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8 de out. de 2015

Incompartilhável

O ser humano é gregário.

Embora a necessidade de estarmos juntos possa ser motivada também por questões práticas, parece certo que o "estar juntos" se destina a atender exigências humanas de caráter mais emocional.

Os emocionalmente reclusos que me perdoem mas compartilhar experiências é fundamental. Há dois níveis de compartilhamento de experiências: um deles é bem básico e se resume apenas em contar o que aconteceu. Ao fazer o outro saber o que eu sei, me sinto mais irmanada com ele de alguma forma.  Teremos algo em comum: conhecimento. Acho lindo quando chego na casa do meu filho e minha neta me olha sorrindo e bate no peito para mostrar seu vestidinho. Ela quer que eu veja, simplesmente. "Olhe que legal meu vestidinho novo!"  Claro que eu digo "oh, que vestidinho lindo!" E ela vai-se embora feliz e satisfeita.

Mas nem sempre contar, ou mostrar, satisfaz. O segundo nível de compartilhamento é quando a gente consegue que o outro sinta o que sentimos. Precisamos que ele saiba a dimensão e profundidade e , se possível, que sinta a mesma coisa. Só aí a solidão acaba e nos sentimos finalmente acompanhados e compartilhados.

Talvez por isso a morte seja a experiência mais solitária de que se tem registro...

É aflitivo não conseguir partilhar. É aflitivo explicar, detalhar e ainda assim ver a outra pessoa impassível, não-tocada, virgem da nossa emoção. É como um muro entre as pessoas. Estar condenado a experimentar algo sozinho é ruim. Os filmes geralmente nos condenam a isso. Como? Veja:

Tente explicar para os mais jovens (por exemplo) aquele filme que marcou a sua juventude. É frustrante. Primeiro porque a trilha sonora será totalmente fora do gosto do momento. E o padrão de beleza? Lembro do quanto eu e meus irmãos ríamos quando a mamãe tentava nos fazer ver o quanto Clark Gable era bonito e sensual. A gente achava ele um bundão. Ela mandava olhar de novo e não entendia que não víssemos o que ela via. Outra coisa são os figurinos. Uma princesa medieval de um filme de 1930 vai nos parecer muito breguinha perto de uma princesa medieval retratada agora no século XXI. E não me pergunte qual a versão verdadeira. Os dramas do passado parecem ridículos aos nossos olhos. As virtudes do passado parecem falsas demais, inverossímeis ou simplesmente babacas.

Pior do que não conseguir transmitir o encantamento do passado para a nova geração é não conseguir fazê-lo para nós mesmos. Lembro de alguns constrangimentos que já passei nessa área. Eu falava há anos da emoção e suspense que foi assistir O Iluminado. Marcamos uma "seção pipoca" - eu e meus filhos - para que eles vissem o que é um filme de suspense de primeira. O resultado foi catastrófico. Nem eu consegui ver o que via no passado. Achei um porre. A questão é que este filme fez tanto sucesso que acabou sendo muito imitado.  Todos os truques de filmagem, de susto e de de horror já foram mais do que imitados, de forma que quando assistimos novamente a história parece que o original é que copiou o posterior. Sei, é injusto, mas é assim que funciona. Os jovens olham e dizem que "esse cara não é nada original! Já vi isso mil vezes!" Sim, ele foi o primeiro, copiado mil vezes pelos outros mas e daí? Quem quer saber disso? E lembra da heroína da história magricela, com uma roupa horrível gritando de medo com aquela cara de retardada?  Jesus, foi um constrangimento àparte!

Não, filmes são incompartilháveis.

Até hoje lamento ter assistido novamente O Iluminado. Eu deveria ter guardado para mim aquela boa lembrança de uma excelente película. Estraguei tudo vendo novamente. E ainda perdi credibilidade com a garotada.

É claro que existem exceções, como A Noviça Rebelde. Posso assistir mil vezes que vou achar lindo do mesmo jeito, mas não adianta querer transmitir isso para mais ninguém. Tenho que assistir sozinha e ficar calada porque não vou suportar que eles riam da Julie Andrews ou do Christopher Plummer!

As maiores emoções da vida são incomunicáveis. Tudo bem, isso eu já aceito, mas o pior de tudo é não conseguimos reproduzir o clima nem para nós mesmos. Lugares, filmes, amores... Melhor deixar tudo guardado na gaveta do passado. É mais respeitoso e reverente do que descobrir que o galã da sua vida não era tão galã assim ou que as sobrancelhas da Marlene Dietrich eram hilárias.

O melhor conservante para nossas mais nobres emoções é a memória. Se expostas à claridade do presente elas se desintegram rapidamente e, no final, descobrimos que ficamos mais pobres.

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