de novo?! Conplexo de centopéia... Quantos pares de pés você tem, mulher? Tudo bem, se isso te fizer feliz compre. Mas nós sabemos muito bem que não te melhorará em nada, nem por dentro nem por fora.

(Ódio! Vou lanchar.)

- Vai engordar assim, de graça, sem nem estar com uma fome que justifique a transgressão? Depois já sabe: vem aquele sentimento de culpa, o espelho inclemente, as roupas que encolheram...

- Mulher, vá para a sua casa! O que você está fazendo aqui? Vá! Vá! Xô!

Responder o que? Fui. Mas antes resolvi me consolar com um sorvete. Não precisa estar morrendo de fome pra tomar sorvete, não é?

Uma vez ingerido não pude evitar: fiquei pensando na guerrilha interna que acabava de ser iniciada dentro do meu nobre corpo.

A gordura desesperada, procurando uma trincheira.

A área vip é o abdômem. Toda gordura do mundo quer ir para esse céu amarelo, mole e escorregadio. Quem não conseguiu classificação teve que se contentar como "classe média" acumulando-se em minhas costas.

As coxas são classificadas (segundo análise do modus operandi da invasora) como a pior parte da segunda classe. Elas não fazem muita questão de ir para lá mas acham preferível do que fazer volume um minha bunda. Filhas da mãe!


O espaço para essa guerra não é tão vasto, felizmente. Tenho procurado dificultar o acesso da inimiga às áreas principais, protegendo-as com exercícios físicos. Só que nem sempre isso é o suficiente. Atualmente são minhas únicas armas, além do ingênuo adoçante.

Ultimamente tenho percebido uma sutil "invasão de terras" também nos braços e queixo - áreas antes ignoradas e que têm tudo para passar a ser consideradas "vip". Era só o que me faltava! São locais difíceis de isolar. O canhão da ginástica nunca chega até lá. A solução deve ser drástica: capturar as invasoras manualmente e mandá-las para o campo de extermínio - entenda-se: lipoaspiração. Aguardem.


Se ginástica não resolve tudo, menos ainda roupas novas poderão resolver. Essas considerações foram revolvendo meu "estômago emocional" . Fui então pegando um nôjo - sério! - das roupas, das blusas, blusões, blusinhas, colares, sandálias, calcinhas... Cada lembrança, uma careta. Cada peça, um arrôto. Tudo me pareceu excessivo, colorido demais, fútil, pequeno, "aperuado".


Eu já estava prestes a vomitar mas meninas simpáticas me perseguiam para dizer que eu poderia comprar meio mundo e começar a pagar só em 100 dias.


Acho que vagar pelo shopping é a penúltima etapa para o fundo do poço. Tive pena de mim mesma...


Não quero nem saber como é o fundo do tal poço. Muito menos onde fica. Por favor, guarde para você essa informação.

Cristina Faraon

1 de nov. de 2007

Existe?


Há quem acredite na existência de duendes. E fadas. Seres extra terrestres. Sei que existe uma galera que jura já ter sido abduzida.
Tem gente que acredita em bruxas, em regeneração, em vida eterna, em igualdade, em homens fiéis...
Não estou animada a falar sobre essas coisas. Nada disso me inquieta, nada disso tira a minha paz.
Mas hoje ... Essa foto mexeu comigo.
Será que isso existe?
Claro que você não vai me perguntar "isso o quê?" Claro que estamos falando do momento supremo registrado por essa foto.
Essa representação de felicidade não estaria um tanto exagerada? Isso é para nos entreter ou para nos enganar? Tem a ver com a vida real? Essa liberdade toda não contraria a legislação vigente? Acho que a moça aí, de tão feliz conseguiria voar. Espero que tenha autorização.
Ah, quero sentir isso. Desse jeitinho mesmo. Vou me concentrar pra ver se pelo menos consigo sonhar que estou num lance desse.
Calma, calma! Respiremos fundo e analisemos.
Se considerarmos que o imóvel de onde a moça evadiu-se, representa apenas o invólucro de sua alma, poderíamos interpretar a figura como um flagrante imaginário de um momento único: a morte. Legal, não é? Até aí não vejo nenhum absurdo.
O problema é se...
... E se a foto não tiver nada de metafórico? E se for a verdade escancarada de alguns poucos agraciados pela vida? Aí o bicho pega... Não, talvez o bicho não pegue, porque a garota está livre, leve e solta.
Mas persiste a pergunta: é possível que ainda aqui em nosso planeta, arrastando carne, ossos, músculos, gord - deixa pra lá - é possível que nos encontremos um dia em meio a esse desespero de liberdade?
É possível sair por aí mostrando todos os dentes, correndo descalça, pulando, gritando talvez? Não seria um tanto ... subversivo? Anti natural? Indecente?
Será que, porventura, poderia vir a acontecer... comigo?

Cristina Faraon

30 de out. de 2007

Que fofo!


Por falta de tempo de nos encontrarmos, costumo conversar com minhas amigas via internet. Ultimamente uma grande amiga e eu comentávamos o teor de um dos meus textos. Na continuação do diálogo, olhem que e-mail fofo ela me mandou!
Só não digo o nome dessa amiga porquecerta vez ela me disse que acha esse lance de blog uma coisa meio estranha: "é muita exposição!" rsrsrs.
Ela é muito sóbria e recatada.

"Olha, Cris, meu tempo é muito cheio de acadêmicos afazeres, mas também não sou assim uma pessoa tão incorruptível (rsrs)! De vez em quando (principalmente quando trabalho em casa) dou uma escapulida pela Internet. Hora do recreio! E se eu achar uma bolachinha com chocolate pra degustar, melhor ainda!

Pois é, teu texto era uma bolachinha com chocolate dos 2 lados... Saudável como o rir de nós mesmos... Não tive a impressão que estava registrando um "mau" momento. Ao contrário, deu para perceber muito bem a tua leveza e teu bom humor, e entendo o que estás falando a respeito da tua nova liberdade de ser.

Estou começando a enxergar algumas coisas das reações viciadas que a gente adquire em anos de igreja sem aprender a desconfiar de tudo que nos leva a nos esconder atrás de máscaras espirituais. A liberdade de ser é uma coisa contagiante. Falei que estava "pensando em voz alta", com toda a liberdade de uma amiga, sem nenhuma crítica velada atrás de minhas palavras, para tentar analisar honestamente o desconforto que sinto, principalmente se eu penso na categoria de pessoas passíveis de se escandalizarem com essa liberdade. É verdade que não dá para ficar sempre se preocupando com o que as pessoas vão pensar, mas no fundo não consigo parar de me preocupar e acabo voltando à velha pergunta: é lícito sacudir os escandalizáveis escandalizando-os com nossa liberdade ou não adianta? Seja uma estratégia ou seja espontâneo. Não sei...

Enfim, acho que tu sempre estás algumas milhas na minha frente, na reflexão a respeito de nossa experiência cristã. Achava isso quando te conheci de longe, nos anos 80, esbanjando uma batistésima segurança nas doutrinas (ainda que como forma de procurar uma segurança) e agora, nesse teu processo de busca de odres novos. És uma amiga estimulante, tá vendo! "

26 de out. de 2007

Desconfio


Sempre olhei assim, meio de lado, para as pessoas que fazem questão de mostrar pra todo mundo o quão felizes elas são. São a pior vertente do Politicamente Correto.

Quem é sincero, mas sincero mesmo, não é politicamente correto - convenhamos. A vida de ninguém é um cartão postal e se parecer com um, desconfie.

Você já se sentiu logrado por fotografias de lugares paradisíacos que não eram tão paradisíacos assim? A areia não era tão fina, a água não era tão clara, a praia não era tão lotada, as moscas não eram tão persistentes... Pois é.

Os Manequins de Vitrine de Subúrbio - doravante chamados MVS - são uma propaganda viva de... de quê mesmo? Ah sim: às vezes de uma religião, de uma causa, filosofia, um movimento... Uma utopia qualquer - não importa. Eles só querem mostrar que a coisa funciona. Vivem para isso e para isso empenham - e emprenham - a alma.

Não se enganem: eles não ostentam essa suposta ventura com o objetivo de animar ninguém. Muito pelo contrário: querem mesmo é ficar pairando no céu como pipas coloridas, inacessíveis e cobiçadas pela molecada esfarrapada do bairro. Há uma maldade velada naqueles sorrisinhos.

Não louvo quem vive reclamando de tudo. Esses também são chatos. Mas me sinto muito bem ao lado de gente-como-a-gente, que não sente necessidade de provar para ninguém que está “no andar superior” da vida.

Geralmente as pessoas que admitem que estão com “a bola murcha” são as mais humanas e batalhadoras. São as que te entendem, que dividem o sanduíche, que explicam que “a vida é assim mesmo mas amanhã melhora” - e ainda te convidam para tomar uma cervejinha cada um pagando a sua. Elas presumem, corretamente, que os outros são como elas e que percalço não é vergonha. O lance é “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.”

Gente só é legal quando é gente. Porque gente que não é gente, enche o saco da gente.

Altos e baixos, dia e noite, som e silêncio... É assim mesmo. As pessoas que tem essa postura não encaram os problemas como castigo de Deus, maldição, pé frio ou “algum mal eu fiz no meu passado”. Dessa forma são as únicas aptas a te dar um abraço amigo quando tudo está um caos e a mulher dorme de calça jeans. Elas vêm, pagam um cafezinho e tudo o que dizem pode ser resumido em: “tem razão, as vezes a vida é uma merda. Mas não esquente que amanhã a coisa melhora. Meta a cara e vá levando porque você não é um rato.”

Ninguém precisa de super homens. Nem mesmo para resolver nossos problemas. Por mais que se esforcem os super homens só conseguem fazer com que nos sintamos como minhocas. Onde vão, arrastam consigo (entre parênteses) a seguinte legenda: “Cara, como você consegue ser tão azarado?”

Pior do que um MVS, só dois. Refiro-me aos casais de vitrine.

Você já conheceu um casal assim, que parece só se animar quando há platéia? Eu já. Deu vontade de colocar tachinhas na cadeira deles, “adoçar” o suco com sal, plantar uma barata morta em seus bolsos, pedrinhas na comida... Não fiz nada disso e ainda pedi perdão a Deus. Pode olhar minha ficha que nada consta!

Selinhos sem naturalidade, mãozinhas dadas em público, “depois a gente conversa sobre isso, meu amor”. Vai ver que nem transam.

Não consigo abandonar a idéia de que os MVS escondem uma tremenda amargura em suas almas plásticas. Acho que sofrem de uma carência de alegria crônica mas, doentiamente, recusam-se a admitir. Exibem-se nem tanto por vaidade, mas por necessidade desesperada de acreditar que estão dando certo - ainda que nem estejam dando. Certo?

Concordo que é doloroso demais constatar que o castelo virou farelo, mas poxa! A gente tem que encarar os fatos! Se não para melhorar, pelo menos para não ser mala.

Meu coração pertence aos com-defeito: pessoas que suam, que perdem a paciência, sentem dor de cotovelo, ciúme, não escondem o furo da meia e vez por outra ainda estouram o cartão de crédito. São a companhia ideal porque, apesar da vida, não deformam nem perdem as tiras.

Quanto a galera da vitrine... Sei não, acho que é tudo broxa.


Cristina Faraon






20 de out. de 2007

Tudo e Todos

Todo lugar é lindo quando se é livre
Todo lugar é assustador quando se tem medo

Toda lembrança dói quando se está infeliz
Tudo parece possível quando se é jovem

Todo amor é o último quando é o primeiro
Todo amor é o primeiro quando é sincero

Todo ser vivo é bonito quando olhado de perto
Toda pessoa é feia se olhada sem amor

Nada é verdade absoluta
Mas tudo o existe
Implora por ser decifrado.

Cristina Faraon

REALIDADES BRASILEIRAS