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25 de jan. de 2008

Namorado novo


Meu horóscopo para hoje, colhido in loco em meu infinito particular, diz que hoje é o dia!

Minha alma pediu arrêgo aos astros que, por sua vez proclamam que hoje é o dia da preparação. Que tudo se cale e que por si se ajeite porque minha alma vai para o spa tirar férias de seu receptáculo.

Nada de explicações por hoje. Qual o sentido de procurar o sentido? O sentido é e continuará sendo o que é em algum lugar e nada eu posso contra ou a favor dele.

Não quero fazer sentido, ora bolas! Hoje abro mão disso para me internar no spa dos desnecessitados.

Para a “paz de dentro” basta calar as múltiplas vozes que nos provocam dia e noite. Pois hoje o senhor Dia e a senhora Noite também estão suspensos.

As vezes precisamos ser drásticos e exigir que os nossos “eus” sosseguem. Isso para quem tem mais de um, como eu. Há universos mais simples, mas essas coisas a gente não escolhe. Ou escolhe? Ah, depois eu penso nisso.

Quem tem mais de um “eu” sabe muito bem que eles falam tanto e argumentam entre si tão apaixonadamente que chega a ser enlouquecedor.

Meus astros dizem que não preciso me submeter a essa disputa. Decidi então que minhas portas se abrirão apenas à Tranqüilidade, que se sentará no sofá dos descuidados em frente ao quadro da criança brincado na água. Quero o sem-pressa do pão fermentando, da formação dos fetos... dos tolos talvez.

O Futuro é um vendedor chato e o Passado é um cobrador inconveniente. Os dois são cargas desnecessárias que não combinam com o astral do dia. Futuro e Passado batem à porta, fazem-se anunciar e já trazem suas pastas abarrotadas de papéis, relatórios e projeções que não me interessam nem um pouco. Pois nenhum dos dois será recebido em meu gabinete.

Depois da Tranqüilidade dar-me-ei o luxo de receber e ficar e curtir o Presente: rapaz novo com sorriso desafiador e sem nada nas mãos. Esse “sem nadinha” é a sutil insinuação de maleabilidade que me instiga. Esse despreparado, que nada sabe e tão dependente de mim... A ele imporei a minha rica experiência e ele se deixará moldar, dócil. É assim que eu o quero, porque posso e porque os astros mandaram. Vou namorar o Presente e deixa-lo bem do meu jeito.

Declaro que a partir de agora nenhuma pergunta procede. Estou feliz? Cheguei ao destino? Como está o balanço de perdas e ganhos? Ora, quem quer saber?!

As folhas se espreguiçam no ritmo de sempre e ninguém espera delas uma nova coreografia; o sol cede a si mesmo para nossas colheitas, corpos e roupas do varal; a água dança, canta e se desfaz em mimos; as nuvens continuam molinhas e fáceis de modelar. Posso e quero juntar-me a eles para ser apenas mais um fenômeno.

Isso mesmo: silêncio! Porque agora eu e o Presente nos uniremos em um único fenômeno.


Cristina Faraon

12 de jan. de 2008

O PERFUME - JULHO DE 1983




Não pensei que aquela sensação fosse possível porque não se tratava de um simples exercício de memória. Não foi um “flash” mas um grande passo além. E nesse passo retrocedi anos.

Na verdade jamais desejei, como outras pessoas, ser novamente criança. Só que quando entrei naquela sala a emoção tomou conta. Do nada, já que nada ali era bonito. Tratava-se de uma sala de madeira com a pintura já gasta. O chão, rústico. A mesa da professora, cheia de livros, era improvisada: juntaram duas mesas menores e “estamos conversados”. Havia um ventilador muito esforçado no teto, cadeirinhas azuis de fórmica com braço para escrita. Simples e comum. Simplesmente comum. O incomum estava no “algo a mais” que despertou meus sentidos como uma espécie de travesseirada emocional: na sala toda havia um cheiro indescritível de criança, caninamente farejado por mim.

Esqueça as colônias infantis. Não é disso que estou falando. Colônia de criança tem cheiro de colônia de criança. Cheiro de criança é outra coisa, mais difícil de descrever do que cheiro de carro novo. Era cheiro de coisa nova, mas que em meus sentidos parecia também cheiro de passado. Jamais confunda “cheiro de passado” com “cheiro de coisa velha”. Há um oceano de diferença.

Cheiro de álbum de fotografias manchado por perfume antigo. Depois vinham as notas de inocência fresca com cheiro de menino que comeu biscoito e acabou de ser abraçado... e mais cheiro de boneca nova, de tinta guache com chocolate, lápis de cera, chiclete, capim fresco, pão quentinho, gotinhas de suor, pele macia, tênis novo, tênis velho, hálito. Hálito de leite com maçã... maçã muito vermelha e fresca, como da Branca de Neve.

Era O Perfume. Entrei no túnel do tempo.

Ou havia algo de mágico naquilo ou amanheci esquisitamente sensível. Talvez as duas coisas.

Emocionada fiquei e caladinha, com nó na garganta. Sabe aquele aperto no coração que pede um abraço, mas uma abraço mesmo? Naquela hora eu precisava urgentemente de alguém que sentisse isso comigo. Eu precisava dividir, partilhar “essa coisa” que apertava meu peito. Poucos minutos depois as crianças, os móveis, os sons e cheiros formavam uma coisa só, um bloco, um petardo que eu percebia, desconcertada.

Até aquele dia eu ainda não havia notado o tempo passar. Estranho dar de cara com a constatação veemente do quanto eu já havia deixado de ser o que pensava que ainda fosse.

É inútil perguntar em qual momento fatídico aquele “espírito de criança” teria sido despejado de sua moradia - e com ordem de quem. Não importa. Naquele momento “ele” voltou sem velas ou mesa branca. Tive a deliciosa impressão de que aquela era a minha sala de aula, aqueles bonecos e letras sorridentes estavam ali para mim.

Ali ninguém notou que eu estava sendo travesseirada e entrando em “alfa”; veio a mim aqueles sopros do passado, aquelas coisas que eram comuns mas agora são relíquias perdidas. Sensações... o esmero em arrumar o material escolar na pasta, a alegria do uniforme novo, a impaciência para que chegasse logo a hora de ir ao colégio, os passos largos de manhãzinha, a expectativa em conhecer novos colegas, o prazer do cheirinho dos livros novos, os cadernos com a letra do hino nacional na contracapa, o cheiro da borracha, da merenda na lancheira e das colônias das outras crianças. Veio uma dor... Dor de dor, sabe como?

Claro que na carona vieram, traiçoeiramente, as lembranças doídas assim como faz a poeira na cola do vento. Lembrei então de coisas há muito esquecidas: insegurança, timidez, da incômoda sensação de feiúra, do futuro sem rosto. Cenas e cenas saltavam e se atropelavam como se tivessem sido espremidas durante anos e agora, eufóricas, queriam ser novamente percebidas.

Já que aquela menina do passado não era mais eu, senti um grande carinho por ela, que me pareceu tão desamparada. Não sei por que. Coisa assim, de mãe para filha. Desejei abraça-la e sei, sei mesmo que ela desejou muito ser abraçada por mim. E por mais isso chorei.

Chorei pra dentro, engolindo em seco. Quem entenderia essa emoção ali, numa reunião de pais e mestres? Eu estava sozinha nessa viagem. Eu e meu segundo bebê, na barriga.

Dali em diante é que incorporei o costume seguir meu caminho espiando o passado vez por outra no retrovisor.

Segurei a onda. Fui para casa com meu lindo barrigão. Não lembro de nada do que foi tratado naquela reunião. Só sei dizer que aquela foi a primeira vez na vida que tive saudade de meu tempo de criança.
Cristina Faraon

9 de jan. de 2008

O luminar



Sempre amei essa pintura. A Criação de Adão - Michelangelo. Vejo nela tanto significado! Em várias ocasiões já fiz comentários a seu respeito, as vezes até com emoção.

Acho belíssima a idéia de que Deus tornou possível o contato com os humanos. Ele estendeu a mão para nós e a partir daí passamos a desejar para sempre o sublime, o eterno, o mistério. Fomos feitos “alma vivente”, usando a linguagem bíblica. Capazes de apreciar o belo, nos emocionarmos, amar.

O toque, o sopro de vida, o acesso ao transcendente...

Acontece que de uns tempos para cá a minha alma está mais para o lado daqui do que para o lado de lá. Mais pra baixo do que para cima. Tenho até vergonha de contar, mas não me contenho e solto o verbo.

Contraditoriamente essa pintura também foi por muito tempo a prova inconteste da minha baixeza animal, primária e rude. Em épocas mais elevadas o que me chamava mais a atenção eram os dedos humano e divino se tocando, numa metáfora belíssima que você já sacou, então não vou explicar.

A verdade é que hoje a conversa é outra. A primeira coisa que enxergo é... o pinto do Adão. Olho para um lado e para outro, vejo se ninguém está me observando e fixo o olhar teimoso no pintinho dorminhoco.

A questão: onde estava o pintor com a cabeça quando resolveu colocar no quadro a imagem desse homão inocente pagando mico diante de multidões? Sim, pagando mico! Por que será que ele fez isso? Por que não arrastou o pincel mais um pouquinho? Não custava nada!
Era para ser maior. Tinha que ser maior. Por que não é maior? Claro que o problema (sim, eu disse “problema”) não foi falta de tinta nem de espaço na tela.

O assunto é sério e clama por reflexão. Aceitemos o desafio.

Primeiro necessário se faz excluir intenção de comicidade do trabalho de Michelangelo. Qualquer um nota que o quadro chega a ser grandiloqüente em sua proposta. Então qual o enigma do pinto mindinho deitado eternamente em coxas esplendidas? Jaz distraído e inocente provavelmente ao som de trombetas e à luz do céu profundo.

Queria o pintor eliminar o efeito erótico de seu trabalho? Se assim fosse, nada mais fácil do que esconder-lhe os “documentos” debaixo de um lençol esvoaçante, tão em moda na época. Mas não! Ele dispensou o lençol e fez questão de que nos deparássemos com essa curiosidade anatômica. Veremos que ele tinha seus motivos.

Observe que Adão não está encabulado mas parece muito a vontade, despreocupado e recém acordado de um profundo sono sem sonhos. Claro, porque o HD dele ainda estava vazio.
Um homem com mais de um metro e oitenta e pesando em torno de noventa quilos precisava ser mais bem dotado. E mais: não tem barba nem pelo algum pelo corpo. É o retrato da inocência segundo Michelangelo.

Tcham! Foi aí, em meio a essas considerações especulativas que uma luz brilhou. Eureca! Era essa a intenção do pintor: confirmar o livro de Gênesis! Esse quadro é o Credo de Michelangelo.
Claro que você está louco para me perguntar como um pinto pode ter tanto a dizer à humanidade. Pois lhe digo que esse pinto-Credo carrega em si um enorme significado, inversamente proporcional ao seu tamanho.

Viu como tamanho não é documento?

Note que Adão não está em posição de reverência contrita. Pelo contrário: a pintura mostra a inocência, a paz e o desassombro da raça humana antes de pecar. A tranqüilidade até infantil de Adão diante do Criador é tocante. Mais tocante ainda é a facilidade com que o alcança - apenas esticando o braço.

Qual a lição? Tome nota: para “alcançar Deus” deveríamos, metaforicamente, ter o pinto de uma criança. Sacou a sutileza? Lembra quando Jesus falou que quem não se tornasse como uma criança de modo algum entraria no Reino dos Céus? Pois então!

Pode olhar a vontade que Adão não está nem aí. Meçam, cochichem, dêem risinhos... Adão leve e elevado, Adão pelado na nuvem ignorando por completo a existência da fita métrica e das multidões que perambulam pelo museu. Deitadinho como um bebê que não sabe que é jovem, bonito, fofo e dá vontade de apertar. E note mais um detalhe: ele faz um gesto característico dos bebês: esticar o braço, estender a mãozinha, querer contato.
Chamo ainda a sua atenção para o fato de bebê recém-nascido não tem senso de distância. Ele apenas vê e estica o bracinho como se tudo fosse possível. Aí também existe uma importante lição: para alcançar Deus isso deve nos parecer perfeitamente possível, bastando que estiquemos o bracinho. Não é lindo? Olhe que amor Adão completamente entretido com o Criador e sentindo no fundo de sua alminha clara que aquele ali flutuando no céu é o seu papai. Nada a declarar, nada a esconder. Na maior moral: peladão e aceito pelo Altíssimo.

Desçamos.

Agora, já com a cabeça erguida, volto-me mais uma para vez para “o centro” desse quadro: o pinto do Adão, que doravante pode ser considerado parte indissociável de todas as religiões, a chave primeira para quem quiser chegar ao transcedente. Não mais um objeto sexual. Não um brinquedo lascivo, não um troço de fazer bebês e subjugar (deliciosamente, diga-se de passagem) as mulheres. Não, meus amigos!

Agora, de cabeça erguida (a minha cabeça!) posso e devo encarar com coragem e emoção essa seta que nos aponta o caminho. Sim, essa é a abordagem correta. Posso agora, sem constrangimento, considerar sua aparência, calcular seu peso, tamanho e textura e mesmo assim estar fazendo um exercício intelectua/religioso/filosófico.

Imaginem vocês quantas pessoas “passaram batido” sem perceberem o tanto de sabedoria contida nesse respeitável membro que, reverentemente observado, coloca o expectador já com um pé na espiritualidade.

Só mesmo um gênio como Michelangelo poderia explorar todo o poder magnetizante dessa imagem, ainda que murchinha.

Essa tela é a muda pregação para a qual a humanidade precisa dar atenção. Devemos prestar a esse pinto o melhor de nossas considerações e coloca-lo, de uma vez por todas, no lugar onde sempre deveria ter estado: no centro. Não no meu! Digo no centro das nossas mais elevadas reflexões!

Cristina Faraon

1 de jan. de 2008

Cristina Lee

Pois é: a cantora Rita Lee está fazendo sessenta anos. Ponto pra ela, que não está nem aí para esconder a idade - ao contrário da jornalista Glória Maria que não mostraria a certidão de nascimento nem diante do caldeirão da inquisição.

Acho um barato mulher que não esconde a idade. Detalhe: eu não sou um barato.

Dizer na lata "eu tenho sessenta anos" é lance de gente bem resolvida e segura de si. Viveu, curtiu, continua vivendo e curtindo e não se sente devedora de nada para ela mesma nem para ninguém. "Me acha velha? O que te leva a pensar que eu deveria me importar com sua impressão a meu respeito? Não estou a fim de você pra nada. Por que cargas d'água você acha que ter sessenta anos deveria representar algum tipo de constrangimento para mim? Eu hein! Vá elogiar garotas de 19 anos, que elas são as que mais precisam disso. Aproveite e dê uma forcinha às coroas inseguras. Tô em outra, meu bem."

Quando a pessoa esconde a idade depõe contra si mesma. É como se não se sentisse bem no próprio couro. Como se houvesse algo desconfortável espetando, repuxando, sei lá.

Um dia serei Cristina Lee. Acreditem que já melhorei muito. Primeiro porque não adianta: se você não diz a idade o espírito de porco que perguntou vai entrevistar seus filhos, fazer contas... É mais digno que o energúmeno saiba por sua própria boca. O segundo motivo é que... Qual é o segundo motivo mesmo?

Hoje, com o espírito mais evoluído, você já pode me perguntar tranquilamente minha idade que, dependendo da posição dos astros e do estado do meu fígado, responderei de uma das maneiras abaixo:

1- Não interessa (resposta já utilizada)
2- Não quero dizer (resposta preferida)
3- Pra quê você quer saber? (uso frequente)
4- Tenho menos que você, com certeza; (resposta deliciosa.)
5- Vá levantar essa informação em meus assentamentos funcionais (essa eu já disse para alguns colegas - e adorei.)
6- Quarenta e uns (só quando estou muito de bem com a vida)
7- Ô falta de educação! Mas lá vai: minha idade é... (sacou o lance? Satisfaço a curiosidade da pessoa ao mesmo tempo em que me vingo com uma estocada.)
8- Minha idade é... (essa é só quando me acordo esfuziante, sentindo-me maravilhosa e coincide de eu ir com a cara do interlocutor. Sinto que esta resposta tem tudo para se tornar a mais frequente em pouco tempo.)


Obs: Acabei de pesquisar o significado da palavra "energúmeno"
(www.kinghost.com.br/dicionario) e tomei um susto. Não sabia que queria dizer "endemoninhado, possesso, violento, fanático. / Pessoa exaltada, que fala, gesticula com veemência." Nossa! Em assim sendo, declaro:


A todos vós que perguntais minha idade, eis que vos digo:
sois certamente mal educados, mas jamais uns energúmenos!

(http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI2188307-EI1267,00.html )



Cristina Faraon

31 de dez. de 2007

Lero-lero pra 2008

É ou não é uma ironia? A cada ano novo todos nos tornamos mais velhos.

Então comemoramos o quê nessas "viradas de ano" (credo!)?
Acho que comemoramos a deliciosa fantasia da "página em branco", limpinha, para começarmos tudo de novo. Nova chance, Deus zerando o nosso counter... O passado morreu e ninguem se lembra mais "daquilo".

Quem dera, né? Mas vá lá. Sem fantasia o que sobra da vida? Sobra mesmo muita coisa, mas não é o recheio, com certeza.

Sem fantasia sobra o alface, a beterraba, o peito de frango grelhado e umas bolotas de soja. Tudo com pouco sal. Faz um beeeeem!

Em 2008, criemos todos juízo. E se isso nos tornar menos interessantes, repensemos a mudança. Se der, jogue fora a fantasia e se torne um esbelto emocional. Seja um exemplo mas tente fazer isso sem ser chato. Se você você se tornar chato, volte correndo à lixeira e vista tudo de novo. Depois a gente pensa juntos em um jeito mais simpático de crescermos em 2008.

É isso aí. Por enquanto.

23 de dez. de 2007

A visita


Ela entrou pela porta da frente. Como? Até hoje não sei.

Em meio a tantas outras visitas ela simplesmente fez-se uma a mais. Misturou-se, veio junto e até fez amizades. Como encontrou nosso endereço?

Dona Dor é aquela visita incômoda que vai adquirindo direitos e por fim, conquista um espaço só seu dentro da casa. Querendo ou não ela passa a influenciar nas decisões do lar, acompanha a família às festas, ajeita a cortina, remenda a almofada, rouba flores de velório para decorar a casa... E não é que fica lindo?

Nem todas as vezes fica para dormir mas só vai embora tarde da noite. Bem tarde. É verdade que as vezes desaparece por uns tempos mas sempre volta. Geralmente quando já esquecemos dela.

Dona Dor nem sempre dá explicações. As vezes dá a entender que fomos nós quem a convidamos. Outras vezes diz que a casa é dela... ou que veio porque fomos nós que deixamos a porta aberta e ela se sentiu convidada. Ela suporta nossas perguntas mas não se anima em dar respostas. E quando dá, se contradiz em seguida. Ela adora contradizer-se. Ah como se diverte com isso!

Não se engane: não importa quanto tempo passe mas ela voltará. Sempre volta e cada vez em intervalos de tempo menores.

Dona Dor sempre nos ajuda com a decoração. Parece pouco mas quando falta, faz falta. Dona Dor sabe enfeitar o "ininfeitável" e decorar o "indecorável". Arranja beleza não sei como e a gente sempre se pergunta onde teria adquirido tanto bom gosto.

Nunca sabemos quando vai embora. As vezes parece que não vai nunca. Outras vezes sai pela porta da mesma forma sorrateira como entrou. Ela sempre nos incomoda: quando vem e quando vai. Indo ou vindo ela é o que é.

Quando chega sempre arranja um canto para ficar. Quando permanece incomoda. Quando vai... Não é bom nem ruim: é apenas estranho.

Fica um espaço quando parte. Se não colocarmos nada em seu lugar, ela volta. Precisamos arranjar rapidamente um vaso de flor, uma poltrona, uma luminária. Dona Dor não resiste a espaços vazios.

Claro que não a queremos de volta mas temos que admitir que sem ela nunca mais teremos aqueles arranjos de flores...

Cristina Faraon

15 de dez. de 2007

Confraternizações e piscinas

Ainda no clima de dezembro:

Fico pensando se esse tanto de confraternização de final de ano expressa algum tipo de alegria real... Acho que a pergunta procede porque não é possível que não reflitamos sobre os fenômenos sociais que nos acomentem (nossa! Sempre quis usar uma frase assim. Gostou?)

Se não é felicidade em estado bruto (e põe bruto nisso!) talvez esteja mais mais para busca. Ou quem sabe não passe de um "vai-na-valsa" que ninguém entende muito bem mas adere assim mesmo. E depois do quinto chope, o que importa?

Não pensem que escolhi o ano de 2007 para implicar com tudo. Sou apenas uma pensadora - "atividade" muito valorizada na antiguidade, fique você sabendo.

Ontem fui à milésia confraternização. Abre parêntesis: foi a minha vez de cair no conto do Amigo Invisível. Comprei um presente de O Boticário e ganhei em troca um pacotinho beeem pequeno. Torci para que fosse um baton de qualidade mas logo me desapontei. Adivinhem! Acertou! Era um frasquinho de "reparador de pontas" (pontas de cabelo!) - produto que não deve ter custado nem cinco reais. Não me considero uma pessoa mesquinha, mas ontem doeu... Fecha parêntesis.

Pois bem: havia no local um grupo tão animado, mas tão animado que minha reação oscilava entre inveja e medo. Era sobressaltada vez por outra por gritos, exclamações incompreensíveis, uivos, pulos... E para aliviar as tensões, palavrões eram pronunciados com candura tal que chegava a enternecer a alma mais empedernida. Tudo dentro do mais legítimo Espírito Natalino. Eu acho. Se não for o tal, não sei bem a que atribuir aquelas manifestações paranormais.

Não me atrevi a por a culpa em Jesus Cristo.

Pois é: de lá para cá fiquei a me perguntar qual seria o motivo de tanta empolgação. Por que agiam assim, Santo Deus, tão fora dos padrões do dia-a-dia? Não tinham dívidas? Doenças? Chifres? Ninguém estava com o emprego por um fio? Ninguém se sentia só, com cólica ou calo?

Interessante como as pessoas atendem placidamente a voz de comando de cada época do ano. Finados: hora de chorar; Dia dos Namorados: hora de se comportar romanticamente; Natal: agora é pra ficar emotivo viu, galera? E valorizar a família. Carnaval: soltar a franga (entenda-se: "dar pra todo mundo") e por aí vai.

Em termos de "fenômeno provocador de felicidade", depois das confraternizações o que vem em segundo lugar com certeza são as piscinas domésticas. De clube não vale.

Dinheiro não traz felicidade mas piscina sim.

Explico: onde moro pude comprovar que nas casas onde existe piscina a felicidade está garantida. Aos finais de semana, pelo menos. É uma coisa mágica!

Piscina em casa é sinônimo de ajuntamento de crianças saudáveis comemorando com alegria desesperada o próprio existir. Lindo! Na vizinhança ninguém dorme, estuda ou faz oração: todos se tornam platéia para "aquilo". É como nas confraternizações: gritos, risadas descontroladas, música, disposição para continuar indefinidamente, abraços, comida, palavrões, bebida...

Gente, se eu soubesse que piscina trazia tanta felicidade nem teria comprado carro ou mobiliado a casa. Estou revendo meus conceitos...

Se você não tem piscina em casa é digno de pena. Mas como Deus é pai você pode, todos os finais do ano, ter acesso ao seu quinhão de alegria garantido pela infinidade de confraternizações da época.

Só advirto que tome cuidado com um certo "Amigo Invisível" (ou "O Tenebroso") que anda assombrando por aí. É fácil reconhece-lo: é um Papai Noel às avessas. Além de te desapontar, vai te encher de dívidas.

Legal, né?

Cristina Faraon

28 de nov. de 2007

Estranho vício


Que eu lembre assim, de sopetão, não tenho nenhum vício. Ou, como dizia uma conhecida minha: "fumar, beber, jogar... Desses viciozinhos tolos eu não tenho nenhum."


Mesmo sem ter vicíos posso entender alguns. A ciência explica de forma razoavelmente compreensível aos indoutos (como eu) o motivo de alguém se viciar em cigarro, jogo, bebida, drogas... Até que dá pra entender. Mas os viciados em trabalho desafiam minha capacidade de compreensão.


Existem pessoas que se inquietam frente a possibilidade de "não ter nada pra fazer". Têm crises de ansiedade - "Oh, que calamidade!" Não podem ficar paradas e declaram orgulhosamente que amam trabalhar: "O trabalho é minha razão de viver. Não sei ficar parado". São os viciados em trabalho. Credo.


Segundo a psicóloga Denise Mendonça de Melo (viva o Google!) os viciados em trabalho "passam pouco tempo com a família e mesmo quando estão presentes o assunto é sempre o trabalho. Sendo assim, o período de férias torna-se um suplício, pois longe de seu “habitat natural” sentem-se muito incomodadas, acreditando que estão desperdiçando tempo com futilidades e que por isso são pessoas inúteis. Anseiam para voltar ao trabalho, não conseguem relaxar."

Jesus, tende piedade dessas almas.

Li também que "Artigos científicos publicados em revistas de todo o mundo costumam levantar a hipótese de que boa parte dos seres humanos apresenta uma “predisposição psicológica” para o vício em trabalho."

Tô fora.

Entendo bem as pessoas que gostam do que fazem, que trabalham com afinco, são prestativas e dão o melhor de si em uma tarefa - têm um alvo a alcançar. Mas dá um nó em minha cabeça imaginar que um ser humano livre consiga resumir sua vida ao trabalho e ainda se gabe disso.

Para mim o trabalho é uma maneira legítima de realizarmos nossos sonhos. E é maravilhoso quando gostamos do que fazemos. Só que gostar do meu trabalho é bem diferente de viver para ele. Gostar é bom mas "viver para" é um tipo de maluquice. Pelo menos é o que eu acho do alto da minha pseudo-sanidade.

Sei perfeitamente que existem profissões com o poder de absorver grande parte do tempo de suas vítimas. Elas - as vítimas - por necessidade e/ou senso de responsabilidade se esforçam para cumprir todas as tarefas impostas pelo feitor - digo, empregador. Nisso passam 10, 12, 14 horas por dia. Se essas pessoas forem emocionalmente saudáveis preferirão viver de outra forma e nesse exato momento devem estar maquinando alguma maneira de sair dessa fria. Mas se o "prazerômetro" desse ser já tiver sido seriamente danificado ele vai continuar... até cair pra trás, roxo.

Uma pessoa com o "prazerômetro" danificado, quando de folga não consegue se livrar daquela sensação desgraçada de estar esquecendo de fazer alguma coisa importante. Sente uma "cuíra" misturada com sentimento de culpa quando não está com a enxada na mão. Outros sintomas:
Não consegue relaxar, sua frio e por fim fica dando voltas na casa procurando o que fazer; checa se a lâmpada precisa ser trocada, rearruma as gavetas - dessa vez por ordem de preço, não mais de cor - dá outro banho no cachorro, corta as unhas de todas as crianças do bairro, revira a casa procurando lápis para apontar, meia furada pra cerzir, pede a Deus que um passarinho cague em seu carro para que possa lavá-lo de novo, numera os gatos da vizinhança - tudo isso pra não precisar ficar uma hora balançando em uma rede, ouvindo música e tomando uma água de coco. Dá até pena.

Em meu profundo e profícuo exercício de pensar já concluí que para alguém chegar a esse estágil lamentável de desprezo ao ócio eventual a porta de entrada é sempre a mesma para todos: fuga.

Paira na vida desse tipo de pessoa o medo de refletir sobre a própria realidade. Ela teme dar de cara consigo mesma ou ter que "discutir a relação"com o sujeito do espelho. Seria a morte se descobrisse que sua vida é uma tremenda furada, que está infeliz e que prefere trabalhar até três da manhã do que ter que fingir que ama a pessoa com quem dorme.

Não estou criticando ninguém! Entendo que fugir não faz ninguém feliz, mas anestesia. É legítimo e humano tentar fugir da dor.

O trabalho, para alguns, é uma maneira de fugir sem parecer covarde. Bem, se essa fuga te deixar mais rico tudo bem: os herdeiros agradecem. Continue até morrer. Mas se não está nem ficando rico, receio que você esteja fazendo um mau negócio.

Aqui vai minha contribuição para a sua vida sem sal: uma pequena lista de sugestões de fuga que, a meu ver, são mais divertidas do que trabalhar em excesso:


Faça sexo (se não for exatamente disso que você estiver fugindo, claro);

Leia um livro. Auto ajuda não; é profundo demais.

Escreva um livro e empurre na goela dos amigos;

Leia uma revista de abobrinhas. Não me refiro a culinária, mas não deixa de ser uma opção.

Durma. E sonhe colorido de preferência.

Vá para uma academia e deleite-se em acreditar que está "embonitando".

Desista da beleza e vá com os amigos festejar sei-lá-o-quê no barzinho.

Tome um banho de espumas e vá dormir novamente.

Fique na janela estudando o valor social das bundas.

Visite aquela tia que talvez não viva até o próximo ano. Dê assim aos seus sobrinhos um bom exemplo...

Faça um check-up (só recomendo isso se voce tiver quase certeza de estar saudável)

Assista um filme bem triste e descubra o quanto sua vida é maravilhosa.

Faça compras.

Em caso de pobreza excessiva, vá ao shopping só olhar. Sonhar é de graça - ainda.

Curta um "dia da noiva" (ou do noivo) em algum salão de beleza. Dizem que a pessoa sai de lá 3 anos mais jovem. E um mês mais pobre - mas isso é só detalhe.

Evite seções de massagem porque nessas ocasiões a pessoa acaba pensando na vida e você não está preparado pra isso.

Converse com alguém na internet. Se for seu dia de sorte, em meio a tantos jumentos você conseguirá encontrar alguem minimamente alfabetizado.

Quanto tempo faz que você não usa o fio dental? Pois é: mãos a obra.

Cante uma mulher difícil. Se você está de folga terá tempo de experimentar todas as táticas pra ver qual funciona. Vai que dá certo! E no final de tudo você ainda poderá escrever um livro sobre isso e ganhar uns trocados.

Se nenhuma dessas sugestões lhe agrada aceite mais essa: consulte um psiquiatra ainda hoje. Sério.

Agora me dê licença que eu estou de férias e preciso bater o cartão de pontos na rede que está pendurada lá no meu pátio.

Cristina Faraon


21 de nov. de 2007

Noronha

Não, esse título não tem nada a ver com o nome de algum novo gatinho de estimação.
´
Estou em Fernando de Noronha - caso alguém esteja interessado em saber por onde ando.

Obviamente estou empolgada com tanta beleza. Recomendo a viagem. Antes porém sugiro que vendam alguns bens.

Hoje fiz mergulho. Adorei, mas pensei que fosse uma coisa mais fácil e banal. Nada disso. Dá uma tremenda aflição, cansa, pinta medo... mas vale a pena. E como!

Depois mostro umas fotos para vocês, tá? Por favor, não percam o sono enquanto eu providencio. Juro que vou mostrar.

Confirmei o que já desconfiava há tempos: os seres humanos NÃO FORAM FEITOS para habitar o fundo dos mares. O ambiente é lindo mas inóspito para nós. E olha que nem apareceram tubarões!

A pressão lá embaixo é muito grande e o ouvido sente. Os pulmões também. Quanto mais fundo mergulhamos pior a sensação de peso, opressão nos pulmões, perigo e desampado. Dificil deixar de imaginar a merda que seria ter um ataque de tosse lá embaixo...

Agora entendi porque os peixes não tem ouvidos: porque lá embaixo dói muito e eles teriam certa dificuldade em apertar o nariz para tentar desentupi-los. A natureza é sábia.

Uma coisa com a qual eu não contava: os instrutores nada me disseram sobre o risco de um acesso de risos. Por várias vezes tive que usar todo o meu poder de concentraçaõ para não rir da aparência de certos peixes. Havia um que parecia um retalho de pano florido. E para completar a impressão ele deixava-se jogar sobre uma pedra de um jeito bem engraçado. Parecia toalha de mesa de restaurante do interior.

Havia um peixe lindo, azul escuro com detalhes muito fashion em neon. Se não era neon resta-me dizer que a imitação era perfeita. Ah, também vi um que parecia ter os dois olhos de um lado só. Não deu para checar se do outro lado haviam mais dois... Tendo ou não tendo ele já está classificado na categoria "ESTRANHO".

Fiquei um pouco desapontada com a indiferença deles em relação a minha pessoa. Não me conformo de não terem me achado nem um pouco assustadora. Eles passeavam tranquilos a minha frente (e por cima e por trás também. E por baixo) demonstrando o quanto me acham comum. Chato, né? Só se esquivavam quando eu tentava lhes fazer um cafuné. Decididamente os peixes não apreciam essa demonstração de afeto.

Os cardumes passavam por mim como se eu não oferecesse perigo algum. Na verdade não oferecia, mas eles não precisavam deixar isso tão claro!

Bem, são essas, inicialmente e atabalhoadamente, minhas primeiras impressões do fundo do mar.


Cristina Faraon

14 de nov. de 2007

Não contem nada a eles!


O boi, o frango, o peixe, a capivara, o camarão, o marreco, a lula...

Como você, eu também devoro animais - sem trocadilhos.

Não, não me sinto nem um pouco culpada por isso e não vou erguer a bandeira magra e pálida do vegetarianismo. Meu pensamento é o seguinte: deu mole, virou refeição. Nunca aconteceu com você?


Calma! Estou me referindo (sinceramente!) a alimentação. Sabe essas coisas que a gente faz na cozinha, na mesa... Hmmm... Deixa eu melhorar: refiro-me a essas coisas que tem a ver com panelas, tempero, sobrevivência, mastigação. Ficou claro?

Continuemos.

Não sou vegetariana. Quero a saciedade que vem das carnes, quero me sentir "das cavernas" de vez em quando. Faz bem. Comer carne é (do lado de lá e do lado de cá) animalesco, violento e, talvez por isso mesmo, delicioso. O sangue é só um detalhe.
Você deve estar se perguntando o que, então, me levou a iniciar esse texto falando de seres tão comestíveis? O boi ... o frango... o peixe... O que, nesse simpático corredor da morte, instigou minhas considerações?

Tomemos como exemplo o frango: quantas e quantas vezes já me flagrei com um frango entre os dentes e o coração pesado a considerar a brevidade daquela vidinha tão desprovida de prazer e sentido. Tem sido doloroso pra mim imaginar que algo sagrado e misterioso como a VIDA possa acontecer sob determinações estatísticas e contábeis, com o fim único de ser destroçado por humanos impiedosos.

Pense em toda aquela expectativa da galinha, do "coito" à constatação de que mais um lindo ovo viria ao mundo! E para quê? Pra ser quebrado em minha frigideira. Ou sadicamente alimentado e espionado até atingir a idade do abate. Que porcaria de vida é essa?!

O camarão "singrando" os mares, fazendo planos para o futuro, sentido-se livre, jovem e desejado pelas camaroas ... Mal sabe ele que o "mar" que está singrando não passa de um viveiro safado e que sua vidinha vai acabar tão logo ele atinja o tamanho ideal.

Cruel.

Cruel, mas gostoso.

Cruelmente gostoso. E nem sai sangue!

Podemos dizer o mesmo do boi e de tantos outros desafortunados que pisaram esse mundo sem perceberem que nenhuma de suas qualidades seria apreciada, a não ser o valor nutritivo.

Do nascimento a morte o que pode haver de interessante na vida de um bicho desses? Pode até haver mas jamais saberemos. Jamais! Por que desenvolveram inutilmente habilidades? Por que aprenderam a andar, nadar ou voar? Por que ter lindas penas ou pelos macios se tudo se acabará no Auschwitz da nossa cozinha?

Qual a especial ventura ou aventura, o plano de existência, o ato de bravura a ser registrado? Quem se interessa pelo que cada um desses animais possa ter de singular? Manias, preferências, fobias, sobressaltos... De nada disso restará lembrança. Passam pela vida como coisas vãs, como nada! E no entanto são tão complexos em sua formação... A vida neles também é um mistério, tanto quanto em nós. Que força os sustenta? De onde vem? Como se mantém e para onde vai? Quem se importa? Toda a ciência de seu micro-mundo está destinada ao nada... a ser perdida para sempre.
Sabe, isso me inquieta. Não o suficiente para passar fome, mas inquieta.

Eles enxergam, ouvem, sentem as exigências da natureza, a aproximação do predador ou da fêmea, sentem fome, cansaço, aflição... Para quê? Tanta complexidade desperdiçada...
Se eles soubessem - não conte nada a eles! - o quão breve e pobre suas vidas são e quão cruamente estão destinados ao buraco negro do esquecimento... Se eles pudessem ao menos refletir sobre a porcaria de vida que levam...
Sabe, acho que eles se revoltariam. Ou ficariam deprimidos - não haveria Prozac suficiente no mundo. Ou quem sabe, uma vez dotados de entendimento, eles se contentassem em escrever um blog cheio de indignação e amargura.
Ah como é confortável ser contada entre os humanos! Eu: um ser superior! Obra prima da criação de Deus reinando sobre os outros animais. Os reis da floresta somos nós! Ah que chique mandar no pedaço, escolher quem morre e quem não morre, se é com fritas ou farofa... ou quem sabe umas torradinhas. E chope!
Somos quase divinos. Pare para pensar. Pelo menos em comparação a uma lula eu sou. Falo por mim. Não sei você.

Então, enquanto pesarosamente eu comia e lamentava a má sorte daqueles seres inferiores e azarados, me ocorreu o seguinte: será que esse mesmo tipo de consideração também "aflige" os vermes que, debaixo da terra, esperam por nós? Por mim?!
-"Pobres humanos... Que sentido tem suas vidas? Se eles soubessem que a única finalidade das suas existências é nos alimentar... Vidinha mais besta! tantos projetos, tanto suspens, tanta complexidade desperdiçada... Não contem nada a eles!"


Cristina Faraon

3 de nov. de 2007

Pra quê?



Dia desses me senti meio patética (de novo!) vagando pelo shopping, tentando encontrar alguma coisa que valesse a pena ser comprada.


Tudo sem graça, manjado. E cada vitrine que eu olhava me encarava com perguntas irritantes:


- Um anel... Mas pra quê? Você tem vários e eles não melhoraram em nada a aparência das suas mãos. Não se iluda.

- Você tem mesmo certeza de que quer essa droga de vestido? Vai para onde com ele? Vai ver quem? Essa cópia de cópia vai ficar mofando meses em seu armário e você se sentirá pior ainda.

(Droga! Vamos aos sapatos.)

- Sapato de novo?! Conplexo de centopéia... Quantos pares de pés você tem, mulher? Tudo bem, se isso te fizer feliz compre. Mas nós sabemos muito bem que não te melhorará em nada, nem por dentro nem por fora.

(Ódio! Vou lanchar.)

- Vai engordar assim, de graça, sem nem estar com uma fome que justifique a transgressão? Depois já sabe: vem aquele sentimento de culpa, o espelho inclemente, as roupas que encolheram...

- Mulher, vá para a sua casa! O que você está fazendo aqui? Vá! Vá! Xô!

Responder o que? Fui. Mas antes resolvi me consolar com um sorvete. Não precisa estar morrendo de fome pra tomar sorvete, não é?

Uma vez ingerido não pude evitar: fiquei pensando na guerrilha interna que acabava de ser iniciada dentro do meu nobre corpo.

A gordura desesperada, procurando uma trincheira.

A área vip é o abdômem. Toda gordura do mundo quer ir para esse céu amarelo, mole e escorregadio. Quem não conseguiu classificação teve que se contentar como "classe média" acumulando-se em minhas costas.

As coxas são classificadas (segundo análise do modus operandi da invasora) como a pior parte da segunda classe. Elas não fazem muita questão de ir para lá mas acham preferível do que fazer volume um minha bunda. Filhas da mãe!


O espaço para essa guerra não é tão vasto, felizmente. Tenho procurado dificultar o acesso da inimiga às áreas principais, protegendo-as com exercícios físicos. Só que nem sempre isso é o suficiente. Atualmente são minhas únicas armas, além do ingênuo adoçante.

Ultimamente tenho percebido uma sutil "invasão de terras" também nos braços e queixo - áreas antes ignoradas e que têm tudo para passar a ser consideradas "vip". Era só o que me faltava! São locais difíceis de isolar. O canhão da ginástica nunca chega até lá. A solução deve ser drástica: capturar as invasoras manualmente e mandá-las para o campo de extermínio - entenda-se: lipoaspiração. Aguardem.


Se ginástica não resolve tudo, menos ainda roupas novas poderão resolver. Essas considerações foram revolvendo meu "estômago emocional" . Fui então pegando um nôjo - sério! - das roupas, das blusas, blusões, blusinhas, colares, sandálias, calcinhas... Cada lembrança, uma careta. Cada peça, um arrôto. Tudo me pareceu excessivo, colorido demais, fútil, pequeno, "aperuado".


Eu já estava prestes a vomitar mas meninas simpáticas me perseguiam para dizer que eu poderia comprar meio mundo e começar a pagar só em 100 dias.


Acho que vagar pelo shopping é a penúltima etapa para o fundo do poço. Tive pena de mim mesma...


Não quero nem saber como é o fundo do tal poço. Muito menos onde fica. Por favor, guarde para você essa informação.

Cristina Faraon

REALIDADES BRASILEIRAS