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9 de set. de 2015

Fugitivo


Daqui da janela do meu quarto vi uma dessas cenas comoventes que geralmente passam desapercebidas porque somos muito ocupados.

Refiro-me a um saco, um saco branco e livre  recém fugido da jaula do seu destino.  Ele ria e se aventurava ousado pelo mundo como qualquer criança que se solta das mãos dos pais e se percebe livre na praia. "Deixe ele correr solto um pouco! Não vamos interromper isso agora!"

Pois ele fazia evoluções como quem desafia algum amigo medroso que fica grudado no chão com os olhos arregalados. Enquanto gritava "iupiiii!" ele mantinha bravamente a altura - uma altura incomum para os da sua espécie. Há aquela lei - você deve lembrar - que diz que sacos plásticos não devem voar além de cinco metros do chão.  Mas quem se importa com isso?  Ele ignorou os conselhos das sacolas ecológicas e ousou. Teve então um desses ricos momentos que valem uma vida toda.

Custei a perceber que "aquilo" não passava de um reles saco plástico. Branquinho branquinho. Não, seu destino não era terminar os dias como vilão no estômago de alguma tartaruga em extinção. Talvez até seja... mas ele não sabia e não queria saber.  E é assim que deve ser. Está anotado aqui: Viver o momento e plainar, brincar no céu ainda que todos saibam, penalizados, que aquilo não vai durar muito tempo.

O paralelo é tão obvio que nem me dou ao trabalho de fazer suspense. Somos - tu e eu -  sacos comuns, com milhares de réplicas sem graça e terminaremos, quem sabe, na barriga da tartaruga. Mas podemos ter nossos minutos de glória e alegria esfuziante. Podemos viver eternidades que terminam em momentos. Claro, depois passaremos o resto da vida procurando  novamente aquele pé de vento que nos levantou, que se foi e nunca mais apareceu.  E envelheceremos descrevendo para os mais jovens a nossa ventura passada e ele se esforçarão em nos ouvir.

Queria terminar esse texto deixando sua mente impregnada com a mesma visão banal e magnífica que me tocou. Não sei se consegui. Pra te ajudar a visualizar vou acrescentar aqui que o céu estava muito azul e o mundo parecia calmo.

A respeito daquele vôo ilegal, nem posso dizer  pra vocês que "acabou! eu sabia que ia acabar" . Não vi acabar. Não assisti "a derrocada do saco plástico que achava que podia."   Isso porque ele passou faceiro e despreocupado por todo o ângulo da minha janela e foi-se embora sem que eu pudesse vê-lo sequer perder altura.  Caiu? Isso  pode ter acontecido ou não!

Pode ser que Deus tenha ficado tão comovido com aquela felicidade que deu o braço a torcer e o transformou em ave mais adiante, ali, depois daquela curva, atrás do prédio. Bem longe dos meus olhos pessimistas e agourentos.

Você sabe: Deus é Deus mas às vezes ele não se segura.

Gente, exatamente nesse momento aquele saco feliz pode estar no Céu!

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