.

.

12 de nov. de 2020

Ela não vem *




Amanhã é meu aniversário. Estou escrevendo isso na última hora do dia 12.

Uma melancolia estava voando por aí mas veio em minha direção. Esbarrou, grudou.   

Faz tempo que não sinto tanta saudade da minha mãe. Eu precisava hoje mais do que nunca do seu sorriso, do seu abraço, daquele beijo bem de mãe, sabe como?  

Ela gostava dos meus aniversários. Valorizava. Fazia o que podia para me mostrar que, para ela, era um dia especial.  Ela comparecia toda cheirosa e arrumadinha com aquele cabelo branco fofo e bem penteado, pó no rosto e um batom bem discreto. Eu precisava demais receber dela algum presentinho. Estou carente demais. Podia ser qualquer coisa!

Ela me traria um par de brincos? Ou uma colônia? Um livro?   Se fosse um livro ela adiantaria alguma coisa do conteúdo dizendo o quanto ela mesma gostou da leitura, mostrando a página que marcou e explicando o quanto aquela leitura poderia ser edificante. E ela diria essas coisas com o rosto perto do meu, ainda segurando o livro e em voz baixa como se estivesse contando um segredo. Ela fazia assim. Sabia dar a impressão de que tínhamos algo só nosso e que o resto do mundo não precisaria tomar parte. 

O que ela me daria? Um pijaminha cor de rosa comprado com seu pouco dinheiro. Um par de chinelinhos?  Ela iria encher a paciência do Maurício para ele comprar papel de presente quando viesse do trabalho. Porque ela não era de dar presentes sem embrulhar e sem colocar um cartão junto. Sempre tinha um cartãozinho dizendo coisas que nunca mais ninguém vai me dizer.

Ah os cartõezinhos da mamãe! Ela tinha uma letra tão bonita! Ela sorria também com a letra.

Dessa vez está doendo como se ela tivesse morrido ontem. Nos outros anos foi mais fácil. Estou mais emotiva dessa vez. 

Gente, nada era mais marcante na mamãe do que os seus olhos sorrindo junto com a boca. Era um conjunto único que transmitia... tudo!   

O que ela me diria se descesse do Céu só pra me ver?

- "Minha filha! Deus te abençôe! Deus abençôe sua família, os meus netinhos. Deus abençôe suas mãos!   Que você seja sempre uma mulher sábia e fiel a Deus, uma boa mãe, um exemplo. E sempre constante nos caminhos do Senhor!"   Então nos abraçaríamos ao mesmo tempo emocionadas e encabuladas uma com a outra. A gente era assim. Ela me beijaria e me olharia nos olhos, lá no fundo, dizendo em silêncio a parte indizível do que ela planejou me falar. 

Éramos meio tímidas uma com a outra sim, mas seus olhos resolviam tudo. Nunca consegui ser muito carinhosa com ela e eu sentia muita dor de culpa por isso. Mas quando ela me olhava no fundo dos olhos eu me sentia consolada e tão abraçada! Ela dizia sem palavras que sabia, que entendia e me conhecia até a raiz, que me perdoava, que me aceitava, que eu era a menina dela e que sempre me amou mesmo quando eu era o bebê mais feinho do mundo. Ficava tudo entre nós duas. E eu diminuia, ficava pequenininha, descoberta e frágil. Era assim que ela me abraçava com os olhos.

Meu Deus, o que eu mais queria é que ela estivesse aqui para orar por mim antes de cantarmos os parabéns! Pensando nisso agora  é como se ela estivesse aqui bem perto, tentando me consolar. Mas ela não está. Não está.

Eu queria amanhã ganhar um daqueles presentinhos dela.  Um par de brincos?  Um quadrinho pra minha parede? Uma colônia? Uma florzinha talvez. Ou quem sabe uma roupa dela:  

- "Minha filha, eu não pude comprar nada mas te dou essa blusa minha. Gosto muito dela mas já estou velha pra usar. Vai ficar linda em você!"






14 de set. de 2020

Poeira *

Já percebeu que os seus tataranetos provavelmente não saberão nem o seu nome? A não ser pela lógica (já que ninguém existe sem ter vindo de alguém) eles não terão ideia de que você existiu. De que você era você. Não é inquietante perceber que você não significará nada para eles? Nada! Um cachorro, um passarinho que esteja vivo terá mais importância para eles do que você e toda a sua história - gloriosa ou furreca.


E se você se tornar famoso? Mesmo que você se torne famoso, ainda assim eles não te conhecerão. Você será apenas um personagem manipulado, cercado de mentiras ou suposições ridículas. Com sorte você se tornará um personagem muito pouco parecido com o que você é mesmo.

Eu sei o nome dos meus avós e minha bisavó e bisavô. E só. Não sei nada sobre os pais deles. Sumiram no tempo. Evaporaram assim como eu evaporarei.

Em muito pouco tempo a minha passagem sobre a Terra será sumariamente apagada sem deixar rastros. Documentos se perderão. Pior: algum filho da mãe pode até aparecer e dizer que eu nunca existi!!!! "Não existem evidências!" Meus descendentes, embora devam a vida a mim (digamos assim) dificilmente se interessarão em saber que eu fui, o que eu pensava, o que eu sonhava, quais foram os momentos mais felizes ou mais tristes da minha vida.

Cara, essa insignificância pesa. Hoje, meio que de repente, estou incomodado com ela.

Estou pensando em construir uma pirâmide em minha memória.

13 de set. de 2020

Inserir é para os fracos *


"Insira, por favor". Por enquanto parece que ainda podemos dizer isso sem receber de volta uma saraivada de risadinhas.   Incrível o medo que temos das risadinhas! 

Já notou como ficarmos evitando palavras para não sermos engraçados?  Como as risadinhas intimidam as pessoas! 

Hoje em dia quando você vai pagar alguma compra com cartão de crédito a moça do caixa não diz "pode colocar" ou "pode meter".  Nãaaa! Não pode porque seria engraçado demais!  Ninguém pode botar nem meter nada: tem que INSERIR,  muito formalmente e com cara séria.

Qual o problema de dizer "pode meter" ou "pode enfiar, senhor".  Nessas horas eu queria ser caixa de loja só para ter o prazer de desafiar esse tipo de bobagem. Só pra mostrar que sou superior e não me curvo a intimidações tolas.

Que bobões estamos nos tornando!  Agora todo mundo fala "insira por favor"  como se inserir fosse algo muito diferente de meter.

Sim, se eu trabalhasse num caixa iria fazer questão de transgredir. Iria encher a boca na hora de passar o cartão e diria "pode botar" ou "pode meter o cartão, senhor". Qual o problema?   Achou engraçado? Pois que ria! Ótimo. Pelo menos já sai da loja mais feliz do que quando entrou. Acho que estamos precisando mesmo de mais "meta", "coloque" e "ponha" nem que seja só pra fazer os bobos rirem.

Inserir, pra mim, já é um um sinal de fraqueza.  Os fortes não se submetem a esse tipo de pressão. Portanto "colocar", "botar" e "meter" são atos da mais pura rebeldia, enquanto que "inserir"é coisa de gente frouxa. 

Quem tem medo de risadinha imagina o quanto não se rebaixaria para fugir de uma cara feia.


8 de set. de 2020

O louco (em 15/06/14) *

Já faz anos e todo mundo está careca de saber que o falecido ator Heath Ledger recebeu indicação para o prêmio Globo de Ouro por sua atuação como Coringa em "Batman - The Dark Knight”. Sim, os loucos são enigmáticos, inquietantes e às vezes cativantes. Por isso mesmo o cinema jamais esquece deles.

Geralmente os personagens malucos existem para nos meter ódio. Ou nos deixar encurralados, sem saber o que fariamos nas situações por eles propostas.

Quando assistimos a história de um bom menino que se tornou mau porque não suportou o peso da vida ficamos comovidos.  Somos então forçados a refletir sobre nossa própria fragilidade. Nossa mente é sujeita a deformidades e isso é assustador.  O cérebro está lá, guardadinho em sua caixa de osso, mas mesmo assim pode ser afetado por coisas invisíveis! Algo não-físico atravessa a caixa craniana e causa mais estrago que uma paulada.

Heath, como Coringa, no fez rir com o cenho franzido. Ele conseguiu passar para nós um peso interior, um mal estar generalizado que era impossível ignorar. Em seus modos amalucados ele atraía para si todas as atenções.   Heath Ledger fez o papel do louco que sofre, sangra por dentro e por isso esmurra o mundo.

Todos nós, às vezes, invejamos os loucos. Eles, somente eles, tem liberdade para dizer o que quiserem e serem como decidirem ser.  Eles assustam e às vezes até se impõe por isso.  

Loucura é a liberdade sem freios. A liberdade ao quadrado. A liberdade tão livre mas tão livre que nem seu dono consegue agarrá-la. Ele é arrastado por esse cavalo assustado e indomável.  O louco não tem controle, não se controla mas em compensação faz o que quer, grita, diz o que quer, se impõe. É desse tipo de liberdade que estou falando: uma liberdade amarga. Eles podem tudo, menos se controlar. Por isso não cabem nesse mundo e vivem em um mundo paralelo.  Vivem lá e cá.

Há uma dose invejável de liberdade na loucura.  Só uma dose, e é cara. É bem verdade que ser "normal" também não é lá muito barato... 

A loucura é a liberdade e, contraditoriamente, a suprema prisão. E isso é estranho, como não poderia deixar de ser.

3 de set. de 2020

Uma nova sociedade mais justa? *

Ei ! Você aí! Sim, você mesmo! Venha cá e me responda: sério mesmo, você está a fim de construir uma nova sociedade?   "Claro que sim" uma ova.  A resposta certa é "claro que não". 

Todos nós odiamos e amamos nosso modo de vida. Preferimos ficar com o que odiamos se  para isso pudermos manter o que amamos. O pacote é completo, não dá pra separar.    Por exemplo: não seria maravilhosa uma sociedade que não dependesse economicamente do consumismo desenfreado? Sim. Mas quais seriam as implicações dessa nova sociedade?

1- Isso implicaria em você abrir mão de 80% das suas coisas. Topa? Não, não topa.

2- Implicaria em menos gente empenhada em criar. Não haveria motivo para tanta criatividade se não fosse para enriquecer vendendo-a. Para quê ficar criando coisas se não houvesse uma equipe de marketing dedicada a convencer os outros a comprar?  De repente você está condenado a continuar com aquela cadeira de balanço de 40 anos só porque ninguém inventou nenhum modelo mais atraente.

Esse é um exemplo só para começo de conversa. A verdade é que nossas reivindicações sociais mais inflamadas e justas poderiam infernizar nossa vida se fossem realmente aplicadas.  Mais exemplos:

-  Um pequeno erro (no trânsito, por exemplo) cometido sem nenhuma intenção de fazer o mal. Você não poderia mais fugir das penalidades de modo algum, sob nenhum argumento, sob nenhuma "maionese". Todos os seus erros trariam sobre você a justa penalidade.  Amigo coronel, parente político ou compadre delegado - nada disso funcionaria. Nem dinheiro.

- Delícias? Só seriam liberados para a venda os alimentos que comprovadamente não prejudicassem nossa saúde de forma alguma. Agora abra a sua geladeira. Depois me olhe nos olhos e responda se você queria mesmo empresários e governo rígidos no que concerne à alimentação da população. Bem-vindo ao maravilhoso mundo dos naturebas.

-  Pense em você sem a opção de fazer nenhuma outra coisa feia nessa vida; não por caráter ou por amor ao próximo, mas por medo da infalível punição.

- Só teriam permissão para fazer sexo as pessoas com condições físicas, financeiras e psicológicas para arcarem pessoalmente pelos resultados do sexo. Ou seja: sexo irresponsável seria terminantemente proibido. Adolescentes que não têm onde cair mortos transando alegremente às custas dos pais e empurrando o bebê para os outros criarem? Acabou.

- Não valeria mais essa coisa de se arrepender das promessas feitas. Falou tá falado, nem que o mundo se acabe. Se você me prometeu uma coisa hoje, saberei que a promessa perdurará até que você morra, ainda que isso leve mais sessenta anos.

- O prazer do novo pelo simples prazer fútil pelo novo, nunca mais. "Enjoei daquela cortina..."  Ééééé?  Você não serve para os novos tempos.

Uma sociedade justa: 

"- Ah, você quer mesmo mais justiça?" pergunta a horrenda Fada Madrinha. 
"-Eu quero. Nas costas dos outros", respondo eu.

Meu amigo cheio de moral, você se garante se o mundo se tornar absolutamente justo? Tipo toma-lá-dá-cá, sem "mas-mas-mas", sem desculpa e sem perdão? Sim, porque o perdão é um ato injusto. A justiça mesmo é olho por olho, dente por dente. O que passar disso é misericórdia.
Particularmente acho que perdão e clemência tem me quebrado um galhão durante a vida. O problema da misericórdia é que não dá pra ela existir só pra mim. Geralmente achamos que bom mesmo seria "misericórdia para mim e justiça para os outros".   Repito a pergunta: você se garante MESMO em uma sociedade mais justa?

Ah, você quer os dois juntos: justiça e misericórdia? Só na Bíblia, meu amigo, só com Deus. Você é cristão?    Vou te contar: aqui entre os homens, justiça e misericórdia são como óleo e água - não se misturam.

- Na nova sociedade o proibido é proibido e inegociável.  Seja sincero: é isso mesmo que o seu coração pede? Maconhazinha? Porretada. Cola? Mais porretada. Coca Cola? Cem chibatadas. Som no último volume? Condenação. Pequenas transgressões? NEVER. Espalhar boato? Indenização. Pegar emprestado e não devolver? Execração pública. E por aí vai.

Imagine se todas as contravenções e crimes, maiores e menores, fossem realmente e exemplarmente punidos. TODOS. Assim teríamos uma sociedade mais justa, mas... isso não atrapalharia em nada o seu dia-a-dia?

A verdade é que nossa sociedade hipócrita é patologicamente afeiçoada a tudo o que a destrói. Precisamente por isso ela está sendo destruída. São os milhares de pequenas transgressões permitidas que estão envenenando o mundo. Os grandes transgressores são fichinha perto do exército inumerável de transgressores-formiga - do qual VOCÊ faz parte.

Acho que se uma fada madrinha viesse nos perguntar se desejávamos que ela transformasse agorinha nossa sociedade em uma sociedade justa, consciente, solidária e coerente, sabe o que responderíamos?

"Dona Fada, valeu a intenção mas... depois a gente fala sobre isso, tá? Deixe seu telefone que a gente entra em contato."

7 de jun. de 2020

A seta do Adão



Sempre amei essa pintura. A Criação de Adão - Michelangelo. 

Acho linda a idéia de que Deus tornou possível o contato com os humanos. Ele estendeu a mão  e a partir daí passamos a desejar para sempre o sublime, o eterno, o mistério.  "Fomos feitos “alma vivente.  

Contraditoriamente essa pintura também foi por muito tempo a prova inconteste da minha baixeza animal, primária e rude. Em épocas mais elevadas o que me chamaria mais a atenção era mais  os dedos, humano e divino, se tocando, numa metáfora belíssima que você já sacou, então não vou explicar.

A verdade é que hoje a conversa é outra. A primeira coisa que enxergo é o pinto do Adão. Olho para um lado e para outro, vejo se ninguém está me observando e fixo o olhar teimoso no pintinho dorminhoco.
A questão: onde estava o pintor com a cabeça quando resolveu colocar no quadro a imagem desse homão tão mal dotado? Por que não arrastou o pincel mais um pouquinho? O assunto é sério e clama por reflexão. 

Queria o pintor eliminar o efeito erótico da imagem? Se a ideia fosse essa nada mais fácil do que esconder-lhe os “documentos” debaixo de um lençol esvoaçante, tão em moda à época. Isso pouparia o pobre Adão de comentários jocosos  e inconvenientes.  Mas não! Michelangelo dispensou o lençol e fez questão de que nos deparássemos com essa curiosidade anatômica. Veremos que ele tinha bons motivos.

Observe que Adão não está encabulado.  Parece mesmo muito a vontade e despreocupado. E com um jeitão de "Acabei de acordar. Que dia é hoje? E mais: não tem barba nem pelo algum no corpo. É o retrato da inocência - segundo Michelangelo. 
Tcham! Foi aí que entendi que era mesmo essa a intenção do pintor. Esse  pintinho carrega  um enorme significado inversamente proporcional ao seu tamanho.

Note que Adão não está em posição de reverência contrita. Não está extasiado nem fazendo força pra agradar.   Pelo contrário: a pintura mostra a paz e o desassombro da raça humana antes de pecar.  A descontração infantil de Adão diante do Criador é bem interessante. Mais tocante ainda é a facilidade com que o alcança: como os bebês. Sem sair do lugar, apenas esticando o bracinho.

Tome nota: para “alcançar Deus” deveríamos, metaforicamente, ter o pintinho de uma criança. Lembra quando Jesus falou que quem não se tornasse como uma criança de modo algum entraria no Reino dos Céus? Pois então! O pintinho significa precisamente  isso. 

Agora que já está tudo esclarecido você  pode olhar a vontade para o Adão-nem-aí. Meça, cochiche, dê risadinhas.   

Para ter contato é necessário querer contato.  Querer contato com o divino é um dos anseios primais  dos humanos.  Tanto é que quem não consegue (porque de teimosia não esticou o braço)  fica com raiva, faz birra e diz que é ateu.  

Chamo ainda a sua atenção para o fato de que bebê recém-nascido não tem senso de distância. Ele apenas vê e estica o bracinho como se tudo fosse possível. Aí também existe uma importante lição: para alcançar Deus isso deve nos parecer perfeitamente possível.  Olhe que fofo:  Adão completamente relaxado,  sentindo no fundo de sua alminha clara que aquele  ali flutuando no céu é o seu papai.  Ele não tem nada especial a dizer além do  gu-gu da-dá  cuja tradução mais aceita é "que legal!"

Agora desçamos.

Agora, já com a cabeça erguida, volto-me mais uma para vez para “o centro” desse quadro: o pinto do Adão, que doravante pode ser considerado parte indissociável da religiosidade, a chave do enigma para quem quiser chegar ao transcedente. Não mais um objeto sexual. Não um brinquedo lascivo, não um troço de fazer bebês. Não, meus amigos! Agora, de cabeça erguida, posso e devo encarar com coragem e emoção essa seta que nos aponta o caminho. Essa é a abordagem correta. Posso agora, sem constrangimento, considerar sua aparência, calcular seu peso, tamanho e textura e mesmo assim estar fazendo um exercício intelectua/religioso/filosófico. Ora vejam!

Imaginem vocês quantas pessoas “passaram batido” sem perceber o tanto de sabedoria contida nesse respeitável membro que, reverentemente observado, coloca o expectador já com um pé na espiritualidade.

Só mesmo um gênio como Michelangelo poderia explorar todo o poder simbólico dessa imagem, ainda que murchinha.

Essa tela é a pregação muda para a qual a humanidade precisa dar atenção. Devemos prestar a esse pinto o melhor de nossas considerações e coloca-lo, de uma vez por todas, no lugar onde sempre deveria ter estado: no centro.  

Calma, eu explico: no centro das nossas mais elevadas reflexões!

6 de jun. de 2020

Sobre o caso do mendigo com o bebê




Alguém postou no Facebook a foto acima com a seguinte legenda: "Gente, essa foto tem gerado polêmica nas redes sociais, pelo simples fato de um morador de rua ter pedido uma mãe para segurar seu bebê, na sua opinião essa mãe fez certo ou errado? O que vc faria se acontecesse com vc? Deixaria ele pegar seu filho no colo? Dê sua opinião". Algumas pessoas elogiara. "Liiindo!' Outras xingaram por antecipação: quem ousasse criticar essa mãe já recebeu de pronto o rótulo de "preconceituoso miserável". Outro personagem perguntou, com seu coração puro e inocente "mas qual o problema?" Qual o problema? Esse que perguntou deve estar nesse momento com máscara na cara e com as mãos bem meladas de álcool gel. Nunca vi uma geração tão carente de aceitação e aplausos. Bem, eu não deixaria o morador de rua segurar meu bebê.   Disseram  "mas ele é gente!" Claro que é. É gente há dias sem banho e sabe-se lá com qual doença. Mora na rua. Não custa estar com uma pneumonia. 

Esses que aplaudem são os mesmos que, quando chega uma visita em casa não deixam nem olhar para o bebê sem primeiro  lavar as mãos.  Beijar nem em sonho. Ferve tudo, até os pensamentos.   
Sabemos ainda que vários desses moradores de rua são pessoas com problemas psiquiátricos. Tenho uma amiga que foi dar uma sopa para um deles e o sujeito lhe jogou no rosto o copo de sopa quente.  Muitos são seres sofridos, atormentados, doentes. Alguns são agressivos. Vai saber! 

Não estou aqui para jogar pedra nessa mãe.  Se essa mãe já  conhecia o morador de rua,  se ele vivia nas redondezas e ela sabia que ele não era algum tipo de  louco, menos mal. Mas mesmo assim acho errado. 

Sou da opinião de que todo amor que demonstramos deve ser sempre  às nossas custas. Seria melhor então não entregar o bebê mas compensar a negativa dando ela mesma dar um abraço no homem. 

"Ah, ele é humano!" O bebê também é humano e precisa de proteção porque tem poucos anticorpos.

Enfim: eu não deixaria NENHUM ESTRANHO segurar meu bebê mesmo que estivesse cheiroso e engravatado.

5 de jun. de 2020

Os malucos dos esportes radicais






Estive assistindo esses dias a um documentário sobre pessoas que arriscam a vida - e frequentemente a perdem  - praticando os esportes mais malucos. Malabarismos impensáveis na bicicleta, numa corda através no Grand Canyon, esquiando em velocidades absurdas através de rochas, mergulhando sem cilindro abaixo de cem metros.

Não são loucos. Geralmente são pessoas quimicamente viciadas em uma substância que o próprio corpo produz: a adrenalina.  Adrenalina vicia sim. E mata, porque não dá pra conseguir na farmácia nem na boca de fumo. É necessário arriscar a vida para sentir seu efeito na dosagem desejada.

Numa entrevista um jovem admitiu isso. Disse não saber viver sem aquele êxtase provocado pela aventura, pela proximidade da morte. Seu organismo era inundado por uma dose inebriante de adrenalina e era algo tão maravilhoso que simplesmente dava mais para viver sem.  Em cada aventura ele  procurava mais e mais. Por fim admitiu que sabia que iria morrer por causa disso,  mas não conseguia parar.  Mostrou uma foto  como vários amigos companheiros de aventuras e foi apontando os que já haviam morrido. Vários. "O próximo pode ser eu". Ele estava ciente.

Bem, essa é só uma maneira de enxergar os "malucos radicais".  Mas claro que eles não são só isso.

Eles são  peças curiosas dessa engrenagem incrível formada pela totalidade  dos seres humanos entrelaçados no mundo.  Eles nos mostram as inúmeras possibilidades de existência. São o leque.

Assim como precisamos dos médicos,  engenheiros, químicos e mecânicos, precisamos também, e desesperadamente, da leveza desses loucos que fazem evoluções  dentro das ondas gigantescas. Precisamos de pessoas que nos mostrem na prática que a vida é muito mais variada e colorida do que conseguimos imaginar. Não podemos viver só de matemática. É enlouquecedor! Precisamos daquele cara que engole fogo, que escala a montanha, que se joga da montanha. Precisamos de quem nos diga que PODEMOS TRANSCENDER.

Fico feliz quando vejo que não sou só isso, mas de certa forma sou "aquilo" também porque "todos somos parte do gênero humano". Eu olho aquelas loucuras todas e por um instante brevíssimo ganho asas e me sinto... maior.  Há como sair, saltar além.

Há algo a mais dentro de nós.  Eles nos provam que podemos ir além do que pensamos que somos. Não somos feitos só do que se pode explicar.  Como a proximidade com a morte pode trazer tanto êxtase?  Em qual momento mágico o perigo deixa de ser um monstro  e se torna um companheiro de aventura?

Não sei de muita coisa. Não tenho respostas redondas mas sei que faço parte da mesma raça daqueles caras que dão quatro cambalhotas montados na motocicleta.   De alguma maneira estou ali muito bem representada por eles.

Pode parecer que não, mas a vida precisa deles. Somos, como eu disse, uma engrenagem. Uma engrenagem muitíssimo  sofisticada onde cada um  desses  loucos dão cor e sentido ao todo. Não é  um sentido obvio. É um sentido mais fino, sutil, que se insinua no meio de todas as reentrâncias dessa máquina gigantesca. Eles são leves como metáforas. São a exuberância da  vida sendo desenhada para a gente entender melhor.

Eles são um  desafio e um convite. Quem não precisa disso?

Sobre a patroa que matou a criança





Uma triste história:

A patroa pediu para a empregada passear com o cachorro. A empregada deixou seu filho aos cuidados da patroa. A patroa colocou o menino no elevador sozinho, para que ele retornasse ao apartamento. O menino, não sei como, caiu lá de cima e morreu.

Horrível. E porque foi horrível querem subverter a lei. Querem porque querem que o crime seja doloso. Não é. Ninguém põe uma criança no elevador porque quer que ela morra. 

Este homicídio foi culposo sim. Isso não inocenta a patroa, que nesse caso deu o supremo azar de ser branca e mulher de político, isso em meio a um movimento de ódio aos brancos e aversão aos políticos.  

Essa mulher cometeu um erro HORROROSO e vai pagar pela irresponsabilidade.  Claro. Tem que ser assim. Só que não dá pra acreditar que no dia do crime  ela acordou e pensou: "Nossa, hoje estou meio entediada. Acho que vou matar um moleque e destruir a vida dele, da mãe dele e a minha também." 

Agora já querem enfiar racismo no meio.  O crime já é suficientemente grave. Não precisa forçar a barra para piorar o que já é péssimo.

Vamos ser sensatos.   OBVIAMENTE ela não queria matar.  Deveria ser obvio que uma pessoa que mata por negligência, irresponsabilidade, imprudência etc não deve ser  equiparada ao sujeito que te dá cinco facadas porque você olhou feio para ele. 

Estão reclamando do pagamento da fiança, como se a justiça tivesse sido comprada.  Gente, pagamento de fiança NÃO CANCELA A PENA nem inocenta ninguém.  Apenas possibilita que o acusado responda em liberdade. Sim, também sou contra essa palhaçada legal mas ela existe há décadas. Não foi inventada hoje.  Depois da condenação a mulher deverá ser presa. 

Mas a prisão vai demorar. Sabe por quê?   Porque para soltar o Lula criaram uma lei que beneficia um monte de criminoso.  Atualmente a "justiça" só pode prender  em última instância, quando não couber mais nenhum recurso.  Criaram essa IMUNDÍCIE apenas para soltar o Lula. Um monte de mostro foi solto no mesmo trem da alegria e essa patroa que matou o menino também será beneficiada pela "lei Lula livre".  

Agradeça à esquerda.

https://www.bing.com/news/search?q=patroa+que+matou+a+crian%c3%a7a&qpvt=patroa+que+matou+a+crian%c3%a7a&FORM=EWRE



4 de jun. de 2020

Prédios, macaquinhos e a anti-beleza *


Ontem, final de tarde, eu transitava em um dos viadutos da cidade. Do carro olhei e vi o céu desistindo do turquesa como quem deixa o véu cair sem olhar pra trás.  Escurecia devagarzinho, tudo meio embaçado por nuvens e poluição. Vi e amei os prédios. Pareciam tão imponentes ignorando o cansaço, a sujeira e o calor! Pareciam tão cônscios da necessidade de parecerem fortes e acolhedores  para quem vem do trabalho!

Certamente as árvores parecem belas para os pássaros cansados. Parecem lindas também para a família dos macaquinhos que fazem delas seu lar. Acho que os prédios cumprem, para nós, o papel de árvores. São onde nos amontoamos, cansados, e abraçamos os outros macaquinhos para finalmente dormirmos. 

O céu escurecido, as nuvens com cores indecisas, os primeiros postes acordando. Com meu olhar já lapidado pela cidade e sua estranha estética, achei bonitos os prédios assim, levantados contra o céu. Sim, são "árvores" rígidas onde nos amontoaremos com nossas famílias para proteção e descanso. 

Num relance vi as primeiras janelas acendendo. Mentalmente entrei em uma cozinha, levantei a tampa da panela e quase senti o cheiro da sopa borbulhando. Passei na porta de um banheiro e senti  também o cheiro dos vapores perfumados dos banhos das 19 horas. 

Prédios não são bonitos como árvores, mas foi o que conseguimos. Daqui não ouvimos riachos. Nossos passos, em sua direção, não pisam folhas. Aqui a proximidade das pessoas se anuncia de outras formas. 

Vistos de cima os prédios parecem menos maternais.   Nesse caso formam magníficos labirintos onde, incrivelmente, ninguém se perde.

A beleza mora dentro, não fora da gente. Isso me leva a pensar que talvez as pessoas cruéis tenham seu senso de beleza diminuído devido ao processo de embrutecimento que as tornou más. 

A maldade é a anti-beleza.   Não acredito então que os maus sintam o mesmo que eu sinto quando olho as estrelas ou os prédios encardidos. Não que eu me destaque pela minha bondade. Acho que estou na média,  talvez.  Mas tem gente que se destaca pela maldade.  Imagino que a vida subtraia do espírito dessas pessoas alguma coisa muito preciosa.   Imagino que elas vão perdendo a capacidade de se emocionar com o belo. É como quem sangra: a pessoa vai amarelando,  perdendo a graça.

Para piorar as coisas a ausência do senso de beleza só tornaria os cruéis mais cruéis ainda.  A beleza nos enternece e a ausência dela, na vida ou no espírito, embrutece. 

As pessoas bondosas desfrutam de mais beleza do que as más. Certamente. O mundo delas é diferente, é outra dimensão, impenetrável e incompreensível para os criéis. estes vivem em um submundo onde as cores mal são percebidas.   

Não tenho provas de nada disso.  Só sei daquela boniteza de final de tarde, dos prédios cansados,  dos vapores noturnos de sabonete e sopa.  Só sei do céu com as primeiras estrelas brotando das nuvens alaranjadas.  

REALIDADES BRASILEIRAS