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30 de abr. de 2017

Aquela menina

Ontem fui assistir o filme A Bela e a Fera. Deixando um pouco de lado os comentários a respeito da produçào (primorosa), dos cenários detalhadíssimos (e um tanto pesados) das músicas (sim, trata-se de um musical. Preferia que náo fosse), dos atores (a Bela bem que poderia ser uma garota mais bonita, com mais graça e mais carne no corpo), o filme foi um teste que me deixou feliz.

Confesso que de uns tempos para cá estou sentindo o que até pouco tempo pensei que jamais começaria a sentir: meu próprio envelhecimento. Estava tão acostumada a ser jovem que comecei a acreditar na balela de que o corpo poderia envelhecer mas as sensações jamais. Eu nunca me sentiria indisposta ou simplesmente "sem vontade de fazer nada". Bem, meu dia chegou e ultimamente quase que não me reconheço mais. Não, não estou deprimida. Minha vida está ótima, límpida, em paz. Não estou doente ou passando por nenhuma desilusão mas sinto que estou perdendo alguma coisa que não sei o que é. Como se estivesse perdendo a mim mesma ou da minha energia mais característica. Mas o que tem isso tudo a ver com o filme? 

Bem, gostei de constatar que continuo capaz de sentir as emoções bolas do meu tempo de menina. Minha mudança de uns tempos para cá tem sido tão palpáveis que pensei ter perdido tudo o mais.  Esses filmes bobos e "cheios de ideais burgueses" me conectam com um mundo de sonhos,  com a melhor parte do meu passado: a menina que não sou mais.  Percebo-me tão diferente dela que já a vejo como outra pessoa. Não mais eu, mas uma filha, fora de mim, que jamais crescerá mas foi embora sei lá pra onde.  

O fato é que sse filme - entre outros - me traz a garotinha de volta.  É delicioso "me coincidir" com ela na hora em que o encanto é quebrado e a fera se transforma num lindo príncipe e o ambiente todo se torna vivo e iluminado e o palácio deixa de ser soturno e volta a ser lindo, riquíssimo, um lugar encantador! E há música, beleza e vontade de bailar por aqueles salões enormes.  Sou até capaz de ver novamente o filme não mais pela história em si mas para me sentir dentro daqueles ambientes maravilhosos com os quais sonhei a infância toda e que jamais farão parte da minha vida.

Sei que essa postagem é tanto infantil e incrivelmente simplória. Talvez até lamentável para alguns, mas me dou essa permissão. Por que não? 

Lembro que uma vez fiquei emocionada,  junto com a Clarinha, enquanto assistíamos Cinderela. Percebi, pela expressão do rosto dela, que ela estava sentindo o mesmo que eu quando o vestido da Cinderela se transformou de trapos para um traje fino e lindo e ela girou, feliz e encantada... e quando dançou com o príncipe. Naquele momento mágico tínhamos a mesma idade, Clarinha e eu. 

Bela Adormecida... Cinderela... A Bela e a Fera... É meu ponto de encontro comigo mesma. Aquela Cristina ainda existe em algum lugar e essas histórias são como portal, um espelho mágico. É quando vejo que tudo continua a existir intacto em alguma outra  dimensão. Na nada no universo é perdido de fato. Eu não me perdi.  Sempre haverá um portal, um modo de termos tudo de volta, ainda que por pouquíssimos segundos.

O grande dia da revolta

Essa postagem é só para mulheres. Eu acho.

Estou enjoada de ir à manicure, de pintar os cabelos, de depilar. Estou cansada de ficar indecisa quanto à roupa, de usar sapatos altos e desconfortáveis, roupas sexys que não me deixam a vontade  (nem sexy). Estou cansada de sentar direito, de sentir culpa pelo peso e cansada de malhar. Aquele barulho das academiar está começando a me irritar. Começa a me causar antipatia aquele monte de batons, aquele monte de colares, brincos, pulseiras, cintos, lenços, adereços e mais adereços. Quem precisa disso pra viver, droga?   Acho que essas coisas todas são pesos-mortos da juventude e em algum momento da vida a gente tem que juntar tudo e fazer uma "fogueira santa de Israel".

Agora começo a entender as feministas xiitas do início da década de 60, que queimavam sutiãs em praça pública dizendo que aquilo era um dos instrumentos de dominação sobre as mulheres. Quer saber? Tô com elas. Mas não são os homens que nos oprimem mas nossa própria vaidade e necessidade doentia de cativar. Chega.

"Não acredito! A Cristina dizendo isso?!!!!" Sim, a Cristina dizendo isso.

Uma hora cansa, gente!  Já pensei em fazer um cerimonial de "despedida da juventude" quando finalmente eu me sentir liberta de todas essas tranqueiras. Deve existir um dia especial no qual a gente chuta o bande e manda tudo às favas. Um dia em que nada mais importará e usarei  mocassim com saia de bolinhas e camisa xadrex. Não gostou? Dane-se, não preciso da sua opinião.  

Não são bem os olhares alheios que me incomodam: é o meu próprio olhar.  Quero crer até que já venci essa "etapa dos olhares alheios".   Meu olhar é pior do que o alheio. É exigente e enxerga cada detalhe constrangedor!   Mas o dia vai chegar - tô avisando! em que nada mais importará. Vou acordar, empunhar uma espada e gritar em frente ao espelho:   CHEEEEGAAAA! INDEPENDÊNCIA OU MORTEEEE!!!

Vou levantar, abrir os armário e jogar fora todas essas porcarias de que eu tanto gostava:  os odiosos aneizinhos, os brincos chatos, os desconfortáveis sapatos altos, as roupinhas justas,  as bostas de cintos que tem que combinar com tudo, a escravidão das tinturas de cabelo, as roupas de academia delatoras (e que explodam todas as academias!), o adoçante,  as montanhas de bolsas. E nunca mais vou ao salão. E vou cortar o cabelo igual a todas as velhinhas. Chega de lutar para desembaraçar essa moita. Além do mais, quando o vento bate e ele esvoaça, meu cabelo enrola nos brincos e gruda no batom, sabia?  Uma perturbação. Sim, os cabelos também estão com os dias contado. Tesoura neles!

Olho as velhinhas de cabelos brancos com aqueles vestidinhos largos sem graça, compridos, as sandálias baixas feinhas e pernas cabeludas. Elas estão lá, tranquilas e bem a vontade sendo o avesso da sensualidade. Legal!  Estão dando uma banana para todo mundo, especialmente para os homens. Já tive vontade de entrevistar uma senhora dessas e perguntar a partir de que idade elas pararam de pintar os cabelos, abandonaram os saltos altos, as roupas justas e tiraram férias. Qual idade é essa? Sessenta anos? Sessenta e cindo? Setenta?  Preciso saber quanto tempo falta. Quero ir me preparando.

Como será o meu grande dia? Está perto? Está longe? Acontece de repente ou vem aos poucos e a gente nem nota?

Enquanto ele não chega, vou terminar esse texto e dar uma passadinha no shopping só para conferir as novidades. No retorno bato o ponto no salão.

Volto já.

27 de abr. de 2017

Download e Refresh

A maioria das pessoas vive afirmando que adora fazer novas amizades. Sou uma delas - mas não hoje. Resolvi fazer uso da porção de incoerência a que todos os humanos tem direito.

Chega um momento da vida em que a gente pensa mais no passado. É aí que começamos a duvidar de que qualquer nova amizade possa ser real e firma. As vezes acho meio difícil acreditar que quem não conhece minha família, não me viu adolescente, não conhece o passo a passo da minha vida, possa me amar. Porque como podemos amar quem não conhecemos realmente?

É possível amar, mas amar mesmo, quem a gente não conhece?

É possível conhecer alguém realmente?

Bem, hoje vou ficar com a tese de que a gente não ama quem não conhece. Amar uma miragem, uma construção mental unilateral, não tem valor algum. Eu sou o meu passado. Eu sou o que eu fui e o que eu gostaria de ter sido. E você jamais saberá o que eu gostaria de ser nem o que eu sou se não souber quem eu fui.

Me conhecer agora é mais ou menos como começar a ler um livro a partir do meio, deixando para lá o prefácio, a dedicatória, a introdução e os primeiros capítulos.  Não digo que você não vá entender nada. Entende, mas entende pouco. E às vezes "entende errado".

Uma pessoa pode ter novas amizades, mas se não tiver as antigas estará para sempre com o coração capengando. Eu me sentiria uma fraude se só conhecesse novas pessoas. É como se eu estivesse enganando a todas, sonegando-lhes minhas verdades.

Uma amizade requer tempo. Requer download de arquivos antigos. Enquanto o download não terminar não teremos entre nós nada de consistente.   Download demora. Requer paciência. Por isso nem sempre posso repetir com toda a sinceridade que adoro fazer novos amigos. Adoro conhecer gente; esse é um aplicativo leve. Mas fazer novos amigos... aí já é um programa pesado. Excelente mas pesado. Haja HD!

Por fim declaro que às vezes é necessário um "refresh", para interrompermos dowloads desnecessários e reavaliarmos a capacidade do nosso disco rígido.

27 de mar. de 2017

TEMPO DE NÓS DOIS






Essa aí sou eu no exato momento em que estou sendo acometida de pensamentos relevantes. Das profundidades da minha mente criativa saiu o poema abaixo.








TEMPO DE NÓS DOIS

Hoje é o tempo de nós dois
A terra esteve gestante dessas flores
Por todos os longos anos
De nossa encubação
O universo desabrocha incontido
Em coloração maluca
Como jamais poderia se não fosse
O exato tempo de nós dois
É verdade absoluta
Que nunca fomos tão jovens
Nem tão encharcados de hormônios
Nem tão aptos a viver
Estamos ainda úmidos
Do longo parto que nos trouxe
Estamos recém saídos
E com frio um do outro
Deixaram-nos dormindo
Ao pé do mesmo riacho cantante
Da mesma sombra de seda
Onde nada sabíamos
Onde ficamos distraídos
Classificando novas cores
Até descobrirmos sem querer
Os olhos um do outro

Somos bolas de fogo
Cuspidas de explosão semelhante
E vagamos deslumbrados
Como estrelas novas
Nesse mesmo céu de primavera
É a verdade
Constante em todos os oráculos:
É essa a estação propícia
Note a ausência de galhos secos
E de folhas amarelas
Tudo é verde-desaforado
Esse é o tempo de nós dois
E todos os mundos
Floriram ao mesmo tempo
Nesse exato momento
Em que acabamos de nascer.
Não vês?

Cristina Faraon


22 de mar. de 2017

Simplória

É curioso notar a quantidades de bons textos que somos capazes de escrever quando estamos angustiados. É como se o melhor da nossa alma estivesse lá no fundo do tubo e pra sair fosse preciso apertar. A alma é espremida com a saudade, o ciúme, a solidão, o desejo insatisfeito, o medo... Tudo isso parece nos espremer e arrancar o que temos de  melhor.

"O que temos de melhor"? Talvez não seja esse o termo. Talvez o mais acertado seja dizer que essas coisas arrancam de nós o que temos de mais intenso.  Mas isso tudo não é o meu caso hoje. Estou absolutamente rasa, comum, reles. Estou descaradamente simplória. E como escrever um texto denso estando nesse estado de leveza descompromissada?   Como falar de coisas relevantes se só a simplicidade te encontra?

Podem me chamar de simplória mas vou dizer o que está me fazendo feliz atualmente:  adoro estar em casa. As tarefas domésticas estão me dando prazer. Claro, porque a chefa sou eu e só faço o que quero e quando quero e se não quero, não faço. Então se torna prazeroso arrumar a cama, afofar o travesseiro, guardar todas as roupas jogadas e ver o resultado: um quarto aconchegante e bonitinho que me convida a ficar. Claro que fico.  Então sento em frente ao espelho, conserto a sobrancelha, reviro uma gaveta, olho pela janela procurando nada lá fora. E sinto paz. O tempo está nublado, ouço ao longe uma serra elétrica (será isso mesmo?) e pequenos coqueiros competem com o concreto. Vejo um homenzinho pequenininho subindo no telhado. São dois! Estão trabalhando.

Ora bolas, por que a vida deveria ser mais do que isso?  Aí vou para a sala e sinto um prazer enorme ao ver as cores, as almofadas arrumadas, o violão, a maciez do sofá. Tudo ok, tudo arrumadinho. Delícia, vou tomar um licor. Depois lavo uns copos - copos que eu passei uma tarde escolhendo na Tok & Stok.  Uma vez lavados observo a água límpida escorrendo deles. Os copos brilham tranquilamente. Estão sorrindo. Sabem que são lindos. Adoro copos coloridos. Então bate uma ventinho gostoso vindo da janela e me trazendo o cheiro do sabão da roupa recém lavada. Delícia o cheiro da roupa limpa no varal!  Usem Ariel líquido: recomendo.  Suspiro fundo. Um pedaço de queijo, uma música do Spotfy, a lixeirinha decorada. Vou acender um incenso. Isso!

Adoro estar em casa cuidando das minhas coisas, vendo o congelador cheio de carne  e frango temperados. Não falta nada. Então me sinto feliz e vou para a minha micro-sacadinha.  De camisolinha mesmo eu olho para o céu e digo "poxa Deus, valeu!"

1 de mar. de 2017

Minha casa, meu casulo


Nem um pinguinho de fome
E filme? Não quero ver
A disposição me some...
Também não quero beber.

Há um livro longo e chato
Me esperando na estante
Eu me sinto como um gato
Que só quer estar distante

Visitas? Que não me venham
Não quero encontrar ninguém
Não estou triste ou alegre
Mas sei o que me convém:

Me convém ficar trancada
Nesse apê fofo e quieto
E também estar calada
Escrevendo algum soneto

Não estou angustiada
Não quero me divertir
Minha louça está lavada
Não tenho o que conferir

"Minha casa, meu casulo"
Quem não precisa de um chão?
Quero usar minhas roupas velhas
Sem causar boa impressão.

Com meu chinelinho roto
Circulo em meu micro-universo
Os convites eu boicoto
Compromissos? Desconverso.

E assim hoje me vejo:
Entre feliz e culpada
Como se roubasse um beijo
De uma pessoa casada.

O dia vai definhando
Sem emoção ou tristeza
E o que não foi terminado
Faço amanhã com certeza.

24 de fev. de 2017

Aqui do lado


Ele dorme aqui do lado e não sei um décimo dos seus pensamentos. Deus é pai.

É de bom tom acreditar em tudo que me diz, então acredito mesmo desconfiando.  Não seria bom ele saber que acredito nem seria útil ele saber que não, não engoli nada.  Toda mulher é uma esfinge.

Imagino bobagens assim mesmo, num exercício estranho de criatividade e masoquismo.  Às vezes é bom pensar no mal só pra não perder o foco do que seja "vida real".   Além do mais ninguém quer se sentir ingênua ou ser pega de surpresa. 

Tolice. Ninguém se previne de sustos. E ainda que esperemos mudanças de estação, jamais adivinharemos o rigor dos verões ou dos invernos. Nem a modorra do outono.  A vida precisa surpreender. 

Não... ele não me conta tudo. E deveria?  A verdade já está toda na nossa cabeça mas a gente a renega.  

Quem já disse ao filho tudo o que pensa? E pra mãe? Não, só uma alma dura e seca proclama suas verdades por aí. Quem ama, cala

O amor não é amor toda hora. Ninguém é dono do próprio desejo.  Se hoje  o coração quer fugir, semana que vem tudo entra nos eixos e ele reaprende a doçura de pertencer.  Ninguém precisa tomar parte nesses vendavais.  Cale-se.  A maior parte das nossas confissões murcham e viram piada  depois de pouco tempo. São provisórias, camaleônicas.  São esculturas de gelo. 

Nossas mais nobres guerras, lutamos sozinhos. Viver junto é saber viver sozinho. Só assim.

É preciso haver noites, é preciso haver silêncios, é preciso camadas de véus. Que ele fique em paz com seus segredos e que seu coração flutue seguro no mar ondeante da sua respiração.  Que seus olhos contemplem em paz suas mirações inconfessáveis longe do meu julgamento e que revirem-se de prazer debaixo das pálpebras.

É tarde. Daqui a pouco entrarei igualmente nesse mesmo estado de liberdade. E você talvez me olhará com o mesmo olhar curioso e perdoador de quem quer, mas teme saber. E, já cansado, vai me cobrir com esse mesmo lençol de considerações inócuas.

20 de fev. de 2017

Ponto Morto


Assisti "esses dias" na televisão (05/06/09) que está provado: a certa altura do Oceano Atlântico existe um ponto morto perigosíssimo pois lá não se consegue transmissão de rádio, radar, celular, droga nenhuma. Terrível para qualquer tipo de navegação. O tal ponto morto seria responsável pelo sumiço de navios e aeronaves.

Alguns países já tomaram providências a respeito adquirindo equipamentos mais sofisticados para seus nacionais não correrem o risco da incomunicabilidade mas o Brasil (adivinha!) não tá nem aí. Os pilotos contam apenas com a intuição, a sorte, terços e patuás. Tem dado certo! Até agora os prejudicados não voltaram para reclamar.

Acho que deveriam contratar esotéricos, profetas, pais de santos, ciganas, adivinhos e outros bichos para ocuparem as vagas de pilotos. Seria mais condizente com a profissão. Durante a reportagem os pilotos não quiseram gravar entrevista com medo de represálias (tradução: perder o emprego).

Acho que devemos olhar o fato com otimismo. Tudo na vida tem um ponto positivo, até mesmo o ponto morto. Ele não precisaria representar, necessariamente, um problema para nós. Porque não usá-lo como solução?

Uma penitenciária flutuante seria garantia mais do que garantida de que a bandidagem finalmente estaria incomunicável uma vez estando atrás das grades. Outro lance seria construir um motel Ponto Morto. A utilidade de não ser encontrado dispensa maiores explicações. Imagino o sucesso do empreendimento: hordas de pessoas querendo um week end no Hotel (motel) Ponto Morto para tratar de negócios sem ser importunado.

Ainda não analisei a viabilidade de utilizar essa estranha bolha de silêncio, criada por Deus, como paraíso fiscal. Poderia ser útil sim. Não chegaria nenhum pedido de informação: watsapp, telefonema, correios, e-mail,  P.N. Só entraria quem tivesse conta. Quem não fosse correntista ou pessoa realmente interessada em sê-lo (nada a ver com carteiros) levariam desdobro ad eternum.

Tudo tem um lado positivo.

16 de fev. de 2017

Transgressão


Levantei da cama cedo
Como se ouvise algum som
Olhei para o dia com medo
Mas fingi que ia ser bom
Tomei o café da manhã
Como se preferisse adoçante
Almocei uma maçã
Pensando em ficar elegante

Comi alface sem graça
Rejeitei bacon crocante
Sorri de mentira na praça
Com o coração soluçante

Parecia um sonho maluco
Onde nada combinava
Tomei um copo de suco
Para ver se aliviava
E veio uma pressão no peito
Que nem o suco deu jeito.

Abracei quem me abriu os braços
Pois deles não pude fugir
Mas perdi os doces laços
De quem nunca mais pôde vir
Ajudei quem não amava
Fingi alegria na festa
No enterro, na mente cantava
Modinha nada funesta
Dei atenção mentirosa
A assunto sem sabor
E calei teimosamente
Às coisas que falam de dor

Senti uma pressão no peito
Por tanta contrariedade
Mas disse: "Isso não tem jeito!
Vivemos em sociedade!"

Odiei o calor do sol
E a chuva me pegou
Pensei: deve ser pecado
Reclamar do que Deus criou
Desejei o que não sei explicar
Expliquei o que nunca entendi
Cansei de me pôr a pensar
Nas incoerências daqui,

Desse mundo desbotado
E suas histórias singelas
Com capítulos misturados
E ideais que a gente anela.

Parecia um sonho maluco
Onde nada combinava
Tomei um copo de pinga
Para ver se aliviava
Mas veio a pressão no peito
Que nem pinga aliviava.

Não sei mais a diferença
Entre ser sincera e ou má
Fingi ter então uma crença
Pra minha alma acarinhar:
Ocupar-se com o alheio
É uma coisa elevada
E não tem nada mais feio
Que uma alma isolada.

Então...
Fingi que não fui atingida
Pelo tempo tão tenaz
Nem com a falsidade tingida
Com as cores do Satanás
Deixei de perguntar
Por aqueles que eu amava
Mas exclamei "como vai?"
A quem nem me interessava

Mas senti pressão no peito
Quando olhei a tarde fria
E admiti pra mim mesma
Que nada disso eu queria.

Corri sem querer chegar
Levantei fora de hora
Fui salva pela transgressão
Daquela última hora:
De tanto pensar deitada
Nas coisas que faria de pé
Caí de novo, cansada,
Pensando em como a vida é
E sonhei sonho tão louco 
Tão cheio de transgressão
Com desaforos, com soco
Em quem merecia prisão
Vivi amores malucos
Todos bem correspondidos
Havia romances e coitos
Que não eram interrompidos

Um sonho sincero e humano!
Lavei minha alma dormindo
Me apeguei àquele momento
De magia, e muito lindo

 
Sonho louco e transgressor
Com liberdade total
De consertar o mundo
E acabar com todo o mal
E rejeitar programa chato
De caráter social.
Quis dormir mais umas horas
Pra curtir aqueles fatos
E voltar a ser senhora
Em sociedade de ratos

Acordei aliviada
Pois sonhei tudo o que quis
Me senti até cansada
Mas bem que eu queria um bis
E tão sinceros eram os sonhos
Que nem posso te contar
No que daria esse mundo
Se os pudesse executar.

(Eu nem lembrava mais desse poema de 2010. Meu Deus, fui eu mesma que escrevi isso???)

12 de fev. de 2017

Vale das sombras


Dá-me tua mão Senhor, porque é chegada a minha hora
E sinto que me esvai, como sangramento, o que ainda me tornaria reconhecível
Mas mesmo assim, mais leve que um pensamento,
Meus pés marcam a estrada
Faz frio.

Certamente tudo é incerto
Exceto um futuro inevitável que me espreita
Estou em um lugar para onde não me dirigi.
Sinto cheiro de gente
e isso só aumenta minha solidão

Parar é insano
Há uma convicção de ir mas não entendo

Dá-me tua mão, Senhor
Pois os meus, já se foram todos
Desvaneceram os afagos
Doem-me os rins.

Mas talvez clareie o dia
E explenda uma manhã inesperada
Uma manhã que já existe mas aguarda por mim - quem sabe!
Encoberta e sorridente
Como uma surpresa de aniversário.

Dá-me tua mão, Senhor
Até que a manhã me resgate

Penso agora
Que essa manhã talvez não exista
Ou demore-se...
Ou, sendo breve demais
Não espante o frio.

Dá-me a tua mão, pois perdi a idade
E a ninguém possuo
O vento me é contrário

Tão solitário é viajar sem as bagagens
Sem álbuns ou relíquias
Sem uma partitura sequer para decifrar
É solitário emergir da própria história
Para a dura isenção da verdade.

Aconchego-me em mim mesma
Dá-me tua mão, Senhor
E que a paz me socorra
Dos poros da terra.

8 de fev. de 2017

Funciona por um tempo


Primeiro a gente não faz exercícios físicos. Nunca. Não estamos nem aí.
Depois a gente admite que deve fazer exercícios, aí  faz. Por pura vaidade, sem se importar nem um pouco com a saúde porque ela vai tudo muito bem, obrigada. A máquina está funcionando de forma invejável e não dá nem sinal de que uma dia vá entrar em pane, mas... por que não melhorar e ficar mais bonita que nem a fulana de tal?  Bora pra academia. 

O tempo continua a passar e a gente vê que melhorou sim, mas daí não vai passar. Chegamos ao limite, definitivamente. A menos que aceitemos viver uma vida inteira de sacrifícios e privações homéricas. Não, não queremos isso. Hora de continuar a se exercitar mas não mais para melhorar. Agora queremos tão somente estacionar, ficar mais tempo nessa estação, tomar um suco, não correr atrás de nada. Só queremos usufruir o que conquistamos e respirar um pouco. 

Funciona por um tempo. Só que aos poucos vemos ser impossível segurar o tempo. Antes pensávamos estar segurando o tempo com nossos esforços mas agora notamos que aquilo tudo era só a nossa juventude. Na verdade não segurávamos nada.

Bem, agora estamos ainda nos exercitando mas ultimamente nosso corpo está decaindo mesmos assim. Aqui e acolá já dá pra notar uma traição de gordura, uma flacidez, um volume não solicitado. E agora? E agora continuamos. Simplesmente, porque é só isso que a gente tem feito e sabe fazer.  Ainda não inventaram nada melhor do que continuar, então a gente vai no automático. Não mais para melhorar, não mais para estacionar mas agora é para a coisa ir piorando um pouco mais devagar. 

Funciona por um tempo. Aí nos comparamos com aqueles que não trilharam o nosso caminho nem amargaram os nossos esforços. Ah, valeu a pena sim. Beleza. Mas agora a gente não consegue mais se livrar da seguinte pergunta: qual a finalidade de tudo isso? Houve um ganho real? Houve sim.   Mas e agora? Continuará havendo um ganho? 

Devagar a gente se permite uns deslizes maiores. Aí a gente vê que é muito, muito gostoso ficar mais tempo na cama, mais tempo no banho, mais tempo lendo ou vendo um filme. Descobre que dá muito mais prazer conversar com uma pessoa querida, visitar uma exposição, passear, fazer compras, experimentar uma receita nova. E tudo isso leva tempo, um tempo precioso que vinha sendo queimado na academia.  

Não, não dá mais pra administrar tantas atividades. Depois da academia vem o banho e o cansaço e quando a gente vê, o dia acabou. Definitivamente não temos mais disposição para fazer todas as coisas prazerosas juntamente com as necessárias. Simplesmente não temos mais energia nem motivação.  Os exercícios não vão deixar a gente mais bonita, apenas mais saudável. A estética, grande motivadora, não nos impulsiona mais. Já a questão da saúde não é motivadora: é apenas ameaçadora.  Lembrar dela o tempo todo não nos anima, mas nos aborrece e assusta, por isso frequentemente preferimos esquecer o assunto. 

Continuamos na academia sem expectativa de compensação. Estamos lá duas ou três vezes por semana apenas porque os médicos já nos ameaçaram como todo o tipo de doença. 

Funciona por um tempo. Só que cansa. Fugir da doença cansa tanto quanto fugir da feiura. Finalmente nos vemos obrigados a escolher entre o prazer com menos vida ou a vida com menos prazer. É nessa fase que as águas se dividem:  ou você pertence à tribo das pessoas que aprenderam a adorar alface, cafezinho sem açúcar e está viciada em exercícios físicos ou você pertence à tribo dos que jamais chegaram à tanto. Se não aprendeu a ser natureba até agora, aconselho a desistir. Ou vive de sacrifício ou desiste porque passou do tempo de aprender a gostar do "ingostável".

Escolhas... escolhas... Chega o momento em que a gente simplesmente chuta o balde e não quer mais saber de nada. Faz o que quer, come o que quer, quando quer, e por fim morre. Ficar feio é um direito, ficar lento é um direito, não querer sair é um direito, usar roupas largas é um direito, não querer se cuidar é um direito, morrer é um direito e não me encham o saco. 

É justamente nessa fase que os filhos começam a nos advertir para que plantemos uma velhice brilhante e saudável. Eles mal sabem que gastamos nossa juventude inteira em função disso mas cansamos. Encheu. 

É necessário que entendamos que chega um momento em que os velhos só querem mesmo ser velhos e morrer em paz fazendo o que gostam. Não devem ser ameaçados ou advertidos. Eles já fizeram a escolha silenciosa. Deixe-os em paz.

REALIDADES BRASILEIRAS