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28 de out. de 2018

Fuga desesperada

Parábola do dia:
Era uma vez eu.
Eu estava passeando por uma linda  floresta quando vi uma menina sair apavorada de dentro de uma caverna. Ela saiu correndo com os olhos arregalados, sem rumo, quando se deparou com um lobo.  Ela então se agarrou ao lobo por puro instinto, de forma impensada, propria de quem está com tanto medo que nem pensa, só quer se proteger. A pobre menina nem notou que tipo de animal ela agarrara.   
A pergunta: o que fizeram com essa garotinha lá dentro da caverna? Que coisa tão horrível ela viu a ponto de tentar se salvar com um bicho tão perigoso?  Posso deduzir que o que estava na caverna era algo muito pior do que um lobo.

Agora imaginemos  que o Bolsonaro seja mesmo o pior Hitler do mundo;  uma mistura de Dracula com Stalin.   Quanto pior é a figura do Bolsonaro, mais  sou levada a crer que o povo se atracou a ele por estar fugindo de algo muito pior do que ele.  Quanto pior o Bolsonaro é, mais intrigante é a pergunta:  quem fez tão mal a esse povo a ponto de tentarem se proteger com o primeiro "coiso" que passava pela floresta? 

Não culpem quem foge. Culpem quem causou essa fuga a ponto de ninguém nem enxergar no que estava se agarrando.

7 de set. de 2018

Você vai ter que se conformar *

Um dia, passeando pelo centro da cidade, surge à sua frente aquela amiga, irmã do coração que você não via há séculos. Em um flash você relembra de festas, confissões, passeios e sextas-feiras.  Em rápida escaneada você vê no rosto dela que o tempo passou, que o penteado mudou mas não há como negar: é ela sim, que vem do passado mútuo de vocês e do passado dela mesma com outras histórias. Que bom!

Você corre ao seu encontro, faz uma festa enorme. Você a beija e se emociona.  Abre os braços como se quisesse abraçar, junto com ela, também seu marido  e filhos, já tão queridos! Você a chama pelo apelido. Ela hesita e não consegue rir da brincadeira e fica com cara de dúvida mas você passa por cima. Atropela mesmo, porque ela é a sua irmã maluquinha que nunca mais você viu mas Deus trouxe de volta.

Nossa, você já sabe que ela há de exigir que você vá à sua casa nessa semana ainda. E vocês duas hão de conversar horas e rir muito. Ela há de te mostrar seu guarda-roupas, fotos da gestação, da viagem de férias, do aniversário de casamento. Há de falar na nova dieta, dos novos cremes, do colesterol e da celulite. Vocês vão rir muito dos ex namorados e das inimigas mútuas do colégio.  Que longo abraço!

Que longo, que solitário abraço!  Demora uns segundo para você notar que teve toda a sua empolgação "amortizada" pelo abraço frio e frouxo que recebeu de volta.  Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando ver neles algum lampejo atrasado daquela vivacidade da qual você tanto se lembra. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia de todos os seus segredos, a menina linda que te emprestava roupas e contava dos foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu?  Reconheceu sim.

Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!" Como "que prazer te rever"?   Onde será que ela aprendeu a ser tão formal logo com você? Logo ela que te chamava de doida, que era chorona, tomava as dores do mundo, pedia satisfações e falava pelos cotovelos?   Que desmonte foi esse que a deixou tão polida e embaraçada com o seu carinho,  procurando aflita por palavras simpáticas que não lhe vêm naturalmente à boca?

Você vai ter que se conformar com essa perda. Sim, sua amiga morreu.  Ou pior: ela nunca esteve lá, no passado, do jeito que você lembrava.  "Tudo aquilo" talvez  só tenha existido na sua cabeça. Ou aconteceu mesmo, só não era eterno como se supunha.   Você vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa murcha depois desse papelão.

Ficou tão claro que o marido dela jamais tinha ouvido falar no seu nome!  Poxa! Enquanto isso a sua família já ouviu mil histórias de vocês duas.

Dói. Você segue seu caminho sozinha, empobrecida. Ficou um vácuo, uma mancha na parede igual a quando a gente tira um quadro antigo que estava lá, pendurado há muito tempo.  Seu passado precisa ser revisto...

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3 de set. de 2018

Meu ser-base *

Essa coisa de "se aceitar" é menos simples do que parece. 

O que exatamente devo aceitar em mim? Minhas características físicas? Ok.  Mas algumas coisas eu sou, algumas coisas estou, outras coisas me tornei. Isso tudo sou eu?  O que veio depois também deveria ser aceito da mesma forma do projeto inicial?    Eu sou o hoje e o agora ou isso não conta?  

Se sou baixinha devo me aceitar como sou. Isso eu entendi.  Mas se engordei 40 quilos ou se meu rosto ficou cheio de espinhas,  isso sou eu? Ou isso "estou, mas não sou"?   

Bem, então pra me aceitar eu preciso primeiro saber quem realmente sou para, só então, fechar acordo com esse ser-base.  Depois, só depois, vou decidir se o que vem depois de mim ainda sou eu ou não.

Mas, pensando bem, só pude me transformar no que me tornei por causa do que eu sou por dentro, de verdade. Se eu sou quem come mau então minhas espinhas são eu, ainda que tenham vindo depois.
Certo? Ou não? 

Complicado.  

Calma! Uma coisa de cada vez: vamos a principio ficar só no primeiro passo e comecar aceitando o nosso ser-base.  Depois a gente vê o resto, ok? 

E olha que só falei no exterior!  Meu Deus, qual será o meu ser-base interior?

Mulher chata

(Outro dia escreverei sobre Homem Chato)

1- Se tranca em casa (nenhuma programação a agrada) mas vive reclamando que não sai pra lugar nenhum.

2- Não quer que o filho brinque de nada que o faça suar, sujar ou cansar.  Vive proibindo, lavando e guardando o pobre moleque dentro de casa.

3 - Nenhum dos amigos do seu filho presta. São todos mal educados ou bandidinhos. As amigas também: tudo do mal.

4- Nenhum dos amigos do marido presta. Todos são chatos ou cachaceiros ou mulherengos ou bagunceiros ou burros ou só falam em futebol ou só falam em trabalho ou só falam em política ou... Afe!

5- Nenhuma das esposas dos amigos de seu marido presta. Todas querem ser melhores do que os outros, só falam nos filhos ou só falam no trabalho ou são fúteis, são carolas ou mundanas demais, falam muito, falam pouco, reparam em tudo, são fofoqueiras...

6- Nenhuma namorada de seu filho presta: são todas vagabundas, burras, vulgares e interesseiras.

7-  A mulher chata até faz o favor de transar com o marido mas é cheia de restrições. É a rainha do "aí não", "você está me machucando",  "isso é ridículo! Não vou fazer", "meu Deus, você é tarado!", "tenho nojo", "isso é coisa para vagabunda; não sou vagabunda!"  "isso é constrangedor", "isso é pecado", "ainda é cedo",  "já é tarde" ou "de novo????".  

8 - Não faz nada pelo marido. Ele tem que fazer tudo por ela mas ela "não nasceu para ser escrava". Ele nasceu.

9 - Reclama da mania dele de ler jornal, de assistir noticiários, de andar de cuecas pela casa, de não usar perfume, de usar um perfume desagradável, de não fazer nada ou de ser metido a fazer tudo.

10 - Fica irritadíssima com as manias dos outros, mas não se toca das suas.

11 - Está sempre inventando uma ocupação para nao dar atenção a ninguém mas reclama que ninguém lhe dá atenção.

12- Enche o saco com ciúmes. Toda mulher está doidinha pelo marido dela.

13 - Nunca jamais esquece uma mágoa. Perdão não faz parte do seu dicionário.

14 - Está sempre com cara fechada ou com cara de sofredora.

15 - Apesar de estar sempre com cara fechada ou com cara de sofredora, não entende porque os amigos do marido não vão com a cara dela.

16- Apesar de continuar com a cara fechada ou de sofredora, não entende porque o marido não a deseja. Ela quer ser desejada - só para poder reclamar depois que o marido só pensa "naquilo".

17 - Implica com todas as empregadas domésticas. Nenhuma presta: todas são burras, preguiçosas, esbanjadoras, mal criadas, assanhadas, porcas.

18-  Ninguém faz nada bem feito.

19-  Em todas as situações ela só tem direitos, nunca deveres.

20- Cobra de todo mundo mas ela mesma é uma nulidade. Não sabe fazer nada que preste.

21-  Toda vez que o marido a convida para sair,  ela  1) está cansada; 2) não tem roupa; 3) o cabelo está horrível; 4) as unhas estão feias; 5) Preferia ir a outro lugar; 06) está com cólica; 07) está com dor de cabeça;

22) Se o marido lhe dá um presente, diz que aquilo só pode ser dor na consciência. "O que você anda aprontando"?! Se não dá, é porque não a ama mais.

23) Está sempre de mal humor ou doente ou cansada. Já falei isso? Tá vendo como é chato viver repetindo as coisas?

24) Nâo vai na casa da sogra porque ela tem todos os defeitos do mundo, mas a mãe dela é perfeita.

25) Só seus parentes prestam;

26) Tem mania de limpeza. Ela poderia trancar-se em um quarto esterilizado, mas prefere azucrinar a família.

27) Odeia hotéis porque lá é tudo sujo.

28) Odeia motéis porque lá é tudo sujo

29) Odeia se hospedar na casa dos outros porque lá é tudo sujo.

30) Ninguém pode pegar no seu bebê porque todo mundo é muito sujo.

31) "Aquilo" também é muito sujo.

Não seja essa mulher.

1 de set. de 2018

A criança que existe em mim

Para falar a verdade não tenho apreço algum pela "criança que existe em mim". Se é que existe criança em mim. Não que eu tema estar grávida. Você sabe do que estou falando.

Ás vezes acho que sou um pouco "do contra". Vejo umas frases que todo mundo replica, ideias que todos abraçam e me dá assim uma vontade quase irresistível de argumentar em sentido contrário - e é o que estou fazendo.  Vou ser uma velhinha chata...

Acho tão piegas essa coisa de "ser criança pra sempre!"   Não perder a ingenuidade é uma desgraça. Não abandonar as tolices nos torna insuportáveis. Querer diversão ininterrupta é uma droga.

As mesmas pessoas que pedem candidamente  que "não deixemos morrer a criança que existe em nós"  são aquelas que reclamam de adultos infantis que não assumem responsabilidades. se apegam a coisas ridículas, não levam nada a sério.

Sei lá, vai ver que ser criança para sempre, segundo "eles",  signifique uma capacidade infinita de se divertir com roda gigante, carrossel, palhaços, pirulitos...  Legal. Parece bonito mas...   será que essas qualidades podem vir sozinhas ou fazem parte de um pacote completo com babaquices inclusas?

Outra coisa que não quero é "acreditar, sempre acreditar".  A capacidade de desconfiar nos protege.  Por que eu ia querer acreditar em promessas, em sonhos mirabolantes, em romances falidos, em instituições furadas, em propagandas, possibilidades novelescas, investimentos discutíveis...   Não, não quero, obrigada. Vá se lascar prá lá sozinho. Prefiro ser velha. "A criança que existe em mim", se ainda existe, está te olhando pelo rabo do olho.

Sabe o que "a criança que vive em você" costuma fazer? O que fazem todas as crianças: querem
monopolizar as atenções, não aceitam ser contrariadas, fazem perguntas indiscretas, brincadeiras irritantes, ignoram obrigações e horários, se expõe ao perigo, acreditam em qualquer malandro, querem comer só besteira, odeia escovar os dentes e não está nem aí para os riscos da insolação. Ora faça-me o favor!  Se você quer continuar a ser criança, problema seu. Sim, PROBLEMA seu. Você vai ter muitos problemas.  Quanto a mim, saúdo a maturidade. Crescer é bom demais.

Num sábado de sol

Hoje é sábado e passei o dia todo com a sensação de estar no lugar errado. Meu quarto era o lugar errado apesar de ser exatamente o lugar onde eu queria estar. Lendo, navegando, dormindo, remexendo gavetas, e-mails, fazendo nada.   Bom demais, mas... será que deixei de fazer alguma coisa que deveria fazer?  O que eu deveria estar fazendo? Qual é o certo? 

Não sei de onde vem essas exigências fantasmas que encardem o nosso ócio.

Estive viajando esses dias. Sabe essas viagens em grupo onde a gente conhece um monte de lugares legais mas não para um só minuto e chega exaurida ao hotel? Pois é. Em alguns momentos eu dizia a mim mesma que tudo o que eu queria fazer quando voltasse pra casa era não fazer nada, não ir a lugar algum por uns dias. E hoje foi meu grande momento de cumprir essa agenda oca, já que nos dias anteriores ainda tive que desfazer malas, lavar roupas, pintar cabelo, ajeitar unhas.

O sol brilhando lá fora e a exigência interna de aproveitar o sol. Respondi a mim mesma que já aproveitei todo o sol do mundo nessa viagem de verão e agora chega. Não adiantou porque sábado é sábado e a obrigação de qualquer ser humano grato à vida é aproveitar o sol uma vez que ele esteja instalado no céu - e estava. Quase senti vergonha de mim. E quase senti medo de quem alguém me telefonasse pra perguntar o que eu estava fazendo e eu me visse obrigada a responder que não estava fazendo nada num sábado desse.

Não fazer nada num sábado de sol é um ato de ingratidão. Uma grande desfeita ao dono do sol e dono do sábado

Imagino agora as outras exigências-fantasmas  menos explícitas que nos incomodam ao longo da vida. Quanto do que fazemos realmente queremos fazer? E quanto do que não fazemos nos pesa como uma transgressão?

O que é a vida? Uma corrida atrás de uma felicidade que nem sabemos qual cara tem? Correríamos atrás da plenitude se ninguém nos tivesse dito que era isso que deveríamos fazer?  O que é a vida? é um amontoado de informações que não nos favorecem em nada?

E aquele cachorro da esquina, também sofre disso? Ele tem as suas próprias exigências-fantasma-caninas? Se tem, coitado. Não pode nem desabafar num blog.

21 de jun. de 2018

Rua da Cobiça

À medida que eu envelhecia a coisa não parava. Haviam prometido descanso interior na velhice mas eu continuava olhando e desejando mil coisas. Não era para ser assim. 

Tempos atrás eu havia assistido o vídeo de um sujeito desenhando com desaforada  facilidade. Foi então que quis aquilo pra mim. Quis aquele dom. Cobicei como quem cobiça  qualquer coisa material.   Tomei algumas providências, comecei a desenhar  para trazer a luz o suposto dom adormecido lá  dentro, mas parei. 

Desejar um dom poderia ser o início de uma história de sucesso. Podemos desenvolver um dom que não sabíamos que tínhamos?    

Hoje me ocorreu que o desejo de ter o dom alheio pode não ser algo mesquinho, mas um aviso alvissareiro. Essa "inveja grávida" pode ser o grito silencioso do seu dom entocado lá dentro do seu EU, que estava sendo ignorado. Pode ser que ele esteja só pedindo para vir à luz. Das masmorras escuras da sua alma o seu dom quer eclodir.  Ao contrário dos bebês eles não crescem trancafiados.  

É tranquilizador pensar que a inveja do dom alheio não seja um defeito em si, mas um alerta da alma, que detectou por perto um correspondente.  Um "dom gêmeo". 

Seríamos capazes de desejar um dom que já não tenhamos? Tomara que não.

É complicada essa Rua da Cobiça. Cheia de vielas, buracos, interrupções. "Cobiçar dons é pior do que cobiçar coisas" eu pensava . Agora  não penso maus assim.  Estou aliviada depois de entender que é só assim que conseguimos  dar à luz os nossos dons ocultos. 

Há tempos atrás eu me perdia nos caminhos da vida.  Dava voltas e me encontrava novamente vagando pela Rua da Cobiça, meio sem rumo.  

Antes eu não conseguia andar em linha reta. Parava em cada vitrine, em cada construção muda.  

Houve uma vez que passei pela Rua da Cobiça e me encantei com a vitrine dos músicos. Dentro de mim eu intuía que merecia tocar como eles. Então olhei ressentida aquela capacidade que eu não tinha.  Mas continuei andando e me detive por um momento na vitrine dos desenhistas. Depois foi a vitrine dos poliglotas. Entrei nos estabelecimentos, pedi informações,  comprei as sementes mas nada brotou.  Ressecaram na gaveta, coitadas. 

Grandes escritores  já se aventuraram  a descrever o inferno mas poucos se dedicaram a essa espécie peculiar de inferno: os infernos dos quarteirões quadrados da cobiça aos quais sempre voltamos mesmo querendo seguir em frente.

Sim,  eu também estou achando esse texto muito estranho.

19 de jun. de 2018

A moça bizarra do Face

Aqui perto de casa há um rapaz que pede esmola no semáforo.  Ele é portador de severa deformidade física. Cada vez que o semáforo fecha ele se aproxima dos motoristas e quase que esfrega na cara deles o toco do seu braço disforme.  Muitos lhe dão moedas para se livrar logo da situação.    É grotesco mas funciona.  Se é errado? Me incomoda sim,  mas não vou julgá-lo.

Esses dias vi no Facebook a foto de uma moça muito feia, vulgar  e obesa em pose sexy com roupas mínimas. Era de tanto mau gosto que se tornava engraçado. Seria essa a intenção dela? Ou será que se achava bonita? Para se achar bonita deveria ter uma ideia muito distorcida a respeito da própria imagem. Não acredito que fosse o caso. Mas sei que ser feio pode ser lucrativo - ao contrário de ser burro. No caso dela, comportar-se como se fosse bonita provoca vários tipos de reação nas pessoas e isso a mantém na mídia. 

Outra situação que ilustra o que tenho a dizer: o caso do anão no circo. Acho que ele não expõe suas características físicas na esperança de ser considerado bonito. E certamente ele não se aborrece com os risos da plateia, pois tem uma visão real do efeito da sua imagem dentro daquele contexto. Não acho que o que o leva ao picadeiro seja a auto estima elevada. Aquele é seu ganha-pão, simplesmente. Ele é apenas uma pessoa inteligente que resolveu fazer o melhor que pode com o que tem, ao invés de viver choramingando ou culpar o mundo por causa de um padrão de beleza que a princípio não o beneficia.   

Pois a foto da "moça bizarra do Facebook"  inspirou um monte de comentários de pessoas que diziam desejar muito ter a "auto estima dela".   

Não vejo auto estima alguma na atitude de alguém que aceita ser objeto de risos. Pelo contrário. Para fazer tal papel é necessário uma boa dose de humildade. A menos que seja louca, ela sabia que esse seria o efeito da sua imagem naquele contexto. Sabia o tipo de comentários que provocaria. Ressalte-se que não havia nada de esdrúxulo na obesidade em si. Há diversas mulheres obesas e muito bonitas, mas a maneira afetada das poses, a produção cafona, a maquiagem de mal gosto, essas coisas só poderiam causar risos. Certamente essa é uma prova de humildade mais do que qualquer outra coisa. 

Ela só estava sendo  pragmática. Ninguém "choca" as pessoas com a própria imagem se não tiver uma visão muito distorcida de si mesma ou se não pretender auferir algum lucro com isso.  Ninguém gosta de ser objeto de risos se não tiver feito disso uma profissão. 

"- Nunca vou ser Anna Hickmann. Tudo bem. Mas ao invés de viver choramingando pelos cantos vou usar o que tenho para conquistar uma vida mais confortável."    E por que não? Parabéns a ela.

Não, nem ela, nem o rapaz do semáforo nem o anão do circo se expõe daquele jeito se isso não lhe trouxer benefício.  O grotesco bem aproveitado e bem exposto pode vir a ser uma ótima sacada. Essas pessoas  certamente tem uma visão muito clara do que são, a ponto de fazerem disso uma boa matéria prima para ganharem a vida.

Se "a moça bizarra do Face" tivesse uma auto estima elevada ela não apelaria para o grotesco para ganhar a vida. Se o fez foi por saber quem é e a aparência que tem. Ou isso é verdade ou ela está sendo cruelmente usada.   Porque por mais relativo que o conceito de beleza seja, há limites para essa relatividade. Não é algo infinitamente maleável. Mas ao "fazer limonada com o limão que a vida lhes deu" essas pessoas estão de fato deixando um ensinamento relevante para todos nós.  

"- Eu preferiria ser bela, mas não sou. Chorar não adianta. Vou tentar melhorar minha vida com o que tenho, ainda que seja preciso engolir uns sapos e ouvir uns comentários horríveis a meu respeito. Vai compensar quando eu chegar em casa e ver meu filho alimentado, as contas pagas, a cama box, o tapete bonito, a banheira de hidromassagem."    

Não, ela não é burra. E está de parabéns. Enquanto houver quem pague para rir da sua feiura, por que não aproveitar?

A lição aqui não é a de "derrubar padrões de beleza" nem de "chocar a sociedade hipócrita". Não é uma lição de ódio - nem propriamente de auto estima. A lição aqui é de aceitar seus limites, saber viver, agarrar com unhas e dentes as oportunidades que aparecem e, por fim,  fingir que não doeu. 


8 de mai. de 2018

Dia das Mães

Gosto do Dia das Mães. É que na ocasião me sinto no direito de me sentir especial.

Claro que no meio das alegrias aparecem uns espinhos de melancolia também. Fico lembrando dos meninos quando eram pequenos e de como era bom eu ser o centro da vida deles e como eu podia colocá-los no meu colo e ficar com eles o tempo que eu quisesse. E de como minha palavra era confiável porque eles não sabiam nada do mundo. Para eles eu era um poço de cultura. Hoje é mais fácil que eles me ensinem algumas coisas. As coisas mudam, nossa posição muda. Não sei o quanto e não sei se quero saber.  Bem, essa saudade deles pequenos traz sim certa melancolia. Quer dizer: trazia. Hoje não é mais assim. Registre-se que os netos nos curam dessas saudades. Eu não contava com isso. Essa vida é uma beleza!

Lembro de apertá-los, colocá-los em meu colo, de explicar coisas, de ficar olhando eles dormirem, de trocar fraldinhas, de amamentar. Lembro de mim mesma ocupada em mil afazeres com os quais não me ocupo mais hoje.  Era cansativo e muitas vezes eu queria folga. Muitas vezes quis. Mas eram tempos bons, muito bons.  Eu me sentia incumbida de uma grande missão. Agora não sei bem pra que lado vou.  Isso me leva necessariamente a novas descobertas, novas possibilidades, o que é positivo.

Lembro dos meus biscoitinhos caseiros. Nunca mais tive paciência de fazê-los.  Isso prova que eu era melhor antes?  Tomara que não.  Lembro dos shortes que eu fazia, dos passeios na praça, das historinhas.  Dá uma incrível sensação de riqueza saber que tive tudo isso em minha vida.

Lembro de como eu imaginava o futuro e reflito que agora estou no futuro. Oh, aconteceu! E deu tudo certo. Não fui a melhor mãe do mundo mas acho que posso crer que fui uma boa mãe. Ou pelo menos uma mãe bem razoável.  E lembrando de como eu imaginava os dia por vir, vejo que me enganei bastante. Ótimo.  Eu pensava que com a idade que estou hoje eu seria uma velha caquética e sem vida. Nada disso. Estou me sentindo super bem. Grata surpresa.

Todos temos falhas e dessas falhas vem um medo: o medo de descobrir que os erros foram piores do que se supunha.  O maior medo de toda mãe é de que ela tenha cometido um estrago sem conserto, alguma catástrofe confundida com "errinho". Bem, acho que isso não aconteceu. Se aconteceu não me digam. rsrsrs  Brincadeira, digam sim. Eu aguento.

Presentes são bons. Abraços são maravilhosos. Palavras de carinho são o céu. Mas o melhor presente é poder olhar pra trás e pensar: "deu certo."

Mas o que é "dar certo"? É ver os filhos felizes, com a felicidade possível dentro do que chamamos de "vida real".

De repente me ocorre que muitos criminosos tem direito a "saidinha" do presídio no Dia das Mães. Não seria maravilhoso se Deus permitisse que as mães mortas também tivessem direito a "saidinha" só para visitar os filhos nesse dia?

17 de abr. de 2018

Transbordou

Usar o termo "transbordante" para se referir a qualquer coisa costuma  evocar algo positivo.  Traz uma ideia de saciedade borbulhante, farta mas leve.  Transbordar é tudo o que se quer, exceto quando estamos falando de paciência.   Há sim o transbordar  negativo.  É quando  alguma coisa "enche", não cabe mais dentro da gente

Pois o Facebook "transbordou".  Meu relacionamento com ele hoje é de "separação de corpos". Não sei ainda se chegaremos ao divórcio, mas está perto.

Nunca vi um ajuntamento de gente com tanta dificuldade em interpretar um texto, seguir uma linha de raciocínio ou ser contraditada. Não me sinto capaz de  continuar "ouvindo" que  defender um ponto de vista  equivale a "desrespeitar a opinião alheia". 

Mas não foi só isso que me cansou.  Cada defeito dos outros aponta para os meus próprios e isso foi me deprimindo aos poucos.  A cada raiva eu me sentia um verme.  Então imagine você quantas vezes por dia me senti assim. Sou meio neurótica, "meio culpada de tudo", então é cruel essa auto análise diária e forçada.  Se o sujeito é chato considero que chata posso ser eu, que não o acolho dentro de mim com paciência. Se me aborreço com quem não aceita críticas me pergunto por que isso me irrita? E daí que o cara seja imaturo?  Novamente a vilã sou eu.  Posições políticas,  equívocos de interpretação, precipitações, inconveniências, chatices gerais, tudo isso aponta também para mim, que  me irrito quando tudo que eu queria na vida era ser um mar de serenidade e simpatia.

E as eternas discussões insepultas? E os meus brilhantes argumentos que já me enojaram de tão repetidos e inúteis?  Pois ninguém está lá para mudar de ideia mas para expor ideias eternamente, incansavelmente, pelos séculos dos séculos amém.

E a opinião que ninguém pediu? E indireta? E a felicidade falsa? E a feiura cinicamente elogiada?  E a vontade de dizer que o brega é brega?

Fora os assuntos repetitivos temos também os assuntos do momento. De dez em dez dias aparece um escândalo ou piada ou vídeo incrível que eram para trazer baforadas de novidade ao ambiente mas por serem tão exaustivamente comentados ficam logo com cara de velhos.  O vídeo do momento, o escândalo, a mancada da vez, tudo é remastigado por dias.

Na verdade nada disso é bom nem mau. Só que enjoei. Além do mais todos achamos razoável que uma pessoa "recolha" as próprias imperfeições debaixo de uma roupa ou maquiagem estratégica. Pois meu recolhimento pra fora do Facebook equivale a vestir um belo vestido para esconder as "celulites da alma".   Isso porque entrei em crise. Aos poucos fui me sentindo disforme, inconveniente, má, passional. E essa passionalidade é pesada pra mim. Estou em crise com o que sou, o que sinto, com o país e o  planeta.  Tá tudo me espetando.  O país corroído por todo tipo de sífilis social e eu condenada a apenas assistir e protestar  em libras?  Chega. Preciso tirar férias dessa coisa.


6 de abr. de 2018

Reis e rainhas

Quem me conhece sabe que sou fascinada pela história da monarquia inglesa. Sei lá por que.  Talvez isso seja até meio bobo e te dou todo o direito de me criticar.   Mas acho que isso tem  tudo a ver com o fato de que, quando era criança, eu vivia  envolta em histórias de princesas e fadas.  Adorava os contos.

Bem, esses dias eu estava assistindo um vídeo sobre a rainha Elizabeth I e a rainha Mary, da Escócia.   A história é longa e bem interessante mas uma das coisas que me chamou a atenção foi o fato de que, comprovadamente, Elizabeth não queria executar a rainha Mary. Mary fora condenada à morte por conspirar contra a vida de Elizabeth.  Acontece que Elizabeth gelou com esse abacaxi nas mãos por que certamente se lembrou do que significou para si a morte de sua própria mãe, Anna Bolena, decapitada a mando de seu pai, o rei Henrique VIII.  Elizabeth deve ter sofrido muito com isso e deve ter  execrado  tanto o mandante quanto os executores da sentença. Deve ter odiado seu próprio pai. Sei lá. Mas de repente, por uma tremenda ironia do destino, ela se vê em situação semelhante, tendo que decidir sobre a vida de uma mulher.  Não uma mulher qualquer mas uma rainha, uma legítima "ungida".  Isso foi emocionalmente muito pesado para ela.  Mas analisando a sequência de fatos Elizabeth não poderia ter  agido de outra coisa. Ela postergou o quanto pôde. Demorou, pensou, rezou, mas não teve jeito: assinou. E Mary foi decapitada.

Isso tudo pra dizer que a gente costuma pensar que os poderosos são de fato poderosos.  Teoricamente sim, mas não de fato.  Há toda uma cadeia de interesses e pressões e consequências que não pode ser ignorada. E nessa cadeia o tal "poderoso" nada mais é do que um fantoche.  Não sei quantas pessoas xingaram Elizabeth. Não sei quantas outras a pressionaram para autorizar a execução. Mas o fato é que ela foi obrigada a fazer algo que, definitivamente, não queria, e isso lhe pesou em demasia.

Até onde podemos crer que os poderosos de hoje realmente poderiam agir de outra forma?  Quem será que os pressiona? Quem monta neles, às escondidas, e lhes dá as ordens? Como garantir que neutralizar a própria consciência não seja a única forma de não morrer de angústia? E uma vez desativada a consciência, quem me garante que seria possível ligá-la de novo?

Há caminhos sem retorno. O caminho do poder, o caminho da maldade.   O poder nada mais é do que o lugar onde a pessoa descobre que quem tem realmente poder, não aparece. 

Acho que de todas as etapas que se precisa vencer para chegar ao poder,   uma delas se chama "vender a alma ao diabo".  E não sei a partir de qual momento é impossível voltar atrás.

Não digo isso para justificar nada nem ninguém. Ma acho que não considerações válidas. Um poderoso que se vê obrigado a tomar uma decisão, de fato não a tomou. Apenas obedeceu.

Queria poder ouvir cada autoridade desse país e do mundo. As coisas devem ser bem piores do que imaginamos.   Acho até que alguns "não largam o osso" simplesmente porque não podem fazê-lo.


REALIDADES BRASILEIRAS