.

.

17 de mai. de 2013

Vale de lágrimas *

Todos precisamos de um bom lugar pra chorar. Assim como não podemos mais viver sem o recolhimento discreto dos sanitários, a vida também não deveria nos impor a carga de chorar na frente dos outros. Quando não se tratar de algo intencional para enternecer os outros, chorar geralmente é uma atividade íntima e tímida, que a gente só quer fazer escondidinho. 

Chorar na cama pode ser bom, mas nem todo mundo dorme sozinho. Outra boa opção é o banheiro, mas na hora mais "sentida", pode aparecer alguém, cortar o seu barato e ainda testemunhar seus olhos inchados. Chorar no banheiro do trabalho então é quase como chorar em público. Desaconselho. Os colegas não só espreitam o seu tempo de permanência como ainda espalham historinhas a seu respeito. Batom novo, esmalte em dia, brinco de ouro, tudo isso passa despercebido mas olho inchado vai para o Fantástico.

Chorar na igreja é permitido. Muita gente vai lá só pra isso  ainda sair com bônus: alivia o coração e ainda ganha uma medalha por devoção sincera. Claro que o tiro também pode sair pela culatra e o povo concluir que o choro não era devoção coisa nenhuma mas puro sentimento de culpa por algum pecado escabroso que você acabou de cometer. 

Pensando bem, igreja não.

Cinema então, nem se fala! Só chore se for no começo do filme. Se a intenção for chorar no fim, pelo menos tenha o bom senso de escolher um filme triste, se não quiser sair desfilando com um bottom de "Desequilibrado".

Vou logo dar a dica: decididamente o melhor lugar do mundo para chorar é dentro do próprio carro.  Digo por experiência. O carro é o paraíso dos chorões. Parado ou em movimento, é a bolha de privacidade que todo mundo pediu a Deus. É quase um útero de lata.

Já verti lágrimas memoráveis dentro de carro. Quase me orgulho delas porque ninguém viu nem me molestou com perguntas indiscretas. Não me senti impelida a abrir o coração para ninguém e por conseguinte meu nome não estava nos noticiários do bairro no dia seguinte.  Tudo morreu ali mesmo, no aconchego das películas e bancos grafite. Tenha sempre maquiagem no porta-luvas.

Outro conselho: se é pra chorar, chore com música. Quando a gente chora sem música sempre sobram uns mililitros de lágrimas no reservatório e não é isso que a gente quer. A ideia é zerar o chororô e sair de cabeça erguida.  Sem música você não alcança o efeito desejado pois o alívio não é completo.   


Passo-a-passo: 1) Escolha uma trilha sonora que lhe abale as estruturas; 2) Toque em bom volume sem constrangimento. O volume indicado é quando os graves fazem tum-tum-tum no seu peito;   3)  Não se prive de repetir a música quantas vezes achar necessário, ou seja: até você se sentir ridículo por chorar tanto ou não verter mais nenhuma lágrima. 4) Desconfie que acabou: force a barra, pense em mais alguns outros assuntos tristes. Só quando não sair mais nada é que você estará pronto para enfrentar a sociedade hostil e curiosa.

Depois desse "tratamento" ninguém mais vai te derrubar do salto alto. A musica, quando adequada, solidariza-se com você, é uma espécie de anjo invisível que fica repetindo ao seu lado "Eu sei como você se sente... é assim mesmo... oh, tadinho... Oh!Oh!  ...  você tem razão, toda a razão... Entendo a sua dor...Oh dor... "  Reconfortante. 

O legal é que um bom fundo musical transforma qualquer pavulagem em Choro Procedente. E no carro dá até para soluçar! Não é um luxo?  

Logo depois de chorar sua alma vai estar lavada e enxaguada. Preserve-se: evite beijar na boca por pelo menos uns quarenta minutos. A explicação é que chorar tem efeito contrário a beijar. Chorar alivia, esvazia, mas beijar transforma você em uma panela de pressão. Ninguém se alivia beijando, essa que é a verdade. Beijar logo depois de chorar é o mesmo que fazer musculação logo depois da massagem relaxante. Entendeu? Pois é.

Estou falando em choro para me distrair. Estou com saudade da minha mãe e a melhor maneira de esquecer da propria dor é tratar da dor dos outros. 

Nunca mais vou ouvir sua voz doce me dizendo "Minha filha, Deus te guarde! Que Deus abençôe seus filhos, seu marido. Você é uma bênção! Que ele te faça uma boa mãe e uma mulher sábia..."

Ela sempre dizia coisas assim, me abraçava, comprava algum presentinho (Natal ou aniversário), escrevia um cartão... Hoje não tenho mais isso. Então chorei, choro e chorarei sem deixar pistas.

Páginas