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24 de mar. de 2019

Zona de conforto

O que a gente mais busca nessa vida é tranquilidade e conforto. Não sei por que então, ao longo do tempo, a tal "ZONA DE CONFORTO"  tem disso tão mal falada.

Zona de conforto é aquele lugar onde você até quer ficar, mas ninguém quer que você fique.

A ideia é que ninguém vai pra frente se permanecer na zona de conforto. E meu pensamento é que ninguém fica confortável se sair dela.   Por quê "ir para a frente" se está confortável aqui? Dá licença de eu ser feliz?

- Você tem que progredir! você tem que alcançar maiores conquistas!
- Não, não tenho não. Só se eu quiser.

Poucas coisas são mais nocivas à felicidade do que a ideia de que você não pode estar satisfeito com o que tem. A vida toda aprendi o contrário: que o segredo da felicidade é estar satisfeito com o que se tem.



Acho que a gente só tem que sair  de uma situação se ela está incômoda. Está insatisfeito, frustrado? Saia daí! Tenha coragem. Tente, lute, empreenda, estude, invista, associe-se ou desassocie-se. Mas está se sentindo confortável e satisfeito com sua vidinha? Mande tudo ás favas e fique por aí mesmo.

Quem quiser se esfalfar e se atormentar atrás do "pote de ouro" que o faça, mas eu vou ficando por aqui mesmo, ouvindo minha musiquinha, curtindo meu churrasquinho de fim de semana, carro com 4 anos de idade, cantinho modesto mas quitado, umas viagenzinhas legais quando dá... e tá bom demais.

Sim, eu posso sair da minha zona de conforto rumo às "grandes conquistas".   A primeira coisa que preciso fazer é atormentar-me trabalhando feito uma jumenta ou estudando dia e noite feito louca deixando de fazer 80% das coisas que gosto e sem tempo de me encontrar com as pessoas que amo. Tudo isso pra quê? Pra "me sentir vitoriosa" , comprar um carro um pouco melhor ou fazer uma viagem um pouco mais cara. Vale a pena?  Claro que vale! SE isso é importante para você, se você está cheio de sonhos, construindo a vida. Mas se está se sentindo confortável ... pra quê?  

Se você está em sua zona de conforto, considere que já chegou onde a maioria das pessoas está lutando pra chegar!  Permita-se ser feliz assim, desse jeito como as coisas estão. Até porque "quem foi ao ar, perdeu o lugar". Algumas pessoas saem da zona de conforto e quando tentam retornar não encontram mais o caminho de volta.


11 de fev. de 2019

Boechat e "o grande evento"

Morre Boechat.

Ontem, um homem famoso, um "coroa" bonito e bem conceituado. Hoje, um ilustre defunto. Um pedaço de carne totalmente sujeito às decisões dos outros. Sobras  carbonizadas que não se governam.

Claro que ele não era só isso. E o homem de verdade, cadê? Não sei. Subsiste. Certamente subsiste e isso é misterioso e fascinante.

Hoje eu vejo esse teclado e o uso. Vejo as pessoas e as toco.  Pensando nisso me vem a agradável impressão de que meu poder de influência nesse mundo é muito maior do que costumo supor.  Sou matéria atuante, posso impor minha presença, fazer-me notar de alguma forma. Posso denunciar, animar, cantar uma música.  Faço parte desse sistema, desse conjunto esquisito de seres vivos.   Sinto-me acolhida por essa ideia.

Se por aqui eu ficasse depois de morta será que olharia para esse mesmo teclado de forma diferente? Sim. Quem sabe com uma certa aflição por não poder mais usá-lo.  E eu olharia essa mesma poltrona sem sentir mais sua textura e só nesse momento começaria a perceber a brutal mudança pela qual finalmente passei.  O teclado, a poltrona e tudo o mais: nada mais me pertencia, nem meu pobre corpo alquebrado.  "Fui despojada. Completamente despojada como nunca pensei ser possível. Não sinto mais, não faço parte, não integro mais o planeta. Essa etapa da minha existência acabou".

Como seria não sentir mais nada? Não, não existe "não sentir mais nada" mas deve haver um "sentir" diferente do que conheço agora.   Talvez meus dedos passariam através da matéria sem poder tocá-la, como nos filmes de fantasmas, e isso não seria muito divertido. Isso não é brincadeira . É o extremo da impotência .

Eu sentiria uma espécie de saudade?  As coisas fora do lugar me incomodariam quando estivessem fora do alcance do meu toque? De repente o ato de lavar um copo, virar uma chave, catar um lixo, dar uma moeda, repartir um lanche, se tornariam tão grandes! Eu descobriria, chocada, que esses atos sempre foram grandes mas eu havia passado a vida toda sem me dar conta disso.  Então eu iria embora desse mundo por não poder suportar a ideia de só olhar sem poder fazer nada.

Talvez me passasse pela cabeça que "eu daria tudo o que tenho para voltar a ter domínio sobre todas as banalidades que agora me fogem" mas em seguida eu lembraria, quase rindo, que não tenho mais nada para dar em troca. Então a morte, que sempre me pareceu a libertação, poderia por um instante parecer uma eterna prisão atrás do vidro. Por isso os mortos vão embora: para não terem que se estressar com a recém descoberta impotência. Aí vão embora, meio amuados,  para poderem voltar a "ser gente" em outro lugar, já que aqui não dá mais.

Fantasias. A morte gera mais fantasias do que o sexo. Muito mais.

Impossível separar a mente de todas as fantasias que envolvem "o grande evento".

Um dia tudo o que sou não vai passar de uns quilos de carne deteriorando dentro de uma caixa de madeira. E tudo o que realmente importa de mim estará absolutamente fora do alcance de vocês.

Foi-se Boechat. Um dia também vou.  É sábio lembrar disso.

29 de nov. de 2018

Lugar secreto

Sempre achei um mistério o que a gente sente quando vê uma cor vibrante que nos agrada.   Há uma reação física de prazer mas não sei explicar como é  isso.  Ha uma sensação ... na garganta?  No estômago?   Não sei localizar isso no corpo. Você também sente?
E se não for no  corpo? E se for na alma?  Mas onde fica a alma?  Onde é  a sede dos intensos prazeres não físicos???? 

28 de out. de 2018

Fuga desesperada

Parábola do dia:
Era uma vez eu.
Eu estava passeando por uma linda  floresta quando vi uma menina sair apavorada de dentro de uma caverna. Ela saiu correndo com os olhos arregalados, sem rumo, quando se deparou com um lobo.  Ela então se agarrou ao lobo por puro instinto, de forma impensada, propria de quem está com tanto medo que nem pensa, só quer se proteger. A pobre menina nem notou que tipo de animal ela agarrara.   
A pergunta: o que fizeram com essa garotinha lá dentro da caverna? Que coisa tão horrível ela viu a ponto de tentar se salvar com um bicho tão perigoso?  Posso deduzir que o que estava na caverna era algo muito pior do que um lobo.

Agora imaginemos  que o Bolsonaro seja mesmo o pior Hitler do mundo;  uma mistura de Dracula com Stalin.   Quanto pior é a figura do Bolsonaro, mais  sou levada a crer que o povo se atracou a ele por estar fugindo de algo muito pior do que ele.  Quanto pior o Bolsonaro é, mais intrigante é a pergunta:  quem fez tão mal a esse povo a ponto de tentarem se proteger com o primeiro "coiso" que passava pela floresta? 

Não culpem quem foge. Culpem quem causou essa fuga a ponto de ninguém nem enxergar no que estava se agarrando.

7 de set. de 2018

Você vai ter que se conformar *

Um dia, passeando pelo centro da cidade, surge à sua frente aquela amiga, irmã do coração que você não via há séculos. Em um flash você relembra de festas, confissões, passeios e sextas-feiras.  Em rápida escaneada você vê no rosto dela que o tempo passou, que o penteado mudou mas não há como negar: é ela sim, que vem do passado mútuo de vocês e do passado dela mesma com outras histórias. Que bom!

Você corre ao seu encontro, faz uma festa enorme. Você a beija e se emociona.  Abre os braços como se quisesse abraçar, junto com ela, também seu marido  e filhos, já tão queridos! Você a chama pelo apelido. Ela hesita e não consegue rir da brincadeira e fica com cara de dúvida mas você passa por cima. Atropela mesmo, porque ela é a sua irmã maluquinha que nunca mais você viu mas Deus trouxe de volta.

Nossa, você já sabe que ela há de exigir que você vá à sua casa nessa semana ainda. E vocês duas hão de conversar horas e rir muito. Ela há de te mostrar seu guarda-roupas, fotos da gestação, da viagem de férias, do aniversário de casamento. Há de falar na nova dieta, dos novos cremes, do colesterol e da celulite. Vocês vão rir muito dos ex namorados e das inimigas mútuas do colégio.  Que longo abraço!

Que longo, que solitário abraço!  Demora uns segundo para você notar que teve toda a sua empolgação "amortizada" pelo abraço frio e frouxo que recebeu de volta.  Você se afasta um pouquinho, passa as mãos nos cabelos dela e procura seus olhos esperando ver neles algum lampejo atrasado daquela vivacidade da qual você tanto se lembra. Nada. Sua grande amiga, aquela que sabia de todos os seus segredos, a menina linda que te emprestava roupas e contava dos foras que levou, ela está quase muda. Será que não te reconheceu?  Reconheceu sim.

Tanto reconheceu que te cumprimenta pelo nome, pergunta como vai e diz "que prazer te rever!" Como "que prazer te rever"?   Onde será que ela aprendeu a ser tão formal logo com você? Logo ela que te chamava de doida, que era chorona, tomava as dores do mundo, pedia satisfações e falava pelos cotovelos?   Que desmonte foi esse que a deixou tão polida e embaraçada com o seu carinho,  procurando aflita por palavras simpáticas que não lhe vêm naturalmente à boca?

Você vai ter que se conformar com essa perda. Sim, sua amiga morreu.  Ou pior: ela nunca esteve lá, no passado, do jeito que você lembrava.  "Tudo aquilo" talvez  só tenha existido na sua cabeça. Ou aconteceu mesmo, só não era eterno como se supunha.   Você vai ter que se conformar com o fato de nunca ter sido para ela o que ela foi para você. Vai ter que se conformar em voltar pra casa murcha depois desse papelão.

Ficou tão claro que o marido dela jamais tinha ouvido falar no seu nome!  Poxa! Enquanto isso a sua família já ouviu mil histórias de vocês duas.

Dói. Você segue seu caminho sozinha, empobrecida. Ficou um vácuo, uma mancha na parede igual a quando a gente tira um quadro antigo que estava lá, pendurado há muito tempo.  Seu passado precisa ser revisto...

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3 de set. de 2018

Meu ser-base *

Essa coisa de "se aceitar" é menos simples do que parece. 

O que exatamente devo aceitar em mim? Minhas características físicas? Ok.  Mas algumas coisas eu sou, algumas coisas estou, outras coisas me tornei. Isso tudo sou eu?  O que veio depois também deveria ser aceito da mesma forma do projeto inicial?    Eu sou o hoje e o agora ou isso não conta?  

Se sou baixinha devo me aceitar como sou. Isso eu entendi.  Mas se engordei 40 quilos ou se meu rosto ficou cheio de espinhas,  isso sou eu? Ou isso "estou, mas não sou"?   

Bem, então pra me aceitar eu preciso primeiro saber quem realmente sou para, só então, fechar acordo com esse ser-base.  Depois, só depois, vou decidir se o que vem depois de mim ainda sou eu ou não.

Mas, pensando bem, só pude me transformar no que me tornei por causa do que eu sou por dentro, de verdade. Se eu sou quem come mau então minhas espinhas são eu, ainda que tenham vindo depois.
Certo? Ou não? 

Complicado.  

Calma! Uma coisa de cada vez: vamos a principio ficar só no primeiro passo e comecar aceitando o nosso ser-base.  Depois a gente vê o resto, ok? 

E olha que só falei no exterior!  Meu Deus, qual será o meu ser-base interior?

Mulher chata

(Outro dia escreverei sobre Homem Chato)

1- Se tranca em casa (nenhuma programação a agrada) mas vive reclamando que não sai pra lugar nenhum.

2- Não quer que o filho brinque de nada que o faça suar, sujar ou cansar.  Vive proibindo, lavando e guardando o pobre moleque dentro de casa.

3 - Nenhum dos amigos do seu filho presta. São todos mal educados ou bandidinhos. As amigas também: tudo do mal.

4- Nenhum dos amigos do marido presta. Todos são chatos ou cachaceiros ou mulherengos ou bagunceiros ou burros ou só falam em futebol ou só falam em trabalho ou só falam em política ou... Afe!

5- Nenhuma das esposas dos amigos de seu marido presta. Todas querem ser melhores do que os outros, só falam nos filhos ou só falam no trabalho ou são fúteis, são carolas ou mundanas demais, falam muito, falam pouco, reparam em tudo, são fofoqueiras...

6- Nenhuma namorada de seu filho presta: são todas vagabundas, burras, vulgares e interesseiras.

7-  A mulher chata até faz o favor de transar com o marido mas é cheia de restrições. É a rainha do "aí não", "você está me machucando",  "isso é ridículo! Não vou fazer", "meu Deus, você é tarado!", "tenho nojo", "isso é coisa para vagabunda; não sou vagabunda!"  "isso é constrangedor", "isso é pecado", "ainda é cedo",  "já é tarde" ou "de novo????".  

8 - Não faz nada pelo marido. Ele tem que fazer tudo por ela mas ela "não nasceu para ser escrava". Ele nasceu.

9 - Reclama da mania dele de ler jornal, de assistir noticiários, de andar de cuecas pela casa, de não usar perfume, de usar um perfume desagradável, de não fazer nada ou de ser metido a fazer tudo.

10 - Fica irritadíssima com as manias dos outros, mas não se toca das suas.

11 - Está sempre inventando uma ocupação para nao dar atenção a ninguém mas reclama que ninguém lhe dá atenção.

12- Enche o saco com ciúmes. Toda mulher está doidinha pelo marido dela.

13 - Nunca jamais esquece uma mágoa. Perdão não faz parte do seu dicionário.

14 - Está sempre com cara fechada ou com cara de sofredora.

15 - Apesar de estar sempre com cara fechada ou com cara de sofredora, não entende porque os amigos do marido não vão com a cara dela.

16- Apesar de continuar com a cara fechada ou de sofredora, não entende porque o marido não a deseja. Ela quer ser desejada - só para poder reclamar depois que o marido só pensa "naquilo".

17 - Implica com todas as empregadas domésticas. Nenhuma presta: todas são burras, preguiçosas, esbanjadoras, mal criadas, assanhadas, porcas.

18-  Ninguém faz nada bem feito.

19-  Em todas as situações ela só tem direitos, nunca deveres.

20- Cobra de todo mundo mas ela mesma é uma nulidade. Não sabe fazer nada que preste.

21-  Toda vez que o marido a convida para sair,  ela  1) está cansada; 2) não tem roupa; 3) o cabelo está horrível; 4) as unhas estão feias; 5) Preferia ir a outro lugar; 06) está com cólica; 07) está com dor de cabeça;

22) Se o marido lhe dá um presente, diz que aquilo só pode ser dor na consciência. "O que você anda aprontando"?! Se não dá, é porque não a ama mais.

23) Está sempre de mal humor ou doente ou cansada. Já falei isso? Tá vendo como é chato viver repetindo as coisas?

24) Nâo vai na casa da sogra porque ela tem todos os defeitos do mundo, mas a mãe dela é perfeita.

25) Só seus parentes prestam;

26) Tem mania de limpeza. Ela poderia trancar-se em um quarto esterilizado, mas prefere azucrinar a família.

27) Odeia hotéis porque lá é tudo sujo.

28) Odeia motéis porque lá é tudo sujo

29) Odeia se hospedar na casa dos outros porque lá é tudo sujo.

30) Ninguém pode pegar no seu bebê porque todo mundo é muito sujo.

31) "Aquilo" também é muito sujo.

Não seja essa mulher.

1 de set. de 2018

A criança que existe em mim

Para falar a verdade não tenho apreço algum pela "criança que existe em mim". Se é que existe criança em mim. Não que eu tema estar grávida. Você sabe do que estou falando.

Ás vezes acho que sou um pouco "do contra". Vejo umas frases que todo mundo replica, ideias que todos abraçam e me dá assim uma vontade quase irresistível de argumentar em sentido contrário - e é o que estou fazendo.  Vou ser uma velhinha chata...

Acho tão piegas essa coisa de "ser criança pra sempre!"   Não perder a ingenuidade é uma desgraça. Não abandonar as tolices nos torna insuportáveis. Querer diversão ininterrupta é uma droga.

As mesmas pessoas que pedem candidamente  que "não deixemos morrer a criança que existe em nós"  são aquelas que reclamam de adultos infantis que não assumem responsabilidades. se apegam a coisas ridículas, não levam nada a sério.

Sei lá, vai ver que ser criança para sempre, segundo "eles",  signifique uma capacidade infinita de se divertir com roda gigante, carrossel, palhaços, pirulitos...  Legal. Parece bonito mas...   será que essas qualidades podem vir sozinhas ou fazem parte de um pacote completo com babaquices inclusas?

Outra coisa que não quero é "acreditar, sempre acreditar".  A capacidade de desconfiar nos protege.  Por que eu ia querer acreditar em promessas, em sonhos mirabolantes, em romances falidos, em instituições furadas, em propagandas, possibilidades novelescas, investimentos discutíveis...   Não, não quero, obrigada. Vá se lascar prá lá sozinho. Prefiro ser velha. "A criança que existe em mim", se ainda existe, está te olhando pelo rabo do olho.

Sabe o que "a criança que vive em você" costuma fazer? O que fazem todas as crianças: querem
monopolizar as atenções, não aceitam ser contrariadas, fazem perguntas indiscretas, brincadeiras irritantes, ignoram obrigações e horários, se expõe ao perigo, acreditam em qualquer malandro, querem comer só besteira, odeia escovar os dentes e não está nem aí para os riscos da insolação. Ora faça-me o favor!  Se você quer continuar a ser criança, problema seu. Sim, PROBLEMA seu. Você vai ter muitos problemas.  Quanto a mim, saúdo a maturidade. Crescer é bom demais.

Num sábado de sol

Hoje é sábado e passei o dia todo com a sensação de estar no lugar errado. Meu quarto era o lugar errado apesar de ser exatamente o lugar onde eu queria estar. Lendo, navegando, dormindo, remexendo gavetas, e-mails, fazendo nada.   Bom demais, mas... será que deixei de fazer alguma coisa que deveria fazer?  O que eu deveria estar fazendo? Qual é o certo? 

Não sei de onde vem essas exigências fantasmas que encardem o nosso ócio.

Estive viajando esses dias. Sabe essas viagens em grupo onde a gente conhece um monte de lugares legais mas não para um só minuto e chega exaurida ao hotel? Pois é. Em alguns momentos eu dizia a mim mesma que tudo o que eu queria fazer quando voltasse pra casa era não fazer nada, não ir a lugar algum por uns dias. E hoje foi meu grande momento de cumprir essa agenda oca, já que nos dias anteriores ainda tive que desfazer malas, lavar roupas, pintar cabelo, ajeitar unhas.

O sol brilhando lá fora e a exigência interna de aproveitar o sol. Respondi a mim mesma que já aproveitei todo o sol do mundo nessa viagem de verão e agora chega. Não adiantou porque sábado é sábado e a obrigação de qualquer ser humano grato à vida é aproveitar o sol uma vez que ele esteja instalado no céu - e estava. Quase senti vergonha de mim. E quase senti medo de quem alguém me telefonasse pra perguntar o que eu estava fazendo e eu me visse obrigada a responder que não estava fazendo nada num sábado desse.

Não fazer nada num sábado de sol é um ato de ingratidão. Uma grande desfeita ao dono do sol e dono do sábado

Imagino agora as outras exigências-fantasmas  menos explícitas que nos incomodam ao longo da vida. Quanto do que fazemos realmente queremos fazer? E quanto do que não fazemos nos pesa como uma transgressão?

O que é a vida? Uma corrida atrás de uma felicidade que nem sabemos qual cara tem? Correríamos atrás da plenitude se ninguém nos tivesse dito que era isso que deveríamos fazer?  O que é a vida? é um amontoado de informações que não nos favorecem em nada?

E aquele cachorro da esquina, também sofre disso? Ele tem as suas próprias exigências-fantasma-caninas? Se tem, coitado. Não pode nem desabafar num blog.

21 de jun. de 2018

Rua da Cobiça

À medida que eu envelhecia a coisa não parava. Haviam prometido descanso interior na velhice mas eu continuava olhando e desejando mil coisas. Não era para ser assim. 

Tempos atrás eu havia assistido o vídeo de um sujeito desenhando com desaforada  facilidade. Foi então que quis aquilo pra mim. Quis aquele dom. Cobicei como quem cobiça  qualquer coisa material.   Tomei algumas providências, comecei a desenhar  para trazer a luz o suposto dom adormecido lá  dentro, mas parei. 

Desejar um dom poderia ser o início de uma história de sucesso. Podemos desenvolver um dom que não sabíamos que tínhamos?    

Hoje me ocorreu que o desejo de ter o dom alheio pode não ser algo mesquinho, mas um aviso alvissareiro. Essa "inveja grávida" pode ser o grito silencioso do seu dom entocado lá dentro do seu EU, que estava sendo ignorado. Pode ser que ele esteja só pedindo para vir à luz. Das masmorras escuras da sua alma o seu dom quer eclodir.  Ao contrário dos bebês eles não crescem trancafiados.  

É tranquilizador pensar que a inveja do dom alheio não seja um defeito em si, mas um alerta da alma, que detectou por perto um correspondente.  Um "dom gêmeo". 

Seríamos capazes de desejar um dom que já não tenhamos? Tomara que não.

É complicada essa Rua da Cobiça. Cheia de vielas, buracos, interrupções. "Cobiçar dons é pior do que cobiçar coisas" eu pensava . Agora  não penso maus assim.  Estou aliviada depois de entender que é só assim que conseguimos  dar à luz os nossos dons ocultos. 

Há tempos atrás eu me perdia nos caminhos da vida.  Dava voltas e me encontrava novamente vagando pela Rua da Cobiça, meio sem rumo.  

Antes eu não conseguia andar em linha reta. Parava em cada vitrine, em cada construção muda.  

Houve uma vez que passei pela Rua da Cobiça e me encantei com a vitrine dos músicos. Dentro de mim eu intuía que merecia tocar como eles. Então olhei ressentida aquela capacidade que eu não tinha.  Mas continuei andando e me detive por um momento na vitrine dos desenhistas. Depois foi a vitrine dos poliglotas. Entrei nos estabelecimentos, pedi informações,  comprei as sementes mas nada brotou.  Ressecaram na gaveta, coitadas. 

Grandes escritores  já se aventuraram  a descrever o inferno mas poucos se dedicaram a essa espécie peculiar de inferno: os infernos dos quarteirões quadrados da cobiça aos quais sempre voltamos mesmo querendo seguir em frente.

Sim,  eu também estou achando esse texto muito estranho.

19 de jun. de 2018

A moça bizarra do Face

Aqui perto de casa há um rapaz que pede esmola no semáforo.  Ele é portador de severa deformidade física. Cada vez que o semáforo fecha ele se aproxima dos motoristas e quase que esfrega na cara deles o toco do seu braço disforme.  Muitos lhe dão moedas para se livrar logo da situação.    É grotesco mas funciona.  Se é errado? Me incomoda sim,  mas não vou julgá-lo.

Esses dias vi no Facebook a foto de uma moça muito feia, vulgar  e obesa em pose sexy com roupas mínimas. Era de tanto mau gosto que se tornava engraçado. Seria essa a intenção dela? Ou será que se achava bonita? Para se achar bonita deveria ter uma ideia muito distorcida a respeito da própria imagem. Não acredito que fosse o caso. Mas sei que ser feio pode ser lucrativo - ao contrário de ser burro. No caso dela, comportar-se como se fosse bonita provoca vários tipos de reação nas pessoas e isso a mantém na mídia. 

Outra situação que ilustra o que tenho a dizer: o caso do anão no circo. Acho que ele não expõe suas características físicas na esperança de ser considerado bonito. E certamente ele não se aborrece com os risos da plateia, pois tem uma visão real do efeito da sua imagem dentro daquele contexto. Não acho que o que o leva ao picadeiro seja a auto estima elevada. Aquele é seu ganha-pão, simplesmente. Ele é apenas uma pessoa inteligente que resolveu fazer o melhor que pode com o que tem, ao invés de viver choramingando ou culpar o mundo por causa de um padrão de beleza que a princípio não o beneficia.   

Pois a foto da "moça bizarra do Facebook"  inspirou um monte de comentários de pessoas que diziam desejar muito ter a "auto estima dela".   

Não vejo auto estima alguma na atitude de alguém que aceita ser objeto de risos. Pelo contrário. Para fazer tal papel é necessário uma boa dose de humildade. A menos que seja louca, ela sabia que esse seria o efeito da sua imagem naquele contexto. Sabia o tipo de comentários que provocaria. Ressalte-se que não havia nada de esdrúxulo na obesidade em si. Há diversas mulheres obesas e muito bonitas, mas a maneira afetada das poses, a produção cafona, a maquiagem de mal gosto, essas coisas só poderiam causar risos. Certamente essa é uma prova de humildade mais do que qualquer outra coisa. 

Ela só estava sendo  pragmática. Ninguém "choca" as pessoas com a própria imagem se não tiver uma visão muito distorcida de si mesma ou se não pretender auferir algum lucro com isso.  Ninguém gosta de ser objeto de risos se não tiver feito disso uma profissão. 

"- Nunca vou ser Anna Hickmann. Tudo bem. Mas ao invés de viver choramingando pelos cantos vou usar o que tenho para conquistar uma vida mais confortável."    E por que não? Parabéns a ela.

Não, nem ela, nem o rapaz do semáforo nem o anão do circo se expõe daquele jeito se isso não lhe trouxer benefício.  O grotesco bem aproveitado e bem exposto pode vir a ser uma ótima sacada. Essas pessoas  certamente tem uma visão muito clara do que são, a ponto de fazerem disso uma boa matéria prima para ganharem a vida.

Se "a moça bizarra do Face" tivesse uma auto estima elevada ela não apelaria para o grotesco para ganhar a vida. Se o fez foi por saber quem é e a aparência que tem. Ou isso é verdade ou ela está sendo cruelmente usada.   Porque por mais relativo que o conceito de beleza seja, há limites para essa relatividade. Não é algo infinitamente maleável. Mas ao "fazer limonada com o limão que a vida lhes deu" essas pessoas estão de fato deixando um ensinamento relevante para todos nós.  

"- Eu preferiria ser bela, mas não sou. Chorar não adianta. Vou tentar melhorar minha vida com o que tenho, ainda que seja preciso engolir uns sapos e ouvir uns comentários horríveis a meu respeito. Vai compensar quando eu chegar em casa e ver meu filho alimentado, as contas pagas, a cama box, o tapete bonito, a banheira de hidromassagem."    

Não, ela não é burra. E está de parabéns. Enquanto houver quem pague para rir da sua feiura, por que não aproveitar?

A lição aqui não é a de "derrubar padrões de beleza" nem de "chocar a sociedade hipócrita". Não é uma lição de ódio - nem propriamente de auto estima. A lição aqui é de aceitar seus limites, saber viver, agarrar com unhas e dentes as oportunidades que aparecem e, por fim,  fingir que não doeu. 


REALIDADES BRASILEIRAS