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11 de mar. de 2021

Hoje é o último dia da minha vida *

Essa noite sonhei que fui condenada à morte, então resolvia escrever minhas últimas palavras. As pessoas que eu mais amava iriam ler minhas declarações, inclusive minha mãe (que no sonho ainda não havia morrido). Isso aumentava muito a importância e a responsabilidade do que eu iria dizer.

A primeira frase já estava decidida. Seria "Hoje é o último dia da minha vida". Ponto. Daí eu começaria a desenvolver o resto.

Comecei a escrever mas logo joguei tudo fora porque o papel não era adequado. Depois recomecei porque eu estava em uma posição desconfortável e a letra estava saindo horrível. Depois joguei tudo fora de novo e recomecei porque a caneta estava falhando e acabou a tinta. E por várias vezes tentei escrever mas não passava da primeira folha. Eu queria algo marcante, sensível, poético, algo que resumisse minha vida e meus sentimentos e onde pudesse dizer tudo o que sinto por cada pessoa que amo. E também tinha que dar tempo de pedir desculpas e explicar certas coisas.  Bem, isso tudo daria um livro mas eu só tinha um dia para escrever!   "Amanhã" eu seria executada. Não daria tempo de fazer  nada perfeito, nada com valor literário.  Por fim, então,  tomei a decisão correta: simplesmente escrever o que me viesse à mente sem me preocupar com nada mais. E se não desse tempo de terminar, paciência. Anne Frank também não "terminou seu diário" e mesmo assim ele se tornou um best seller.  Não, nem Anne Frank eu queria ser. Queria apenas abrir o coração para o mundo e mostrar que existi.

Recomecei, por fim. Resoluta. Passei a registrar vários momentos da minha vida. Eu pulava de uma lembrança para outra, recomeçava, comentava sentimentos, mencionava pessoas. Não me importava mais com a ordem das coisas. Quem precisa de "ordem das coisas" no último dia da sua vida? Os pensamentos iam e vinham, tudo fluía imperfeitamente com deveria ser.  

Em determinado momento eu não sabia mais se ainda estava acordada mesmo ou não. Porque eu continuava pensando, lembrando e selecionando com a minha mente tudo que deveria ser registrado. Em algum momento o sonho acabou mas eu continuava na cama com os mesmos pensamentos de escritora, de olhos fechados, redigindo mentalmente minhas memórias e declarações. Meio acordada decidi que iria escrever tudo aquilo de verdade, em um caderno ou blog. Queria me lembrar de tudo, então eu entrava e saía do sonho sem saber se meus pensamentos eram uma continuação dele ou se eu ainda "estava lá".

 A partir de algum momento indefinido acordei e fiquei pensando no significado daquele sonho. Ele não é a história de todos nós? 

Estamos todos "condenados à morte". Todos vamos morrer. E não temos chance de voltar atrás para corrigir tudo. Poderíamos até tentar mas seria como na escrita: toda vez que eu tentava recomeçar para escrever melhor, escrevia novo texto cheio de erros que seriam rejeitados na própria revisão. E sempre haveria uma revisão. A capacidade de olhar para trás é infinita e paralisante.  Meu texto jamais ficaria perfeito. E se eu ficasse presa ao passado remoendo tudo jamais escreveria "minhas últimas palavras." O livro da minha vida jamais avançaria nesse eterno recomeçar. 

Acho que é por isso que Deus não nos deixa voltar ao passado para remendar as coisas. Não é por maldade. Ele apenas sabe que não adiantaria. Ao retornar eu corrigiria erros antigos mas cometeria erros novos.

Siga em frente, Cristina. Apenas olhe para a frente e viva!  Não vale a pena revisar infinitamente seus atos.   O "livro da sua vida" não será perfeito. Não vai haver tempo de fazer tudo, dizer tudo ou consertar tudo. 

Viver é escrever.

Apenas "escreva" e quando o tempo acabar, acabou.  Não se preocupe com o "carcereiro". Ele sabe a hora. Concentre-se no que você ainda tem de vida - e você tem pouco tempo. Tudo é tão breve! Não tente produzir uma obra prima. Abandone essa pretensão boba. Apenas faça o seu melhor e deixe mensagens de amor. É o suficiente.

Estou começando a achar que esse sonho foi uma mensagem para mim.

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