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15 de jan. de 2016

Um dia...

Perdi muita gente. Muita gente também me perdeu de vista. Mas um dia...

Um dia cruzaremos nossos caminhos de novo por uma dessas vielas improváveis da vida. Talvez nossos olhares se cruzem e eu custe um pouco a adaptar minha mente à sua imagem recente.

Se isso acontecer daqui a vinte anos você vai achar que tudo está mudado, mas isso não será verdade!   Embora tudo mude, algumas coisas são eternas. É preciso ter sempre isto em mente para não nos assustarmos com a vida.

A delícia de viver está justamente em descobrir quais são essas coisas imutáveis.

Quando menos esperar você verá seu amigo em alguma fila, algum engarrafamento ou padaria do mundo. Ele estará um um pouco mais curvo, um pouco mais lento, menos decidido e mais humilde na arte de sonhar. Ele cultivará brotos de feijão - sonhos simplórios de curtíssimo prazo que nem deveriam ser denominados "sonhos". Cultivará "cochilos"  de fácil realização.  Terá gestos pausados e você verá hesitação onde não havia espaço para ela antes.  Quando isso acontecer não fique triste porque você também estará usando roupas diferentes do seu antigo gosto. Talvez  calce um sapato engraçado, presente de neto.

O que eu sou? O que é meu mesmo e não coisa ocasional?  O sorriso? O espirro? O gostar de lilás? Há um jeito de abraçar que seja só meu? O que irá permanecer daqui a quarenta anos?

De tudo restará um lampejo nos olhos, visível em futuros reencontros. Prepare-se. Será um brilho conhecido a se manifestar discretamente escapando da opacidade. Será algo com o que nós estamos familiarizados ainda que não nos demos conta disso. O que ressurgirá é o que nunca se foi. Ficará o que realmente interessava por todos esses anos. Acho que podemos nomear "isso" como "alma".

O que sempre nos prendeu em cada pessoa que amamos foi a alma. Mesmo em nossos piores momentos de frivolidade. Amigos, sabei: um dia teremos aprendido que nenhuma daquelas bobagens valia a pena.   Nada, nem mesmo a beleza passada era a essência do que somos nem o centro do que buscávamos uns nos outros.  E aquela coisa boa que nos acalentava maternalmente enquanto estávamos juntos, aquela coisa cândida e sem nome, não se devia a nada daquilo que tanto prezávamos. Devia-se à alma, à energia própria de cada um, coisa inconfundível e cara. Era ela que, com ou sem ornamentos, fazia a vida valer a pena.

Nada amamos, a não ser a alma. Quem ama outra coisa, não ama nada. E isso é tudo o que meus olhos vão buscar em você lá no futuro, quando pensarmos que estamos completamente descaracterizados.

Se daqui a alguns anos você encontrar alguém do passado e se seus olhos descobrirem o que até então estava encoberto... Se finalmente seu olhar estiver desvestido das lentes das nulidades, não hesite: vá ao seu encontro! Corra a abraçá-lo ainda que esse querido não o reconheça.  Pode parecer constrangedor no primeiro momento mas quando novamente estiveres sozinho saberás que naquele abraço talvez tenhas  salvado  todo o teu passado.

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