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19 de jun. de 2018

A moça bizarra do Face

Aqui perto de casa há um rapaz que pede esmola no semáforo.  Ele é portador de severa deformidade física. Cada vez que o semáforo fecha ele se aproxima dos motoristas e quase que esfrega na cara deles o toco do seu braço disforme.  Muitos lhe dão moedas para se livrar logo da situação.    É grotesco mas funciona.  Se é errado? Me incomoda sim,  mas não vou julgá-lo.

Esses dias vi no Facebook a foto de uma moça muito feia, vulgar  e obesa em pose sexy com roupas mínimas. Era de tanto mau gosto que se tornava engraçado. Seria essa a intenção dela? Ou será que se achava bonita? Para se achar bonita deveria ter uma ideia muito distorcida a respeito da própria imagem. Não acredito que fosse o caso. Mas sei que ser feio pode ser lucrativo - ao contrário de ser burro. No caso dela, comportar-se como se fosse bonita provoca vários tipos de reação nas pessoas e isso a mantém na mídia. 

Outra situação que ilustra o que tenho a dizer: o caso do anão no circo. Acho que ele não expõe suas características físicas na esperança de ser considerado bonito. E certamente ele não se aborrece com os risos da plateia, pois tem uma visão real do efeito da sua imagem dentro daquele contexto. Não acho que o que o leva ao picadeiro seja a auto estima elevada. Aquele é seu ganha-pão, simplesmente. Ele é apenas uma pessoa inteligente que resolveu fazer o melhor que pode com o que tem, ao invés de viver choramingando ou culpar o mundo por causa de um padrão de beleza que a princípio não o beneficia.   

Pois a foto da "moça bizarra do Facebook"  inspirou um monte de comentários de pessoas que diziam desejar muito ter a "auto estima dela".   

Não vejo auto estima alguma na atitude de alguém que aceita ser objeto de risos. Pelo contrário. Para fazer tal papel é necessário uma boa dose de humildade. A menos que seja louca, ela sabia que esse seria o efeito da sua imagem naquele contexto. Sabia o tipo de comentários que provocaria. Ressalte-se que não havia nada de esdrúxulo na obesidade em si. Há diversas mulheres obesas e muito bonitas, mas a maneira afetada das poses, a produção cafona, a maquiagem de mal gosto, essas coisas só poderiam causar risos. Certamente essa é uma prova de humildade mais do que qualquer outra coisa. 

Ela só estava sendo  pragmática. Ninguém "choca" as pessoas com a própria imagem se não tiver uma visão muito distorcida de si mesma ou se não pretender auferir algum lucro com isso.  Ninguém gosta de ser objeto de risos se não tiver feito disso uma profissão. 

"- Nunca vou ser Anna Hickmann. Tudo bem. Mas ao invés de viver choramingando pelos cantos vou usar o que tenho para conquistar uma vida mais confortável."    E por que não? Parabéns a ela.

Não, nem ela, nem o rapaz do semáforo nem o anão do circo se expõe daquele jeito se isso não lhe trouxer benefício.  O grotesco bem aproveitado e bem exposto pode vir a ser uma ótima sacada. Essas pessoas  certamente tem uma visão muito clara do que são, a ponto de fazerem disso uma boa matéria prima para ganharem a vida.

Se "a moça bizarra do Face" tivesse uma auto estima elevada ela não apelaria para o grotesco para ganhar a vida. Se o fez foi por saber quem é e a aparência que tem. Ou isso é verdade ou ela está sendo cruelmente usada.   Porque por mais relativo que o conceito de beleza seja, há limites para essa relatividade. Não é algo infinitamente maleável. Mas ao "fazer limonada com o limão que a vida lhes deu" essas pessoas estão de fato deixando um ensinamento relevante para todos nós.  

"- Eu preferiria ser bela, mas não sou. Chorar não adianta. Vou tentar melhorar minha vida com o que tenho, ainda que seja preciso engolir uns sapos e ouvir uns comentários horríveis a meu respeito. Vai compensar quando eu chegar em casa e ver meu filho alimentado, as contas pagas, a cama box, o tapete bonito, a banheira de hidromassagem."    

Não, ela não é burra. E está de parabéns. Enquanto houver quem pague para rir da sua feiura, por que não aproveitar?

A lição aqui não é a de "derrubar padrões de beleza" nem de "chocar a sociedade hipócrita". Não é uma lição de ódio - nem propriamente de auto estima. A lição aqui é de aceitar seus limites, saber viver, agarrar com unhas e dentes as oportunidades que aparecem e, por fim,  fingir que não doeu. 


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