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9 de set. de 2017

* O condenado

Algumas pessoas dizem que detestam academia. Os motivos são vários: timidez, comparação, preguiça, mania de achar que todo mundo ali quer aparecer...

Gosto de academia. O ambiente me parece muito mais positivo que negativo. Umas das coisas mais legais das academias é o ajuntamento de gente saudável, bem disposta, com bom astral, roupas coloridas, música, instrutores simpáticos, gente bonita. Essas coisas levantam a gente mesmo que na vida real esteja tudo caído. Eu continuo circulando por lá. É o meu pedaço.  

Esses dias não pude deixar de observar um tipo bem curioso entre os frequentadores desses templos de vaidades: o Condenado. 

O Condenado é aquela pessoa que definitivamente não queria estar ali.  Adiou o que pôde,  inventou todas as desculpas, driblou a consciência, driblou a morte e continuou a vida em ritmo de cervejinha e frango frito.  E parecia ser possível viver assim para sempre até que se deparou com aquele cara de branco que deixou bem claro que ele não poderia mais cultivar a barriga que quisesse sem pagar caro por isso. Acabou a época do "dane-se o eleitorado".  Não importa que ele tenha sido mais feliz redondo do que muita gente sarada. O fato é que o médico olhou fundos nos seus olhinhos empapados e disse: "Você vai morrer. Ou malha ou morre". 

E foi assim que começou uma nova fase em sua vida. 

E lá estava ele: meia idade, meio careca, meio desajeitado, na força do ódio.  Olhando dava pena.  O seu desprazer exalava pelos poros. Sobre a sua cabeça eu quase via uma nuvem cinza  que não o deixava não importa para onde fosse.  Sua figura formava um contexto dentro do contexto, uma coisa aparte. Era ele, a nuvem e a má vontade: a trindade da desventura.

Pensei em me chegar, sorrir para ele e dizer, magnânima:  "Volte para casa, filho! Vá e não peques mais. Estás livre do teu mal." Mas com que autoridade eu poderia fazer isso?  

Você há de concordar que, pensando bem, se a alma não acompanha será que o corpo aproveitaria alguma coisa?  Eram os músculos de um lado dando tudo de si, "tirando a água do navio",  e do outro lado, no camarote, o cérebro, reclamando e botando defeito.   Acho que é daí que vem as contusões. Por que não libertar aquele pobre homem tão sem brilho, com aquelas bochechas moles, barrigão e perninhas curtas saindo do bermudão?   Penso que a felicidade lhe traria mais ganho do que aquela penitência. 

Aqueles passinhos lentos e relutantes... O Sr. Condenado não andava: arrastava correntes. Que contraste com os outros alunos tão joviais, tudo com cara de "boralá galera".  

Pois a ameaça médica deve ter sido tão pesada que não sobrou nem testosterona.  Testemunhei muitas bundas passando pela sua frente mas ele nem se deu conta. Era uma alma castrada, sem outra ideia que não fosse acabar logo e ir embora. Quando um homem de meia idade nem olha para as mulheres bonitas é porque o caso é grave.  Não havia decote ou abdome que desanuviasse aquele clima nublado. Ele não queria mulher, não queria homem. Ele só queria ser deixado em paz!  

Continuei olhando de rabo de olho. Não me aproximei, não ensaiei brincadeira ou palavra de consolo. Penso agora que o fim da picada seria ele chegar em casa e não ter seu esforço reconhecido. Um homem desse merece não ouvir falarem em problemas, não saber de tia doente nem goteira nem pneu furado. Merece sorrisos e paparicos, toalha macia, mulher sorridente e quarto com Bom-Ar.  Merece que não lhe peçam dinheiro, que lhe acariciem a calvície e lhe façam esquecer que amanhã tem tudo de novo  "se não tu morre.

Que esse texto fique registrado como uma homenagem àquele pobre guerreiro que pensou que a aposentadoria seria a época da liberdade e gozos infindos. 

Se na sua academia você conhece algum condenado, só tenho a dizer o seguinte: respeite. Ofereça uma água de coco, ajude com os pesos, desocupe logo o aparelho, saia da frente! E pare de se exibir.  Na semana seguinte comente, como quem não quer nada, que ele emagreceu. Faça alguma coisa de positivo. O guerreiro merece.

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