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24 de out. de 2015

Mulher translúcida

Quando os filhos crescem eles se vão. Todo mundo sabe disso.  Mas como não poderia deixar de ser, para amenizar esse fato a vida nos  concede umas  míseras compensações. Por exemplo: enquanto os filhos são pequenos nossa presença parece ser mais que fundamental. Estamos colocados no centro do mundo e de tal forma revestidos de importância que se morremos eles morrem, se sumirmos eles piram, se falhamos eles afundam. Qualquer deslize é fatal e pode semear traumas incontornáveis. Megalomania? Neurose? Não sei. Só sei que naquela fase tudo o que fazemos ou não fazemos pode ser catastrófico. Todas as nossas atitudes deixam rabichos que se arrastas pela vida como um rabo de papel que a gente não consegue descolar da calça.  Lembra da brincadeira?

Ah a cruel e doce passagem do tempo!  Quando eles crescem nós somos gentilmente apresentados à realidade e tomamos consciência do nosso próprio tamanho - e ele é mínimo.  Se um dia fomos grandes, indiscutivelmente encolhemos. Para o nosso descanso encolhemos. Alívio!  O destino do mundo não está mais em minhas mãos - dá licença que eu vou pescar.

Bem, mas há um probleminha: a coisa não pára.  Não paramos de encolher. Para o bem ou para o mal esse processo continua, incontinenti.  Até quando, meu Deus?  Resposta: até o "estágio final" que não é outro se não a completa invisibilidade - oh minha filha.

Como todos sabem, a invisibilidade é o estágio mais avançado da liberdade, só que de tão avançado ninguém quer esse bagulho. Mas não tem jeito: tornamo-nos invisíveis com o tempo. Primeiro é bom, porque perdendo importância ganhamos leveza. Mas depois... Não sei como me sentirei ao atingir esse estágio  tão avançado da existência. Por enquanto acho que estou no máximo translúcida. Funciona assim: éramos o centro do mundo; depois fomos perdendo importância e ganhando a liberdade; mas mais depois ainda essa liberdade vai se acentuando de tal forma que ninguém mais precisa da gente. E por não precisarem e estarem ocupados demais sendo fundamentais para os próprios filhos, nós vamos ganhando transparência, transparência ...  até sumir. Não, sumir não é a morte. A morte vem depois.

As mães são translúcidas. Não, isso não é um lamento.

Estive pensando que talvez a coisa toda seja parecida com uma lenta viagem de volta ao escurinho do útero.  Solidão, satisfação completa e invisibilidade. Ninguém se lembra de como era mas todos concordam que era uma gostosura. Então vamos lá.

Um comentário:

anjo só disse...

acho que o ser humano gosta mesmo é do que não tem, e ser o que não é, se ele é famoso e os paparazzi o perseguem se irrita, se está sem fama faz tudo para aparecer.

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