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5 de nov. de 2008

Morrer de amor



Tava pensando...

Em meus passos pelo mundo ainda não encontrei nenhum "africano" com o estômago inchado e perninhas finas. Estranho, pois sei que eles existem. Não ouço crianças chorando de fome. Nenhuma pe apareceu suplicante, puxando a barra de minha saia pedindo um pedaço de pão. O máximo que vejo pela rua são uns pedintes (quase "exigintes") que me despertam mais receio do que simpatia.

Jamais dou de cara com essas pessoas realmente carentes. Nossos caminhos não se cruzam. Não há acaso que nos ajude. Estamos separadas por uma espécie de arame farpado social. Farpado e eletrificado.

Esses dias decidi: chega de ouvir falar. Quero ver com os meus olhos, não com os olhos dos outros. Não através de um vidro. Quero sentir, quero acordar, quero desmilinguir de amor.

Do sentimentalismo aos atos, um grande abismo.

Ao expressar a descabida intenção de "ir lá" ao vivo e a cores fui veementemente advertida. Há perigos incontáveis espreitando nessas localidades mais carentes. "Loucura, Cristina! É loucura!"

Existe uma mulher com filhos sofridos em algum lugar.Existe um pai desempregado, crianças cariadas, pés sujos. Como chegar neles?

Quando penso nisso parece-me que moram em outro planeta. Preciso de menos poesia e mais determinação. Preciso não me achar tão importante, mas minha família me acha importante. Meus amigos também. "Não vá, não invente! Não se meta, deixa de onda! Quer morrer? Pense bem."

Eles, os ultracarentes, tem as necessidades deles, mas também tenho as minhas. Preciso ser eletrificada por um amor desmedido, "um amor maior que eu". Mas como amar desmedidamente quem só existe na conversa dos outros e nas fotos?

Eu queria ver para sentir, para acionar o Alguém Melhor que deve existir (em algum lugar!) dentro de mim. Queria descobrir com o meu próprio coração que não preciso de tantos sapatos, que meus amigos podem ficar sem presentes de aniversário, que já tenho batons suficientes, que posso comer em casa, que não vou morrer se meu sofá não for trocado. Já sei de tudo isso, claro, mas quero que meu coração me diga. Ou quero ouvir isso pelos olhos da menina grávida.

Queria descobrir a minha melhor parte mas entendi que fazer o bem com as próprias mãos pode ser uma aventura de uma mente delirante. É como ser voluntário de guerra: quase uma burrice.

Enfiar-me pelas ruelas entrelaçadas do mundo é hoje meu desafio mas eu teria que fazer isso escondido.

Eu faria isso escondido? Convido alguém para ir comigo? Vou sozinha? Visto-me de freira? Ainda respeitam freiras? É burrice? "É o amor que mexe com minha cabeça e me deixa assim"? É doidice? É uma fase?

Para os muito "oculpados" há sempre a opção pré-fabricada de cooperar com uma instituição de caridade. Ajuda mas ... amar é muito mais do que isso e eu acabei de dizer que "quero um amor maior que eu".

Amar é olhar nos olhos. Dar dinheiro que passa de mão em mão e nem sei se chega lá, não me torna uma pessoa melhor nem mais humana. Serve para amenizar minha consciência, fazer com que eu me sinta bem sem precisar saber nem o nome do assistido. Dar dinheiro para instituições faz algum bem aos carentes, é verdade. Algum bem, mas não "o bem". É melhor do que nada mas não tem o mesmo valor que oferecer amizade, carinho, um ombro amigo, o meu endereço.

Sei lá... a proposta de Cristo é muito mais radical do que "isso aí". E não me sai da cabeça a proposta de Cristo. Ele disse para amarmos o próximo. Se não me aproximo do próximo ele jamais será meu próximo e eu jamais o amarei.

Jesus propôs envolvimento e isso é tudo o que não queremos. Queremos dar dinheiro. Claro, sai mais em conta, não suja as mãos nem a gola da camisa e não se perde o horário do cinema.

Confesso: não amo fotos de crianças magras nem mutiladas. O que sinto é apenas uma agonia, um grande mal estar quando vejo. Isso não é amor.

O que quero? Quero pirar, é isso. Quero sentir medo na primeira vez - só da primeira vez. Depois ser tomada pela ousadia dos apaixonados na loucura do não medir.

Eu amaria se pudesse chegar perto.
Eu quero chegar perto.
Eu quero chegar perto?
Sabe, o que eu queria mesmo era morrer de amor.

Cristina Faraon

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