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11 de mai. de 2016

Regra do tempo

A época em que eu mais escrevi foi justamente na que menos tive tempo. Tantos afazeres, tanto o que escrever. Então eu lamentava que a vida não se deixasse observar, que fosse tão apressada e cheia de exigências. Eu sonhava com o dia em que poderia dispor do tempo que fosse necessário para fazer tudo aquilo que eu achasse necessário. Como se se tratasse de uma prateleira, eu sonhava em pegar mais algumas latinhas de tempo, encher meu carrinho e sair toda faceira para dar um jeito no meu meu universo.

Houve uma época em que eu me levantava antes do sol , para correr. E corria. Cheguei a conhecer cada buraco das calçadas, cada cachorro das redondezas. As casas bonitas, as casas descascadas, as casas abafadas.  Algumas casas bocejavam em mim. Eu sentia o bafo quando passava rente nos meus trotezinhos de pseudo atleta.  Portas entreabertas. cheiro de café, roupa amarfanhada, xixi de gato. Algumas casas acordavam cedo, outras abriam os olhos só no meu retorno. Nenhuma me saudava, mas me olhavam, me reconheciam. Sabiam quem eu era.

Acho que as casas mais felizes tinham vovós ou eram de recém casados. As casas mais tristes não tinham crianças, só adultos enjoados, metidos em subempregos.

Houve um tempo em que fiz o contrário: chutava as atividades físicas para a noite, depois do trabalho.  Largava a seriedade da vida e incorporava shortinho e top. Aí se resumia toda a minha rebeldia.   Ah: e eu não me apressava em voltar pra casa. Foi uma época triste. Não era pra ser porque eu gostava da academia a noite.  Nunca mais estive tão em forma. Magra, sem celulite, toda durinha. Saudade.  A alma estava um caos  mas ninguém nem notava.

 Na hora do almoço eu ia ao shopping, as vezes ao supermercado,  ao cartório, à oficina,  médico , salão, laboratório. Eu era eficiente e não sabia.  Devia me sentir orgulhosa mas ao invés disso preferi apontar meu olhar para um futuro glorioso no qual eu faria tudo isso e muito mais, e com as unhas impecáveis.

Bobagem.

Há algum tipo de feitiço no tempo. Só conseguimos fazer tudo quando não temos tempo. O universo ajuda os ocupados.  Mas quando temos tempo, ele nunca é suficiente.  O universo se ressente contra as pessoas mais livres. Isso não tem lógica mas é assim que as coisas são.

Deve haver alguma lição cósmica nesse assunto, alguma coisa que... não consegui agarrar.   Intuo um ensinamento flutuante a rondar por aí como uma pena ao vento. Por que não tenho tempo agora, que o tenho? E por que eu o tinha quando mal conseguia tocá-lo?

Estou há semanas sem ir à academia. Nunca mais escrevi aqui no blog. Inclusive nesse momento não estou escrevendo, como você pode notar. Não visitei minhas amigas, não aderi a um trabalho voluntário. Estou cansada, os dias estão mais curtos. Perdi as rédeas.

Minha vida mudou radicalmente de uns poucos anos para cá. Cheguei dessa viagem de mudança e ainda não consegui organizar as roupas das malas. Isso me incomoda. E como tudo está bagunçado, receio um dia acordar e descobrir que os dias resolveram passar de três em três...  e quanto a gente se distrai demais ele se irrita e resolve dar uns saltos de uma semana.

É ruim andar de olhos fechados no corredor imaginando que tenha grande extensão e, de repente, dar de cara com a porta de saída.

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