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3 de jul. de 2008

Kyrie Eleisson. Christe Eleison!


Incentivada por uma reportagem que dizia que um blog serve para " oferecer espaço para angústias pessoais que só abandonam uma mente inquieta quando se transformam em letras...." aqui estou.

Sim, com esse incentivo vou abrir meu coração tão cheio de compartimentos, calabouços e entradas secretas. Claro que escolhi para visitação um compartimento não muito grotesco. Preciso preservar a minha imagem. Pensei: "Se eu liberar o compartimento "A" talvez aquela pessoinha me despreze e nunca mais queira papo comigo; por outro lado se eu escancarasse o compartimento "B" ela poderia pensar que sou um amor de pessoa, o retrato da candura e esse também não é o caso, convenhamos." Optei muito sabiamente pelo compartimento "D".

Quanto ao "C" por favor esqueça. Poupe-me de sua curiosidade constrangedora.

Vamos ao "D". "D" de demente, de débil mental, deletério, desdentado, demoníaco, desmistificado, deturpado. De que estou falando? De mim e do mendigo ao lado.

Mendigos me deprimem e inquietam. E fazem com que eu me sinta completamente fracassada em minhas tentativas de ser boa. Por quê? Porque geralmente não faço nadinha da silva por eles.

A verdade é que eu preferia que eles não existissem ou que fossem discretamente remanejados para a Mendigolândia: um lugar muito calmo, com comida de graça e cama macia para tooooodos eles. Músicas suaves e enfermeiras prestativas vestidas de branco e com voz de fada. Sim, a Mendigolândia que desejo para eles é um lugar paradisíaco e longe, mas muito longe daqui.

Nunca me fizeram mal. Geralmente estão muito ocupados com suas próprias esquisitices. O problema é que os mendigos de filme estão sempre a um passo de um homicídio! Impossível não me impressionar. Vai ver que a culpa é dos filmes. Isso mesmo! Tomara.

Acho que todos os mendigos são loucos ou estão a um passo disso. E são invariavelmente sujos. Alienados também. Estão a margem da sociedade mas não desgrudam da margem, não a largam por nada. Ficam lá atracados pelas raízes e não se deixam levar pelo rio. Eles permanecem apesar de não ter casa nem comida, água encanada ou roupa sem furo. Por bem menos que isso quase enlouqueci dia desses; fiquei claustrofobicamente pirada em uma viagem interestadual de ônibus (frescura).

Dois a zero para os mendigos. Ainda assim eles me incomodam porque sou cristã, entende? Nâo entende?! Hm...

Creio no Amor, na Bíblia. Creio em Jesus e no Evangelho. Sou até esforçada, mas não o suficiente para abraçar um mendigo e dizer "eu te amo, meu irmão. Venha para a minha casa". Entendeu agora? Isso é frustrante!

Procuro ser uma cidadã legal, ajudo uns e outros... Só que onde vou há mendigo. Eles se multiplicam como o inimigo do Neo em Matrix, só que com menos charme. Os pés deles são sempre inchados, rachados, ressecados e algumas vezes bichados. Os cabelos são um ninho de marfagarfos. Pôxa, sinto aversão! E à aversão segue-se a depressão, o sentimento de fracasso, o cruel questionamento: "bela cristãzinha de m... que você é, hein!"

Droga...

Ah como eu queria ser São Francisco de Assis, Madre Tereza ou um apóstolo qualquer de Cristo! Mas nada. Olho no espelho e lá está a cara manjada da Cristina, com a estante cheia de Bíblias em várias traduções.

Aquele cara esfarrapado e que aparentemente só fala consigo, na verdade me emite mensagens telepáticas. Ele ri sarcasticamente enquanto me pergunta: "Quem é você mesmo? Ah, mais uma seguidora de Cristo, né? Tá bom." Enquanto isso cata papel e lixo do chão... assim como Cristo escrevia na areia diante dos acusadores da mulher adúltera.

Porque eles não vão para a Mendigolândia? Por que não sentam com a gente e contam suas histórias tristes? Isso ajudaria um bocado.

Não sinto vontade de abraçar o mendigo. Nem de beijar ou de lhe lavar os pés, como Cristo faria. Geralmente o máximo que faço por eles é dar alguns trocados que não me fazem sentir nem um pouco melhor.

Pela janela vejo outro, e outro... e mais outro. Eu poderia me aproximar de um deles e puxar papo mas vejo que ele fala sozinho. Não adianta lavar, vestir ou oferecer um emprego. O cara fala sozinho!!! Como atingir alguém que fala sozinho?

Não sei se ele reflete mas a seu respeito tive a coragem de pensar: Como uma pessoa consegue cagalhar desse jeito com a própria vida?

Não, isso não é cristão. Não, isso está muito aquém do meu ideal.

Kyrie Eleisson! Christe Eleison!

Cristina Faraon

2 comentários:

Unknown disse...

Prezada Cristina,

Descobri seu blog através do orkut do Dr. Waldir Cardoso e resolvi dar uma olhada. No início deste post você me causou impacto, aos poucos fui percebendo que na verdade esta é situação recorrente em nossas vidas e achei bem bacana como você expôs isso. Parabéns pelo Blog.

Abraços,

Wirna

Rafael Faraon disse...

Será que é anti-cristão não sentir vontade de abraçar um mendigo?

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