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9 de mar. de 2016

Crimes pré-resolvidos no Brasil


Se um sujeito for assassinado:

Se era negro: foi crime de ódio racial com certeza.
Se era religioso praticante, de qualquer religião, foi perseguição religiosa sem dúvida.
Se era ateu com certeza foi algum crente xiita.
Se era bandido: foi execução, não importa onde estava nem o que estava fazendo.
Se era um político: foi a oposição.
Se era gordo foi crime de ódio contra os gordos.
Se era homossexual com certeza foi homofobia ainda que ninguém soubesse que o cara era gay. Mesmo que tenha sido um enfarto, ainda paira dúvida de assassinato.
Se era judeu com certeza foi algum alemão escondido por aqui.
Se era palestino com certeza absoluta foi algum judeu escondido por aqui.
Mas se foi uma mulher com certeza foi algum machista dos infernos que matou
Se a mulher assassinada era adúltera ainda assim não merecia morrer
Se o assassinado era adúltero, tinha mais é que morrer - caso o assassino tenha sido uma mulher.

Se era homem, branco, heterossexual e não era nem aleijado, então dane-se.

8 de mar. de 2016

Liberdade: dá pra se livrar? *

Já que hoje é Dia da Mulher vou atacar de Chiquinha Gonzaga, a mulher que ninguém segurava, que mandou tudo às favas porque gostava da noite, da vida artística, da música, da liberdade.  Deve ter sofrido, deve ter ficado mal falada... mas não conseguiu se limitar ao papel de mãe e esposa.

Já falei sobre isso mas vou falar de novo: a liberdade verdadeira, em estado bruto, é maior do que quem a porta. Ela engole tudo e não pode ser dosada. Se dosar, não é. É essa liberdade que mais me faz pensar.

Dizem que "liberdade a gente conquista" e que "fulano conquistou sua liberdade". Sim, liberdade física, política. O tipo de liberdade menos instigante e mais comum. Liberdade exterior. Tá, é relevante sim, mas não é dessa que estou falando. Estou falando da liberdade interior, essa que poucos conhecem; essa luz ofuscante que dita a vida de muito pouca gente.

Liberdade interior não é algo que alguém possua. Você possui liberdade de ir e vir, liberdade política etc. Você possui essas liberdades conquistáveis. Mas a forma mais autêntica de liberdade não pode ser possuída porque é ela que possui as pessoas. Ela domina. E domina de tal forma que o servo dessa liberdade sofre, muitas vezes atê vê o mundo desmoronar ao seu redor mas simplesmente não consegue se conter. Não consegue se limitar , planejar, encaixar, ser menos.

A liberdade que a gente dosa é a liberdade que a gente pensa que tem.

Chiquinha Gonzaga era assim. Não dava pra ser o que não era. Existem milhões de pessoas no mundo que vivem uma vida que não desejam, mas vivem. Porque acham que é o certo, o mais decente, o mais razoável. Mas a pessoa livre não pensa muito nisso, só pensa no que quer e no que gosta.

Não acho nada bonito abandonar marido e filhos pequenos simplesmente porque gosta de música, gosta da noite e o marido  não queria que ela se envolvesse com música popular e a galerinha dos palcos. Para mim, tanto quanto para muita gente, não parece razoável que a música seja mais importante que o lar, a família, o sentimento dos filhos, o marido, a respeitabilidade social, a segurança. Além do mais ela poderia tocar em casa, compor em casa, para a família, deleitar-se consigo mesma. Não, mas precisava ir além, sem freios, botar o pé no mundo, na noite, no carnaval, sem hora pra dormir, sem hora pra acordar, sem regras.  Certamente ela pagou caro mas quem é livre não faz conta de preço. Talvez ela até quisesse ser como as outras mulheres, que usam o que tem de liberdade para dosar a própria liberdade.  Mas quem segura o vento?

Muitos homens são assim. Querem sinceramente uma família, mulher e filhos. Querem sinceramente fazer a coisa certa, mas algo maior dentro deles não deixa que se limitem aos seus ideais. Há uma coisa mais forte que os chuta pra fora.  Um ímpeto de simplesmente fazer o que tem vontade. Depois sofrem e fazem sofrer e se arrependem sabendo que jamais mudarão.

Chiquinha Gonzaga era livre como a maioria dos homens o são. Sinceramente não sei se é bom ser possuída por esse tipo de liberdade impositiva. Não, não é bom nem é bonito. Assim é a "liberdade primal": uma força que impede a pessoa de ser detida por seja lá o que for. Uma impetuosidade que faz com que o sujeito enxergue a si mesmo como urgência das urgências e faça apenas o que quer fazer, ainda que isso lhe custe outras coisas que tanto ama. Ainda que ele jamais saiba com certeza se valeu a pena.

Esse é o tipo de liberdade que não se conquista; a pessoa nasce com ela - ou não. A grande conquista, nesse caso, é a "vítima" conseguir se livrar dela.

Você tem tempo?


Acabei de receber um texto muito bom em minha caixa de e-mail. Eu poderia postá-lo aqui mas por quê fazê-lo se você vai acabar recebendo também, mais cedo ou mais tarde? No entanto, meu precioso comentário não está ao alcance de qualquer mané.

Não adianta ter as bolsas mais caras, os carros mais impressionantes ou frequentar os lugares mais glamourosos. Nem adianta ser bonito, culto, bom de papo. Ter sucesso não rende taaaanta felicidade. Uma vida boa, realmente boa, indiscutivelmente boa é medida pelo seguinte: TER TEMPO.

Você tem tempo?

Tempo sim é qualidade de vida. Já ouvi falar de empresários que não conseguem parar pois todo passeio, festa, almoço e jantar são na verdade reuniões de negócios disfarçadas. Há pessoas que constroem casas mas não têm tempo de tirar uma soneca em sua varanda; vivem amarelando no escritório ou vagando exaustas pelos hotéis do mundo. Ora, pra quê eu quero dinheiro se não for pra usufruí-lo?

Bora ao cinema? Vamos reunir a turma para um bate papo? Vamos para a academia?  Vamos dar uma voltinha no shopping?  Vá lá em casa que eu quero que você prove minha nova receita.  Não?! Você não tem tempo? Então meu filho, não importa a marca do seu carro ou da sua roupa: você é um pobre coitado e a sua qualidade de vida pode ser classificada como "bosta".

Adianta ter carro e só usa-lo para trabalhar? Adianta ter um lindo quarto mas não poder de vez em quando permanecer na cama lendo uma revistinha? Adianta uma sala bonita se só passamos por ela de relance? Adianta uma linda mesa se não me reúno com os amigos para uma macarronada?

Melhor ter menos glórias e mais tempo. Tempo é vida.

Falam mal dos caboclos que vivem nas beiras dos rios e não procuram "melhorar de vida". Como assim?  Passar a vida correndo atrás do vento é mesmo uma vida melhor? Muito desses ribeirinhos tem tudo: comida todo dia, peixe, farinha, açaí, frutas, sexo, filhos, passeios, amigos com os quais podem conversar, rir, falar da vida (ha quanto tempo você não vê os seus amigos?), um barquinho (você tem um?)  e a imensidão dos rios e das florestas. E ainda fazem o próprio horário de trabalho. 

Você tem certeza de que a nossa  maneira de viver é uma opção melhor? 
São mesmo eles os burros? 
Ou os burros (de carga) somos nós?

4 de mar. de 2016

Cavalo xucro


Reli alguns textos meus. Já notou que de vez em quando faço isso? Talvez eu seja a minha maior fã. É isso que chamo de saúde emocional!

Pois bem: gosto da série Recordações. É bom poder novamente e novamente e novamente escorregar para o passado e andar por aquelas velhas ruas. O bom dos textos de recordação é que eles direcionam a nossa emoção na carona da lembrança. Não é só lembrar, é sentir de novo! A emoção vai junto.

Mas relembrar traz um certo perigo, que é deixar a mente divagar, andar por onde quer. Qual o problema? É que daqui para acolá ela pode cair num buraco de más lembranças. Deus nos livre! Dói demais.

Todos temos cenas tristes no passado. Há coisas que adoraríamos que o mundo esquecesse. Desapontamentos, erros, maldades, arrependimentos, mancadas inconfessáveis, diarréia no momento errado, dívidas não saldadas, injustiças gerais. Sim, o terreno das recordações é bem perigoso, de forma que o prazer de recordar pode rapidamente azedar se formos acometidos pela recordação errada. Taí a grande utilidade de escrever. Escrever recordações é pôr rédeas no cérebro: ele só vai para onde a gente manda. 

Claro que é necessário! Não é tão fácil assim mandar na própria cabeça. Ela quer ter vida própria, pensa que se garante sozinha. A cabeça da gente é como um cavalo xucro. Ou será que você nunca foi obrigado a ouvir a mesma música por cinco dias seguidos só porque seu cérebro resolveu empacar? Pois é, a mente teima em nos massacrar com aquela musiquinha idiota por dias e dias seguidos sem pedir nossa concordância e a gente não consegue encontrar o botão "stop". Da mesma forma também não é fácil tirar da tela aquela cena da calça rasgada, ou da tosse encatarrada no meio da cerimônia. Pois deixo aqui meu melhor conselho: escreva.

Escreva textos contendo seus melhores momentos. Encha cadernos e mais cadernos. Você se sentirá um sucesso! Tente ser fiel aos fatos e não aumentar demais a glória do momento. Se não perde a graça, porque a graça é ser fiel. Quanto mais verdadeiro, mais clara e colorida será a cena projetada. Uma vez feito isso, você terá posto rédeas definitivas em sua mente e mostrado a ela quem é que manda no pedaço.

Em seu seu caderno - ou blog - estará registrado o filé da sua existência. Pra você e para a posteridade, o que é mais interessante! E através da leitura e releitura você poderá ser gentilmente conduzido às cenas que realmente interessam; à área VIP do seu passado!

Vá por mim: escreva. É a única rédea que seu cavalo xucro ainda aceita.

29 de fev. de 2016

Fernando Pessoa



"Andorinha que vais alta,
Porque não me vens trazer
Qualquer coisa que me falta
E que te não sei dizer?"

27 de fev. de 2016

Anjos e Demônios


Não sabemos de NADA do que se passa nos bastidores do poder. De NENHUM tipo de poder.

Multidão é sinônimo de desinformação e manipulação. Alguém já disse por aí que a tarefa dos meios de comunicação nunca foi informar. Tudo é apenas entretenimento.

Guerras, revoluções, acordos, alianças, valentias, proclamações... Parte das caixas-pretas da história só começam a ser abertas uns 50 anos depois dos acontecimentos e mesmo assim com reinterpretações estranhas. Nada nem ninguém é confiável: nem quem conta a história em seu momento, tendenciosamente, nem quem a conta depois que seus protagonistas calaram e já não podem retrucar. É tudo um novelo repugnante.

Enquanto isso a Verdade sai pela porta dos fundos com sua capa preta...

22 de fev. de 2016

Maré mansa *

Aquele momento na vida em que nenhum lugar é mais desejado do que a casa da gente. Não me convide pra nada hoje, please. 

Meu Deus tô ficando velha! 

Sentindo um prazer enorme em ver o apartamento arrumado, tudo cheirosinho em seu lugar, eu indo do quarto pra sala, da sala pra cozinha, vagabundando de camiseta e calcinha e ninguém enchendo o saco. Meu bairro é silencioso. Olho pela janela e vejo só vejo prédio, retalho de céu, nuvens, antenas e passarinhos pretos; e o terreno baldio onde, nesse momento, milhares de famílias de mosquitos estão se estabelecendo alegremente. Não quero me preocupar com isso. Aqui dentro está tudo ok e eu não desejo sair daqui por nada. Meu mundo, minhas regras. Uma placa: proibida a entrada de mosquitos. Resolvido. 

Não saio. Nem para ir ao cinema. Nem para fazer comprinhas. Encontro-me absolutamente contente, de cabelo e cara lavados, sentada na cama com o notebook no colo. Vez por outra olho o espelho do armário e olho para mim mesma. Às vezes sou minha melhor amiga. Não preciso sorrir.

De repente um breve suspense: será que esqueci de algum compromisso hoje?  Pego rapidinho a agenda e... tudo bem: dia livre confirmado. 

Estou contente e aconchegada em meu lugar seguro, embora eu não possa me livrar completamente daquela sensação de que depois da bonança vem a tempestade. É uma maldade do cérebro ter que me lembrar que ninguém vive na boa para sempre e a gente tem que estar esperando uma bordoada da vida vez por outra. Mas depois penso nisso. Se tiver sorte a bordoada virá por conta dos mosquitos. É a coisa menos cruel que eu consigo imaginar para quebrar essa maré mansa. 



18 de fev. de 2016

A estrela e a lontra

O tempo passa. Tudo bem, todos sabemos disso.  Um tanto deprimente é quando um acontecimento aleatório, eventual, nos tira desse conhecimento teórico para a constatação visual.

Esses dias "reencontrei" no Facebook  uma antiga amiga de colégio de trinta anos atrás. Enviei a solicitação de amizade, disse quem eu era e ela me adicionou. Não se lembrava de mim, ficou claro, mas adicionou.

Ela sempre fez o tipo comportada-chique. Não se metia na bagunça nem em nenhum tipo de baixaria. Não lembro de te-la ouvido falar palavrão. Tínhamos um bom relacionamento mas não eramos íntimas. Estávamos sempre juntas porque ela sempre sentava ao meu lado - nunca entendi bem o por quê. Acho que porque eu era apagada e quietinha e ela não queria perder a aura. Conversávamos cordialmente mas sem confidências, intimidades ou risinhos.

Ela era tudo o que eu queria ser. Alta, magra, porte de menina rica. Educada. Pele alva e sem manchas, cabelos escuros, longos, sedosos, sempre limpos. Cabelos perfeitos, corpo perfeito, pele perfeita. O rosto não era perfeito; ela não era exatamente bela de rosto mas estava muito, muito longe da feiura. Seu rosto era muito anguloso, com maçãs salientes e nariz arrebitado muito pequeno. Tinha cara de gato. Mas o conjunto era maravilhoso, fresco e altivo. Nariz sempre empinado mas só por postura: não era metida. Falava com todo mundo, tratava todos bem mas pairava acima de qualquer vulgaridade. Nada sujo a tocava. Acho que nem mosca pousava nela.

Estudávamos em uma escola pública. Isso não quer dizer que a minha amiga fosse pobre. Não era. Naquele tempo as escolas públicas ainda prestavam.

Ela era dessas meninas que todos os meninos querem mas poucos tem coragem. Dessas que tratam todo mundo bem, muito polidamente, só porque é assim que as princesas fazem.

Esmalte e maquiagem era para as fracas: ela não usava. Cara lavada, imaculada. Suas roupas não amassavam, a meia não escorregava (sério!), a blusa não saia de dentro da saia, não grudava lama no sapato, a letra era redonda, os cadernos não faziam orelha. Era filhinha de papai.

Eu era sua melhor amiga, só que ela não sabia.

... Então a vi no Face. O ar sereno e altivo foi substituído por um sorriso simples, alegre e sem mistério. Boa troca. Mas o rosto está cheio de rugas. Meu Deus, quantas rugas!  Os olhos não brilham como antes. Também ficaram menos amendoados. A boca perdeu o atrevimento.O cabelo parecia outro cabelo. Era tudo, menos de seda.   Seu viço foi-se.

Fiquei triste e chocada. Claro que sou uma besta. O que eu esperava trinta anos depois? Só o fato de ter se mantido magra e sem barriga já é um grande feito.

Em seu álbum pude ver uma  foto solitária da sua juventude. Uma única foto que confirmava cada palavra de tudo que eu disse. Lá estava ela, luminosa e fresca. Brilhava serena como uma estrela neon. 

E eu, que me sentia uma lontra...  Hoje ela está menos estrela e eu, menos lontra. A vida nos faz dessas coisas.

11 de fev. de 2016

Momento sensível



Assim, do nada, deu vontade de me abrir e me dar uma humilhada. De leve. Contar pra vocês de uma situações em que simplesmente tenho pena de mim.

Tenho pena de mim quando saio de casa depois de levar um tempão me maquiando. Aí chega uma pessoa super bem intencionada e tenta me ajudar com respeito às manchas de melasma no meu rosto. "Já usou tal produto? Olha, tenha uma amiga que tinha esse problema e se deu super bem!"  A parte comovente dessa historiazinha é ter ficado tão claro, depois de quilos de maquiagem, que não adiantou nada. Dá sim pra ver as manchas e aquela sensação de "agora sim, acho que ficou melhor" é totalmente ilusória. Aí na primeira oportunidade me olho novamente no espelho e juro que não vou mais me dispor a passar o dia todo com aquela sensação desagradável de cara melada se não adiantou nada. Então chego em casa, lavo o rosto e constato pela milésima vez que a diferença agora é tanta, mas tanta, que volto atrás. Vou me maquiar sim até o último dia da minha vida.

O drama maior não é a mancha aparecer. O drama maior é eu me importar com isso e gastar tanto tempo e dinheiro tentando esconder o "inescondível". Pobre Cristina.

Tenho pena de mim também quando chego a acreditar que evoluí. Eu era tão fechada com as pessoas antigamente! - digo a mim mesma. Agora, depois de muito esforço e auto lapidação, sou mais sociável e quem sabe até simpática.Aí um dia, de repente, alguém deixa claro que não fui atenciosa o suficiente  ou que fui um tanto grosseira.  Cai na minha cabeça um balde de desapontamento. Não houve sucesso: meus esforços para ser uma pessoa legal foram inócuos. Odeio concordar, ainda que por segundos, com os que afirmam que ninguém muda, tudo isso é ilusão, cada pessoa é o que é e pronto.  Fico pensativa por um tempo e indecisa entre a delícia de me dar trégua e a delícia de acreditar que posso cultivar e colher, em mim, as virtudes que vejo no outro.

Não consigo ser melhor. Mas essa não é a parte comovente. A parte comovente é eu nadando contra a maré por sentir tanta necessidade de ser o que não sou. É como ver que a maquiagem não deu certo.

O drama maior não é eu ser como sou. O drama maior é não me aceitar assim e estar tão convicta de que vale a pena me importar tanto.

Só mais uma: fico com pena de mim mesma quando constato, na festa, olhando a mesa posta, que não sei aprontar uma mesa de festa de forma minimamente elegante. Tudo parece meio jogado, sem estética nem delicadeza. Tá, mas o que isso tem de mais? Talvez tenha a ver, ainda, com a maquiagem. Não sou uma pessoa fina, não sei ou não tenho a menor paciência para providenciar as inúmeras minúcias que resultariam numa "mesa de revista" -  mas eu quero!

Uma mesa bem posta é bonito e quero ser capaz dessa boniteza. Mas não sou. Por fim olho meio desolada para o fruto das minhas pobres mãos. Queria me filmar olhando pra mesa da festa. Queria filmar só para olhar depois e me sentir pior. Todos temos um pouco de masoquismo.  Pois é: ali, no meio da sala, estampado para todos, está a minha mesa desajeitada e grosseira - como eu.

Novamente digo que a mesa não é problema. A falta de jeito também não seria problema. O problema é o meu olhar desolado sobre ela, um olhar que me escapa  por um segundo mas cato depressa e meto no bolso como se fosse uma borboleta esfarrapada e fujona.

Pois é, taí eu.


7 de fev. de 2016

Amor com sede


Em alguns casos ter vergonha é uma vergonha.  Mas nada é tão reconfortante quanto descobrir que nossos amigos tem as mesmas fraquezas nossas e que, afinal de contas, somos farinha do mesmo saco. Certo dia li  no finado blog de uma amiga a seguinte confissão:

"Quando era criança tinha muita vergonha. Assim como qualquer menina (o). Mas o quê eu tinha vergonha mesmo era de dizer "Eu te amo" para minha mãe. O tempo passou. Continuo passando e o constragimento permanece. Em menor escala, mas permanece. Na verdade, atualmente procuro fazer diferente. Isso porque hoje em dia tento logo falar quando amo alguém. Amor é para ser dito, gritado, esfregado na cara do mundo. Afinal, o único acordo que fiz com a vida foi ser feliz. Se não for assim, me mata logo..."

Sempre me senti assim com minha mãe. Passei a vida tentando dizer "eu te amo" sem palavas mas nunca adiantou muito. Embora as pessoas advoguem que as atitudes falam mais alto - e falam mais alto mesmo -  ainda assim as palavras são indispensáveis e insubstituíveis.

Atitudes devem somar-se às palavras, jamais tentar substituí-las.  "Te amo" sem palavras não passa de uma desconfiança. "Te amo" sem atitude é apenas uma mentira.  O "te amo" verdadeiro é um bem-casado de palavras + atitudes. Tem que pronunciar sim. Não tente fugir disso.

Lamento muito minha desprezível timidez. O castigo para pessoas assim é que jamais sentem o descanso feliz do amor plenamente revelado.  O amor, para elas, vai ter sempre um "quê" tristinho, uma dorzinha, uma sede que não passa. O amor que não se diz é o amor com sede.

Por quê às vezes é tão difícil dizer "te amo"?     É compreensível que nos envergonhemos de dizer "estou com inveja" ou "espero que tudo dê errado em sua vida". Mas o que há de constrangedor em dizer que EU TE AMO?

Por quê tantas coisas que deveriam ser simples acabam embaralhando? Por quê me exponho tanto aqui, no blog? Por quê você não comenta minhas postagens?

Tá vendo? A vida é cheia de mistérios.

2 de fev. de 2016

Desespero e aflição


Há desespero nas águas quando saem dos esconderijos. São frias e assustadas, quase humanas. Dirigem-se à perdição, brancas e magérrimas, geladas como os condenado prestes à execução. Elas vem de um rio escondido, de ventre sofrido e arranhado por mil pedrinhas, revolvido por peixes estranhos, folhas órfãs, galhos e cabelos de moças que desistiram de viver. As águas, elas se jogam num momento de pura coragem e só são vencidas pelo medo quando já estão no ar e não há mais salvação.  Por um momento se desesperam mas depois se entregam, quebram-se,  desfazem-se em milhões de cacos redondos, gotículas de beleza preciosa. Pérolas brancas e fugazes.

Às vezes são leite espumante mas jamais champagne. Não conseguem. Abrem no ar um véu de gotículas, fina rede capaz de acolher um arco-íris inteiro.

Há desespero nas águas
Quase humanas em suas mágoas...

Gosto quando por instantes pairam no nada antes da queda final. Quando por fim despencam, suicidas, sua última visão são as pedras lá embaixo. Trêmulas. Horrorizadas. Parte do véu se desfaz . Há uma fuga envergonhada para as margens dos lagos. Desintegração e adeus.

Há então desespero nas pedras, aflitas, que não lhes pode socorrer. Quantas mortes apararam? Quantos olhos de vidro! Quantos cabelos e vapores brancos já alisaram suas cascas frias!

As pedras queriam ser parteiras mas só aparam o adeus.

Às vezes penso que toda beleza do mundo se despede o tempo todo e nunca chega a ser o que queria. Tudo são abortos sugados para o centro escuro do mundo.


REALIDADES BRASILEIRAS