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22 de fev. de 2016

Maré mansa *

Aquele momento na vida em que nenhum lugar é mais desejado do que a casa da gente. Não me convide pra nada hoje, please. 

Meu Deus tô ficando velha! 

Sentindo um prazer enorme em ver o apartamento arrumado, tudo cheirosinho em seu lugar, eu indo do quarto pra sala, da sala pra cozinha, vagabundando de camiseta e calcinha e ninguém enchendo o saco. Meu bairro é silencioso. Olho pela janela e vejo só vejo prédio, retalho de céu, nuvens, antenas e passarinhos pretos; e o terreno baldio onde, nesse momento, milhares de famílias de mosquitos estão se estabelecendo alegremente. Não quero me preocupar com isso. Aqui dentro está tudo ok e eu não desejo sair daqui por nada. Meu mundo, minhas regras. Uma placa: proibida a entrada de mosquitos. Resolvido. 

Não saio. Nem para ir ao cinema. Nem para fazer comprinhas. Encontro-me absolutamente contente, de cabelo e cara lavados, sentada na cama com o notebook no colo. Vez por outra olho o espelho do armário e olho para mim mesma. Às vezes sou minha melhor amiga. Não preciso sorrir.

De repente um breve suspense: será que esqueci de algum compromisso hoje?  Pego rapidinho a agenda e... tudo bem: dia livre confirmado. 

Estou contente e aconchegada em meu lugar seguro, embora eu não possa me livrar completamente daquela sensação de que depois da bonança vem a tempestade. É uma maldade do cérebro ter que me lembrar que ninguém vive na boa para sempre e a gente tem que estar esperando uma bordoada da vida vez por outra. Mas depois penso nisso. Se tiver sorte a bordoada virá por conta dos mosquitos. É a coisa menos cruel que eu consigo imaginar para quebrar essa maré mansa. 



18 de fev. de 2016

A estrela e a lontra

O tempo passa. Tudo bem, todos sabemos disso.  Um tanto deprimente é quando um acontecimento aleatório, eventual, nos tira desse conhecimento teórico para a constatação visual.

Esses dias "reencontrei" no Facebook  uma antiga amiga de colégio de trinta anos atrás. Enviei a solicitação de amizade, disse quem eu era e ela me adicionou. Não se lembrava de mim, ficou claro, mas adicionou.

Ela sempre fez o tipo comportada-chique. Não se metia na bagunça nem em nenhum tipo de baixaria. Não lembro de te-la ouvido falar palavrão. Tínhamos um bom relacionamento mas não eramos íntimas. Estávamos sempre juntas porque ela sempre sentava ao meu lado - nunca entendi bem o por quê. Acho que porque eu era apagada e quietinha e ela não queria perder a aura. Conversávamos cordialmente mas sem confidências, intimidades ou risinhos.

Ela era tudo o que eu queria ser. Alta, magra, porte de menina rica. Educada. Pele alva e sem manchas, cabelos escuros, longos, sedosos, sempre limpos. Cabelos perfeitos, corpo perfeito, pele perfeita. O rosto não era perfeito; ela não era exatamente bela de rosto mas estava muito, muito longe da feiura. Seu rosto era muito anguloso, com maçãs salientes e nariz arrebitado muito pequeno. Tinha cara de gato. Mas o conjunto era maravilhoso, fresco e altivo. Nariz sempre empinado mas só por postura: não era metida. Falava com todo mundo, tratava todos bem mas pairava acima de qualquer vulgaridade. Nada sujo a tocava. Acho que nem mosca pousava nela.

Estudávamos em uma escola pública. Isso não quer dizer que a minha amiga fosse pobre. Não era. Naquele tempo as escolas públicas ainda prestavam.

Ela era dessas meninas que todos os meninos querem mas poucos tem coragem. Dessas que tratam todo mundo bem, muito polidamente, só porque é assim que as princesas fazem.

Esmalte e maquiagem era para as fracas: ela não usava. Cara lavada, imaculada. Suas roupas não amassavam, a meia não escorregava (sério!), a blusa não saia de dentro da saia, não grudava lama no sapato, a letra era redonda, os cadernos não faziam orelha. Era filhinha de papai.

Eu era sua melhor amiga, só que ela não sabia.

... Então a vi no Face. O ar sereno e altivo foi substituído por um sorriso simples, alegre e sem mistério. Boa troca. Mas o rosto está cheio de rugas. Meu Deus, quantas rugas!  Os olhos não brilham como antes. Também ficaram menos amendoados. A boca perdeu o atrevimento.O cabelo parecia outro cabelo. Era tudo, menos de seda.   Seu viço foi-se.

Fiquei triste e chocada. Claro que sou uma besta. O que eu esperava trinta anos depois? Só o fato de ter se mantido magra e sem barriga já é um grande feito.

Em seu álbum pude ver uma  foto solitária da sua juventude. Uma única foto que confirmava cada palavra de tudo que eu disse. Lá estava ela, luminosa e fresca. Brilhava serena como uma estrela neon. 

E eu, que me sentia uma lontra...  Hoje ela está menos estrela e eu, menos lontra. A vida nos faz dessas coisas.

11 de fev. de 2016

Momento sensível



Assim, do nada, deu vontade de me abrir e me dar uma humilhada. De leve. Contar pra vocês de uma situações em que simplesmente tenho pena de mim.

Tenho pena de mim quando saio de casa depois de levar um tempão me maquiando. Aí chega uma pessoa super bem intencionada e tenta me ajudar com respeito às manchas de melasma no meu rosto. "Já usou tal produto? Olha, tenha uma amiga que tinha esse problema e se deu super bem!"  A parte comovente dessa historiazinha é ter ficado tão claro, depois de quilos de maquiagem, que não adiantou nada. Dá sim pra ver as manchas e aquela sensação de "agora sim, acho que ficou melhor" é totalmente ilusória. Aí na primeira oportunidade me olho novamente no espelho e juro que não vou mais me dispor a passar o dia todo com aquela sensação desagradável de cara melada se não adiantou nada. Então chego em casa, lavo o rosto e constato pela milésima vez que a diferença agora é tanta, mas tanta, que volto atrás. Vou me maquiar sim até o último dia da minha vida.

O drama maior não é a mancha aparecer. O drama maior é eu me importar com isso e gastar tanto tempo e dinheiro tentando esconder o "inescondível". Pobre Cristina.

Tenho pena de mim também quando chego a acreditar que evoluí. Eu era tão fechada com as pessoas antigamente! - digo a mim mesma. Agora, depois de muito esforço e auto lapidação, sou mais sociável e quem sabe até simpática.Aí um dia, de repente, alguém deixa claro que não fui atenciosa o suficiente  ou que fui um tanto grosseira.  Cai na minha cabeça um balde de desapontamento. Não houve sucesso: meus esforços para ser uma pessoa legal foram inócuos. Odeio concordar, ainda que por segundos, com os que afirmam que ninguém muda, tudo isso é ilusão, cada pessoa é o que é e pronto.  Fico pensativa por um tempo e indecisa entre a delícia de me dar trégua e a delícia de acreditar que posso cultivar e colher, em mim, as virtudes que vejo no outro.

Não consigo ser melhor. Mas essa não é a parte comovente. A parte comovente é eu nadando contra a maré por sentir tanta necessidade de ser o que não sou. É como ver que a maquiagem não deu certo.

O drama maior não é eu ser como sou. O drama maior é não me aceitar assim e estar tão convicta de que vale a pena me importar tanto.

Só mais uma: fico com pena de mim mesma quando constato, na festa, olhando a mesa posta, que não sei aprontar uma mesa de festa de forma minimamente elegante. Tudo parece meio jogado, sem estética nem delicadeza. Tá, mas o que isso tem de mais? Talvez tenha a ver, ainda, com a maquiagem. Não sou uma pessoa fina, não sei ou não tenho a menor paciência para providenciar as inúmeras minúcias que resultariam numa "mesa de revista" -  mas eu quero!

Uma mesa bem posta é bonito e quero ser capaz dessa boniteza. Mas não sou. Por fim olho meio desolada para o fruto das minhas pobres mãos. Queria me filmar olhando pra mesa da festa. Queria filmar só para olhar depois e me sentir pior. Todos temos um pouco de masoquismo.  Pois é: ali, no meio da sala, estampado para todos, está a minha mesa desajeitada e grosseira - como eu.

Novamente digo que a mesa não é problema. A falta de jeito também não seria problema. O problema é o meu olhar desolado sobre ela, um olhar que me escapa  por um segundo mas cato depressa e meto no bolso como se fosse uma borboleta esfarrapada e fujona.

Pois é, taí eu.


7 de fev. de 2016

Amor com sede


Em alguns casos ter vergonha é uma vergonha.  Mas nada é tão reconfortante quanto descobrir que nossos amigos tem as mesmas fraquezas nossas e que, afinal de contas, somos farinha do mesmo saco. Certo dia li  no finado blog de uma amiga a seguinte confissão:

"Quando era criança tinha muita vergonha. Assim como qualquer menina (o). Mas o quê eu tinha vergonha mesmo era de dizer "Eu te amo" para minha mãe. O tempo passou. Continuo passando e o constragimento permanece. Em menor escala, mas permanece. Na verdade, atualmente procuro fazer diferente. Isso porque hoje em dia tento logo falar quando amo alguém. Amor é para ser dito, gritado, esfregado na cara do mundo. Afinal, o único acordo que fiz com a vida foi ser feliz. Se não for assim, me mata logo..."

Sempre me senti assim com minha mãe. Passei a vida tentando dizer "eu te amo" sem palavas mas nunca adiantou muito. Embora as pessoas advoguem que as atitudes falam mais alto - e falam mais alto mesmo -  ainda assim as palavras são indispensáveis e insubstituíveis.

Atitudes devem somar-se às palavras, jamais tentar substituí-las.  "Te amo" sem palavras não passa de uma desconfiança. "Te amo" sem atitude é apenas uma mentira.  O "te amo" verdadeiro é um bem-casado de palavras + atitudes. Tem que pronunciar sim. Não tente fugir disso.

Lamento muito minha desprezível timidez. O castigo para pessoas assim é que jamais sentem o descanso feliz do amor plenamente revelado.  O amor, para elas, vai ter sempre um "quê" tristinho, uma dorzinha, uma sede que não passa. O amor que não se diz é o amor com sede.

Por quê às vezes é tão difícil dizer "te amo"?     É compreensível que nos envergonhemos de dizer "estou com inveja" ou "espero que tudo dê errado em sua vida". Mas o que há de constrangedor em dizer que EU TE AMO?

Por quê tantas coisas que deveriam ser simples acabam embaralhando? Por quê me exponho tanto aqui, no blog? Por quê você não comenta minhas postagens?

Tá vendo? A vida é cheia de mistérios.

2 de fev. de 2016

Desespero e aflição


Há desespero nas águas quando saem dos esconderijos. São frias e assustadas, quase humanas. Dirigem-se à perdição, brancas e magérrimas, geladas como os condenado prestes à execução. Elas vem de um rio escondido, de ventre sofrido e arranhado por mil pedrinhas, revolvido por peixes estranhos, folhas órfãs, galhos e cabelos de moças que desistiram de viver. As águas, elas se jogam num momento de pura coragem e só são vencidas pelo medo quando já estão no ar e não há mais salvação.  Por um momento se desesperam mas depois se entregam, quebram-se,  desfazem-se em milhões de cacos redondos, gotículas de beleza preciosa. Pérolas brancas e fugazes.

Às vezes são leite espumante mas jamais champagne. Não conseguem. Abrem no ar um véu de gotículas, fina rede capaz de acolher um arco-íris inteiro.

Há desespero nas águas
Quase humanas em suas mágoas...

Gosto quando por instantes pairam no nada antes da queda final. Quando por fim despencam, suicidas, sua última visão são as pedras lá embaixo. Trêmulas. Horrorizadas. Parte do véu se desfaz . Há uma fuga envergonhada para as margens dos lagos. Desintegração e adeus.

Há então desespero nas pedras, aflitas, que não lhes pode socorrer. Quantas mortes apararam? Quantos olhos de vidro! Quantos cabelos e vapores brancos já alisaram suas cascas frias!

As pedras queriam ser parteiras mas só aparam o adeus.

Às vezes penso que toda beleza do mundo se despede o tempo todo e nunca chega a ser o que queria. Tudo são abortos sugados para o centro escuro do mundo.


30 de jan. de 2016

Sinais











Vejo você bem longe
Do outro lado do rio
Não claramente
Não quero falar-te mas quero contato
Envio-te sinais veementes mas secretos

Envio-te meus mais intensos pensamentos
Doloridas saudades
Coisas pulsantes e sem nome
Aflições sufocadas
Não percebes?

Mando-te gaviões e gaivotas
E escuros pássaros mudos
Mas eles não te encontram
Não te tocam
Não se chocam contra teu peito quente

Mando-te sinais veementes
Que chegariam a Andrômeda
Que chegariam a Deus!
Que Ele me valha
Enquanto sangro

A água corre muda e funda
E forma  redemoinhos contorcidos

Distância é a mais certeira definição de morte
Mas ela será vencida
Quando também eu atravessar
Numa embarcação branca de ossos
Que preparo com desvelo

Toda distância é morte
Todo rio será vencido.

Concentro-me
E envio-te corvos
E pensamentos vermelhos
Sentimentos emaranhados
E dores de filha
Mas não me olhas, não dás sinal!
Então corto meus pés e os lanço
Em desespero mando também joelhos e pernas
Na esperança de que te achem
Que me vejas neles
Que te lembres!

Pois vai também a cabeça
Que cai pesada, some
E ressurge resoluta e encharcada
Minutos... horas...
Aí vão meus olhos
Que flutuam pasmos
Sem ter onde agarrar
Dou-te tufos de cabelos
Muito unidos e emaranhados

Ninhos meus
Nascedouros de medos e amores
Jogo-te minhas unhas cravadas nas vísceras
Que te pasmarão
Que te agredirão pela sua feiúra
Elas percorrem a correnteza em dores
Deixando um rastro, um véu,
Um cheiro.

Mando-te mãos e cérebro
- Que tudo se perca!
E o punhal com que me decepei vai junto
Seja ele a testemunha da intensidade
De tudo isso que não vês.

O rio arrasta seu véu
Como uma noiva em transe
Meus sinais são buquê
Eu fico
Não sigo
Irei mais tarde
Quando não aguentar mais

Agora acompanho com os olhos
Apreensiva
Esse estranha procissão
E a coleta que farás.

22 de jan. de 2016

Ondas concêntricas


Você já assistiu o filme "O Vidente"? É muito bom. O que gostei mesmo foi de uma certa frase dita tanto no inicio quanto no final da história. Algo assim:

"O lance do futuro é que toda vez que você olha pra ele, ele muda - porque você olhou para ele. Olhar altera tudo."

Instigante.

Então é por isso não podemos olhar o futuro. A frase "olhar o futuro" seria então uma contradição em si mesma porque se ele muda ao ser visto, então o "futuro" deixa de ser futuro.  É por isso que as profecias são tão enigmáticas. O futuro, para continuar sendo o que é, não pode se deixar observar longamente. Para se cumprir ele só pode ser visto em relances, borrões, visões estranhas. Porque direcionar-lhe o olhar é o mesmo que matá-lo. Isso é a coisa mais lógica e redonda deste mundo.

Para não matar o futuro deveríamos olhá-lo do lado de fora, não do lado de dentro onde estamos, onde as coisas acontecem. Quem olha o futuro não pode estar dentro do tempo sob pena de dissolver o observado.

Não adianta: por mais imóveis que tentemos ficar, ao nosso redor formam-se ondas concêntricas totalmente fora do nosso controle. É como uma pedra atirada no lago. Impossível jogar uma pedra no lago e observá-la afundar em um movimento único e solitário. Nunca um movimento é solitário. A água não fica imóvel, mas engole a pedra entre convulsões irreprimíveis. Círcuros ondulantes se formarão a partir dali denunciando a origem da irregularidade. Espalhar-se-ão, mudarão o posicionamento das folhas nas margens, o trajeto dos peixes, o reflexo da lua, tudo. Muda tudo! Serão círculos formando pequenas ondas que alterarão bilhões de pequenos fatos desnorteando-os... e o futuro esvaecerá irremediavelmente como se nunca tivesse existido. 

Olhar o futuro é jogar uma pedra no lago do presente. É meio triste saber que nosso olhar é, destrutivo, alterador, que faz com que o que será deixe de sê-lo antes mesmo de ter sido.

É a pior das mortes. Nós, quando moremos, nos transformamos em lembrança, mas ele - o futuro - quando morre vira apenas ilusão!  Porque o futuro que não acontece é o que? É um delírio. É quase nada.

Fora do tempo não há círculos. Só quando você sair do tempo é que poderá olhar tranquilamente o futuro sem estragar tudo. Só que aí o futuro também deixará de ser futuro para ser, teimosamente, um eterno presente.

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Cristina Faraon

19 de jan. de 2016

Eu me rendo!

(Um texto de Danuza Leão)

Quantas mentiras nos contaram; foram tantas, que a gente bem cedo começa a acreditar e, ainda por cima, a se achar culpada por ser burra, incompetente e sem condições de fazer da vida uma sucessão de vitórias e felicidades.

Uma das mentiras: É a que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as funções de mãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma carreira profissional brilhante. É muito simples: não podemos.

Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme e que à noite, quando devia estar dormindo, chora com fome, não consegue estar bem sexy quando o marido chega, para cumprir um dos papéis considerados obrigatórios na trajetória de uma mulher moderna: a de amante .

Aliás, nem a de companheira; quem vai conseguir trocar uma idéia sobre a poluição da Baía de Guanabara se saiu do trabalho e passou no supermercado rapidinho para comprar uma massa e um molho já pronto para resolver o jantar, e ainda por cima está deprimida porque não teve tempo de fazer uma escova?

Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres – e os maridos – de que um peixinho com ervas no forno com uma batatinha cozida al dente, acompanhado por uma salada e um vinhozinho branco é facílimo de fazer – sem esquecer as flores e as velas acesas, claro, e com isso o casamento continuar tendo aquele toque de glamour fun-da-men-tal para que dure por muitos e muitos anos.  Ah, quanta mentira!

Outra grande, diz respeito à mulher que trabalha - não à que faz de conta que trabalha, mas à que trabalha mesmo. No começo, ela até tenta se vestir no capricho, usar sapato de salto e estar sempre maquiada; mas cedo se vão as ilusões. Entre em qualquer local de trabalho pelas 4 da tarde e vai ver um bando de mulheres maltratadas, com o cabelo horrendo, a cara lavada, e sem um pingo do glamour – aquele – das executivas da Madison.

Dizem que o trabalho enobrece, o que pode até ser verdade. Mas ele também envelhece, destrói e enruga a pele, e quando se percebe a guerra já está perdida.

Não adianta: uma mulher glamourosa e pronta a fazer todos os charmes – aqueles que enlouquecem os homens – precisa, fundamentalmente, de duas coisas: tempo e dinheiro.

Tempo para hidratar os cabelos, lembrar de tomar seus 37 radicais livres, tempo para ir à hidroginástica, para ter uma massagista tailandesa e um acupunturista que a relaxe; tempo para fazer musculação, alongamento, comprar uma sandália nova para o verão, fazer as unhas, depilação; e dinheiro para tudo isso e ainda para pagar uma excelente empregada – o que também custa dinheiro.

É muito interessante a imagem da mulher que depois do expediente vai ao toalete – um toalete cuja luz é insuportavelmente branca e fria, retoca a maquiagem, coloca os brincos, põe a meia preta que está na bolsa desde de manhã e vai, alegremente, para umhappy hour.

Aliás, se as empresas trocassem a iluminação de seus elevadores e de seus banheiros por lâmpadas âmbar, os índices de produtividade iriam ao infinito; não há auto-estima feminina que resista quando elas se olham nos espelhos desses recintos.

Felizes são as mulheres que têm cinco minutos – só cinco – para decidir a roupa que vão usar no trabalho; na luta contra o relógio o uniforme termina sendo preto ou bege, para que tudo combine sem que um só minuto seja perdido.

Mas tem as outras, com filhos já crescidos: essas, quando chegam em casa, têm que conversar com as crianças, perguntar como foi o dia na escola, procurar entender por que elas estão agressivas, por que o rendimento escolar está baixo.

E ainda tem as outras que, com ou sem filhos, ainda têm um namorado que apronta, e sem o qual elas acham que não conseguem viver . Segundo um conhecedor da alma humana, só existem três coisas sem as quais não se pode viver: ar, água e pão.

Convenhamos que é difícil ser uma mulher de verdade; impossível, eu diria. Parabéns para quem consegue fingir tudo isso….

15 de jan. de 2016

Um dia...

Perdi muita gente. Muita gente também me perdeu de vista. Mas um dia...

Um dia cruzaremos nossos caminhos de novo por uma dessas vielas improváveis da vida. Talvez nossos olhares se cruzem e eu custe um pouco a adaptar minha mente à sua imagem recente.

Se isso acontecer daqui a vinte anos você vai achar que tudo está mudado, mas isso não será verdade!   Embora tudo mude, algumas coisas são eternas. É preciso ter sempre isto em mente para não nos assustarmos com a vida.

A delícia de viver está justamente em descobrir quais são essas coisas imutáveis.

Quando menos esperar você verá seu amigo em alguma fila, algum engarrafamento ou padaria do mundo. Ele estará um um pouco mais curvo, um pouco mais lento, menos decidido e mais humilde na arte de sonhar. Ele cultivará brotos de feijão - sonhos simplórios de curtíssimo prazo que nem deveriam ser denominados "sonhos". Cultivará "cochilos"  de fácil realização.  Terá gestos pausados e você verá hesitação onde não havia espaço para ela antes.  Quando isso acontecer não fique triste porque você também estará usando roupas diferentes do seu antigo gosto. Talvez  calce um sapato engraçado, presente de neto.

O que eu sou? O que é meu mesmo e não coisa ocasional?  O sorriso? O espirro? O gostar de lilás? Há um jeito de abraçar que seja só meu? O que irá permanecer daqui a quarenta anos?

De tudo restará um lampejo nos olhos, visível em futuros reencontros. Prepare-se. Será um brilho conhecido a se manifestar discretamente escapando da opacidade. Será algo com o que nós estamos familiarizados ainda que não nos demos conta disso. O que ressurgirá é o que nunca se foi. Ficará o que realmente interessava por todos esses anos. Acho que podemos nomear "isso" como "alma".

O que sempre nos prendeu em cada pessoa que amamos foi a alma. Mesmo em nossos piores momentos de frivolidade. Amigos, sabei: um dia teremos aprendido que nenhuma daquelas bobagens valia a pena.   Nada, nem mesmo a beleza passada era a essência do que somos nem o centro do que buscávamos uns nos outros.  E aquela coisa boa que nos acalentava maternalmente enquanto estávamos juntos, aquela coisa cândida e sem nome, não se devia a nada daquilo que tanto prezávamos. Devia-se à alma, à energia própria de cada um, coisa inconfundível e cara. Era ela que, com ou sem ornamentos, fazia a vida valer a pena.

Nada amamos, a não ser a alma. Quem ama outra coisa, não ama nada. E isso é tudo o que meus olhos vão buscar em você lá no futuro, quando pensarmos que estamos completamente descaracterizados.

Se daqui a alguns anos você encontrar alguém do passado e se seus olhos descobrirem o que até então estava encoberto... Se finalmente seu olhar estiver desvestido das lentes das nulidades, não hesite: vá ao seu encontro! Corra a abraçá-lo ainda que esse querido não o reconheça.  Pode parecer constrangedor no primeiro momento mas quando novamente estiveres sozinho saberás que naquele abraço talvez tenhas  salvado  todo o teu passado.

7 de jan. de 2016

ACÍDIA E CURIOSITAS

ACÍDIA E CURIOSITAS? Que raio é isso?

Aqui abaixo repito com as minhas palavras o que o blog Historia Viva comenta sobre o tema.  Reflitam, oh néscios!

Há um desejo de ver que acaba pervertendo o sentido original da visão. A finalidade da visão é perceber a  realidade. Só que a tal "concupiscência dos olhos" ("curiositas") é o desejo vazio de ver por ver, sem interesse algum em perceber a realidade. É então uma perversão do desejo natural de conhecer. É o olhar do tolo.

Agostinho diz que a avidez dos gulosos não é de saciar-se, mas de comer e saborear. O mesmo se pode dizer da curiositas (concupiscência dos olhos), que gosta de ver sem o desejo de penetrar na verdade, mas só de se deixar levar pelo mundo, sem rumo, sem finalidade e, por fim, sem proveito.

Tomás de Aquino mostra que a curiositas é uma vagabundagem mental que leva à dissipação do espírito. Como assim? Vou explicar: a pessoa se torna vazia, nula, fútil, sem conteúdo.  Essa pobreza de espírito a leva, necessariamente,  ao colinho de outro mal: o sujeito cai na acídia.  Ô desgraça!


E o que é acídia? Ah, isso também muitos de nós sabemos. Acídia é aquela tristeza modorrenta do coração, aquele tédio interior. É quando, mesmo inconscientemente, o sujeito não se julga capaz de ser tudo aquilo para o qual ele foi criado. Ou melhor: acha que não tem como desfrutar de todas as suas possibilidades como ser humano. A pessoa se sente condenada à nulidade, incapaz de um feito importante. Essa modorra (essa palavra é boa!) tem cara fúnebre e cria um ciclo vicioso:  a vagabundagem dos olhos leva a um profundo tédio interior e à ânsia desesperada por diversão (justamente para fugir do vazio).  A diversão só socorre o sujeito por um pouco de tempo; aí ele cai na modorra de novo. Muitos acabam lançando mão do uso de drogas, para aliviar-se da secura interior.

A vagabundagem visual/mental é um repúdio às próprias possibilidades do ser. É se conformar com a mediocridade.

A acídia manifesta-se assim, diz  São Tomás de Aquino: 

1) Primeiro vem a "dissipação do espírito" (dispersão, diluição. O mundo não está cheio de gentinha rala, sem conteúdo, que só fala abobrinha? Pois é.) 

2) A 'dissipação do espírito' manifesta-se, por sua vez, na tagarelice, na vontade indomável de distrair-se ("sair da torre do espírito e derramar-se no variado"), numa irrequietação interior, na insatisfação insaciável da curiositas.

3) Desespero:  assim como o apetite pode degenerar em gula, o desejo de conhecimento também pode degenerar em "curiositas". A perversão do desejo de conhecer pode significar que o homem perdeu a capacidade de "habitar em si próprio". Cruel.   Aí a vida da pessoa se resume em procurar, com disfarçada angústia, mil caminhos para alcançar um bem-estar que só a  serenidade de um coração senhor de si pode alcançar.  

Uma vida inteiramente vivida é o que todo mundo quer. Mas a pessoa que se abandona à curiositas não tem realmente vida, apenas é levado pelo vento. Então seu destino é ir mendigando pela existência para ver se consegue ter a sensação de que goza uma vida intensa, quando na verdade nem sabe o que é isso.

Não é assim mesmo que acontece? E não é sábio entender que evitar a "concupiscência dos  olhos" não é um favor que se faz à religião, mas a si mesmo?

As crianças evitam o mal por obediência ou medo; 
O ser adulto o evita por entender o que ele realmente significa; Os tolos simplesmente não o evitam.

4 de jan. de 2016

Eu tenho vergonha

Eu tenho vergonha:

Das bobagens que eu já comprei

Dos pitis que já dei

Dos comentários maldosos

Do tempo que passo na internet

De não ter feito o melhor que podia

Da minha mania de achar que o pedinte está mentindo

Das vezes que ri quando alguém se esborrachou no chão

De sentir preguiça

De criticar

De não me empolgar com algumas causas relevantes

De quase todos os versos que já fiz

Das bobagens que eu pensava quando estava deprimida

Do carinho que não dei

Das vezes em que eu pensei "Bem feito!"

De comer mashmalow escondido.

REALIDADES BRASILEIRAS