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30 de dez. de 2016

Uma Copacabana indescritível




Estes dias estive revendo umas filmagens do final de ano que passamos no Rio de Janeiro, o último conosco, os quatro irmãos, ainda juntos. Era a despedida e não sabíamos. Estávamos em Copacabana vendo os fogos de artifício. Meia noite. Rever aquele momento foi e continuará sendo muito comovente. Seis meses depois meu irmão, que fez as filmagens, partia para sempre.

Pensei comigo: não é justo morrer e deixar todo mundo na curiosidade. Quando eu morrer vou voltar e dar com a língua nos dentes. Vou arranjar uma maneira de escapar ou pedir permissão mas acabo com o mistério da morte e jogo tudo no ventilador. Podem esperar. Podem cobrar. Chega de suspense.

As pessoas sempre se emocionam com o espetáculo dos fogos... Tenho uma teoria para isso e este parágrafo não está desconectado do anterior.

Enquanto eu pensava nessas coisas e olhava no vídeo os fogos, as pessoas emocionadas e ouvia a música tocante ao fundo, pensei que quem morre talvez fosse mesmo assim, como os fogos. O paralelo me pareceu perfeito.

Talvez quando a pessoa se vai, parta em um tal impulso, velocidade e empolgação que esqueçe completamente de quem está aqui em baixo. Assim como os fogos. E brilham por um tempo que na verdade nem existe, posto que eles saíram do tempo.

Impossível dizer por quanto "tempo" os mortos pairam no ar sorridentes, deslumbrados com o fato de agora serem eles o objeto do deslumbramento alheio. Agora são eles a luz, o show, o rastro, as explosões e estrelas. Deve haver platéia nesse não-sei-onde, certamente. Há "os outros" que riem muito e se divertem com os novatos num não sei quê de festa na qual eles, bobos, muito bobos pelo seu novo estado, demoram-se brincando consigo mesmos. Sabe, assim como os bebês levam horas admirando seus incríveis pezinhos e mãos.

Sim, os novos "mortos" devem ser muito engraçados para os que já estão por lá. São fogos em explosão numa Copacabana indescritível!

Segundos de fogos... Que para nós, pobres ficantes, representam meses ou quem sabe anos. Milênios talvez. Quando enfim eles se acostumam com sua própria leveza e velocidade, com o risco de luz e os desenhos imensos que formam, com a infindável possibilidade de arte, sons e alegria que isso representa... ah! Tentam voltar. E não conseguem.

Meu Deus, não conseguem mais. Talvem nem saibam mais para onde voltar ou ... esvaem-se, assim como os fogos de Copacabana.

Tenho a dizer a vocês que eles tentam. Todos tentam. Sei disso porque vi com meus próprios olhos. Sou testemunha!

Todas aquelas pequenas chamas viventes, depois do congraçamento e daquela alegria inenarrável, em um lampejo de memória lançam para nós um último olhar, um "oh, vocês ainda estão por aí!?" e fazem menção de retornar mas não conseguem.

Talvez apenas quisessem dizer "adeus" ou "até breve". Talvez só falar-nos que tudo é muito agradável e não temos nada a temer. Quem sabe quisessem realmente retornar? Jamais saberemos porque apagam-se e fica tudo escuro e não as encontramos mais. Nossos olhos percorrem o céu até onde ele se deixa percorrer mas nos perdemos em um olhar confuso, silencioso. Então é como se nunca tivessem passado por ali. Temos que confiar cegamente em nossa memória.

Estranho que seja assim depois de tanta festa.


Talvez por isso os fogos de artifício nos façam chorar. Instintivamente nós sabemos o que eles significam.

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