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5 de ago. de 2015

Andanças


Moro num país tropical onde andar pelas ruas é um tremendo ato de coragem.  Pois hoje, novamente, ousadamente, desafiei todos os dragões e cometi o ato tresloucado de caminhar por aí como se o mundo não fosse o que é.   Registre-se: de dia, sem dinheiro, sem cartão de crédito, com um telefone bem baratinho e protetor solar.

Não sei se algum dia ainda vou pagar caro por fazer isso sem autorização dos bandidos da área. Não sei se estão observando meus costumes para dia desses me esfaquearem, escalpelarem e esquartejarem. Não sei. Só sei que sob as árvores, pássaros, folhinhas caindo e a bênção de pombos e passarinhos marrons do quinto escalão, fui feliz!

Não é simplório e comovente se sentir feliz com tão pouco? É.

Quando caminho, a liberdade me pega pela mão e conta coisas bonitas. Fico empolgada e rebelde, corajosa e emocionada como se estivesse sendo influenciada por algum amigo travesso.

Há também um interessante potencial para desenvolvermos nossa espiritualidade enquanto caminhamos. Além da fé,  é nessa ocasião que mais sinto gratidão e penso em Deus. É quando mais tenho consciência do meu próprio corpo, da maravilha que ele é e da delícia de te-lo funcionando. Passo a valorizar mais ainda a eficiência das minhas pernas e, de quebra,  ainda me amo por ter olhos para achar tudo isso tão bonito.

Pois tudo é bonito de perto. Realmente.  Bem mais "ao vivo" do que de dentro do carro. As árvores deixam de ser borrões verdes, as pessoas tem feições mais específicas e, se prestarmos bastante atenção, até ouvimos o ruído de suas respirações. Daí podemos deduzir felicidades ou aflições, nos tornamos mais humanos e reflexivos. Gente, a vida só presta se for vivida em 3D.

Alguém por aí já disse que "é melhor morrer de pé do que viver de joelhos". Pode parecer exagero mas é assim que me sinto quanto às caminhadas: prefiro morrer do que não poder usufruir dessa liberdade tão relevante. Dane-se o mundo que eu não me chamo Raimundo! Não vou viver como prisioneira. Não sou criminosa. Não mereço amarelar em casa até o dia da minha morte.

As manhãs tem sido lindas. Vem comigo! Vou te mostrar como é interessante perceber as pessoas contribuindo, com seus trajes, para o colorido esplendoroso do dia. É um festival totalmente bagunçado, a melhor versão do "não sei se rio ou se choro". Não vou abrir mão desse espetáculo - ora vá catar coquinho! Até porque um dia desses eu voltava a pé da academia e resolvi comprar tangerinas de um vendedor ambulante. Vim descascando e comendo pela rua as tais tangerinas, tão simpáticas, frescas e soltas em suas cascas! Dei-me assim o direito de andar distraída por aí.  Tenho a dizer que a experiência foi deveras agradável, motivo pelo qual vou atribuir cinco estrelas ao evento e adota-lo como rotina.

Olhando as pessoas de perto, não em flashes, vendo as bancas de frutas, cheirando maçãs e abacaxis, puxando papo com vendedores, sinto que não devo passar pela vida sem isso. Vivem me dizendo para "valorizar as coisas simples da vida", não é? Pois então?!   Daqui para acolá posso ter uma doença grave, um piripaque e acabou tudo. Jamais me perdoarei se, por medo, perder sol e figurantes pra nunca mais.

Deixo aqui uma menção elogiosa aos trabalhadores da construção civil. O calor os torna heróis, sem sombra de dúvida. Sem sombra nem de dúvida e sem sombra de árvore. Fecha parêntesis.

Por fim concluo que minha ousadia hoje nem foi tanta. Só chegou até o nível 1, da caminhada. Mas aguardem que brevemente chegarei ao nível 2: vou pegar minha espada mágica, capa e armadura e montarei minha bicicleta-alazão em prol da liberdade e da justiça!

Conversa fiada: será só em prol do meu prazer mesmo. Mas quem dirá que não é uma excelente causa?

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