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28 de jun. de 2008

Considerações de uma mente desocupada

(...ou "Quatorze passos para o nada")

1- Por que não levanto e vou dar uma corridinha?

2- Por que eu deveria dar uma corridinha?

3- Porque fazer nada é bom mas incomoda e trabalhar é chato mas faz bem à consciência? Não dava pra ser o contrário?

4- A corridinha vai melhorar minha vida em quê?

5- Quem não dá corridinha é menos feliz do que eu?

6- Continuar aqui deitada vai me fazer algum mal?

7- Se eu nunca mais me exercitar, qual maldição terrível se abaterá sobre mim?

8- Eu ficaria muito deprimida se descobrisse que a minha versão sem-ginástica e sem-adoçante não seria ao final das contas nem um pouco melhor do que o que sou hoje? (Essa foi profunda...)

9- Ficar deitada pensando abobrinha e depois sentada escrevendo abobrinha diminui minha imagem perante meus semelhantes?

10 - Eu sou muito semelhante aos meus semelhantes?

11- Ficar deitada morgando é "curtir as férias"? Ou tô perdendo tempo?

12- Já fiz a minha boa ação do dia?

13 - Que raio! Escapei da corridinha e agora vem a cobrança da boa ação do dia? Só posso estar doente. Por que eu deveria fazer uma boa ação hoje? Vou confeccionar uma camiseta: "Aceito de bom grado as SUAS boas ações."

14 - Férias só do trabalho? Então não adianta... Bom mesmo é se disfarçar de outra pessoa e tirar férias de mim mesma.

Taí: finalmente uma boa idéia. Tá vendo o que é ócio criativo?

Cristina Faraon

27 de jun. de 2008

Santo Sepulcro


Esses dias eu estava procurando uma foto da tal Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. É o lugar onde, mais provavelmente, Jesus foi sepultado. Felizemte ele foi inquilino do tal imóvel por muito pouco tempo, mas mesmo assim o local ficou famoso. Tão famoso que resolveram estragar tudo.

Pois é, procurando no Google deparei-me com essa foto deprimente.

Caramba, ressurreição na minha mente remete a alegria, vitória, fé, otimismo, o bem vencendo o mal, luz, anjos, eu no Céu de vestido branco e os cabelos para sempre sob controle, claridade, alegria enfim. E olhe só! Olhe para essa cena modorrenta. Cheira a mofo, cheira a vela e a pano velho.

Pra piorar olhem o jeito desse homem. Olhem a alegria, a animação desse infeliz. Parece que todas as contas dele vencem hoje. Ou que ele está com uma crise de gota. E sofre de azia. E a mulher dele dorme de jeans.

Que desânimo, que desalento, que vontade de morrer! Quando sair daí ele vai ser jogar debaixo do trem. Ou debaixo do camelo, já que estamos no Oriente. É um suicida em potencial.

Dá vontade de dizer pro cara: "Meu amigo, vá para casa. Vá, vá! Jesus não vai se chatear não, fique frio. aliás faz tempo que Ele não vem aqui porque esse ambiente é muito deprê. E pára de olhar essas velas, que saco! Vela não responde prece, rapaz. Vá embora que esse ambiente está te deixando pra baixo, tá te broxando. É mais fácil você dar de cara com o Nosso Senhor durante um passeio no parque do que aqui. Vá pro bar com os amigos. Vá pra casa, Padilha!"

Que fotinho filha da mãe.

Afinal de contas pra quê construir uma igreja-tumba e estragar todo o cenário original? Que mania mais chata essa de construir um monstrengo encima de cada ponto hitórico!

Acho que os americanos deveriam tomar providências urgentes (calma!) no sentido de fazer um parque "Jerusalaico" (em Orlando) onde todos os ambientes originais sagrados do cristianismo fossem reconstituídos da forma mais fiel possível ao original. Como? Sei lá, não interessa. O importante é livrar os fiéis de sucumbir ao desânimo na tumba de Cristo. E os computadores estão aí para isso mesmo: cruzar dados históricos com geográficos, somar , dividir, multiplicar por milênios, subtrair erosão, cruzadas, império romano, turismo ao quadrado, igrejas... e chegar finalmente à "verdade" dos "fatos". Sim, uma parque tipo a Nova Jerusalém em Pernambuco, só que mais completa e com o padrão americano de produçao de sonhos.

A religião pode não ganhar nada e os investidores podem ficar ricos. O que importa? Fundamental é afugentar o sorumbático e livrar os cristãos de verem, diante de suas caras, a devoção virar "devo-cão."

Cristina Faraon

18 de jun. de 2008

Passô...


Acho que estou curada da "maldição da sexta feira".

Esses dias, quando dei por mim, notei que aquela nuvem preta que pairava sobre a minha cabeça todos os finais de tarde de sexta feira se foi. Parece que para sempre. Era tipo um encosto. Eu hein!

A última novidade agora saõ as nuvenzinhas cinzas. Foi- se a mãe (nuvem preta) mas ficaram os filhotinhos (nuvenzinhas cinzas de final de tarde).

Todos os finais de tarde minha aura vai amarelando, amarelando... Happy hour? Só se for na rede.

Sabe aqueeeeeele sono? Aquele sono consistente, gordo-arredondado, com massa, pesado e fofo?

Final de tarde me cai na cabeça um sono assim... como uma grande trouxa! Essa é a melhor definição. Pois é, ele cai e quase me achata. Aí meus movimentos vão ficando em câmera lenta.

Levantar? Andar até o carro? Achar as chaves na bolsa enorme? Ai como dá trabalho! E o trânsito? "Engarrafalento", flanelinhas, zilhões de semáforos que avermelhando mal eu me aproximo deles... Gente, nessa cidade tem mais semáforo do que carro. Mais do que buraco! E olha que isso aqui está mais para solo lunar!

Huaaaaa... Quero um motorista. Alto e forte. Brincadeira; pode ser baixo e fraco, desde que me leve para casa e me poupe de dirigir.

Estou com as pálpebras a meio-mastro... Prefiro pensar que seja verme. Velhice é sacanagem!

Fui.

Cristina Faraon

15 de jun. de 2008

The Day After

Datas especiais...

Claro, foram criadas por nós mesmos. Finalidade? Sair da rotina.
Acho um negócio bem bolado essa inveção. Dizer, sem mais nem menos, que tal dia é diferente dos outros. Ou que tal dia se repete todo ano. Claro que é mentira! Nada se repete! Se fosse possível repetir, juro que eu consertaria um monte de coisas.

15 de junho de 2008 só acontece hoje mesmo. Mas posso fazer de conta que nos anos seguintes acontece tudo de novo ... e brincar disso! Por que não?

Essa pode ser uma linda ilusão inofensiva e eu não tenho nada contras certas ilusões inofensivas. A vida é assim, "o nosso amor a gente inventa pra se distrair" - como já dizia o Cazuza. As nossas datas a gente também inventa pra se distrair. O problema é quando essa distraçãozinha, esse bichinho de estimação criado em laboratório, se volta contra nós. Ingrato!

Tenho uma proposta: jubjugá-lo.

Se esse bichinho se voltar contra nós, podemos nos insurgir contra ele com toda a força da nossa liberdade.

Datas adoram ser lembradas. Datas adoram ser obedecidas. Datas adoram dizer como as coisas tem que ser e como elas querem ser comemoradas. Querem homenagens, incenso. Tudo bem enquanto isso for divertido - mas SÓ enquanto for divertido.

E quando a gente tem que sair do trabalho, pegar um trânsito miserável, tomar um banho as pressas sem a liturgia que o momento merece... E temos que escolher uma roupa correndo e um lado do sapato fugiu de casa? E que tal retornar resignada ao volante novamente suada, morta de cansada e doida para a noite terminar mesmo sabendo que ela ainda nem começou?

E quando só aí lembramos que ainda não compramos o presente? Hein? Que tal esse pesadelo? Sabe o que é isso, amigo? É aquele bichinho de estimação chamado Data Especial rosnando contra você - contra nós, que só queríamos nos divertir com ele!

E quando tudo o que queríamos na vida era uma sopa quente e lençóis macios? E quando a maior festa do mundo está dentro de casa e a melhor cerveja reside na nossa própria geladeira? E quando o silêncio é a mais desejada de todas as companhias? O que fazer?

Desobedeça. Isso mesmo. A Data Especial foi criada para te divertir e não o contrário: você não foi criado para servi-la. Revoltemo-nos! Boicotemo-la! Ignoremo-la!

Implicações: quais as implicações desse boicote? Alguma maldição nos espera? Fique tranquilo. O pior que pode acontecer é você ser considerado esquisito, anti-social, excêntrico ou miserável. Cabe a você decidir se vale a pena. Eu estou achando que vale. Sério, cansei!

Em caso de froxura, tenho uma outra sugestão: ao invés de ignorarmos os miados da Data Especial e matá-la de fome, que tal darmos sua ração só no dia seguinte?

Não entendeu? Estou propondo o início do Movimento do Dia Seguinte. É uma medida menos drástica, portanto, mais suave. Eu explico:

Diga para o seu namorado que não suporta mais as filas em restaurante no dia 12 de junho nem o desespero nas lojas. Afirme que isso tira toda a sua tesão. Combine com ele fazer TUDO no dia seguinte, só que na, com capricho sem stress. Será que ele vai se revoltar? Duvido. E você se livra do salão lotado e poderá fazer sua chapinha feliz da vida no dia seguinte, juntamente com as unhas e a depilação.

Dia das mães é a mesma coisa, bem como Natal e tudo o mais. Acho que até descontos especiais poderemos conseguir nas lojas, nos restaurantes, nos hotéis se tão simplesmente empurrarmos com a barriga a tal Data Especial para o dia seguinte. Xô!

Cadê o espirito rebelde da sua adolescência? Pois é, acione-o!

Eu estou decidida a dar início a esse movimento. Chega de cabrestos! Acho que isso só não vale para enterros porque aí ia ser complicado. Convencer o moribundo a morrer só no dia seguinte... E adiar o enterro para ter mais calma para os preparativos seria complicado...

É, não daria certo em caso de óbito mas em tudo o mais esse movimento pode ser aplicado ou adaptado. Ou ampliado!

Eu mesma estou adiando essa postagem há dias. Só hoje resolvi que quero publicar. E daí? Vai me processar? E Papai Noel que se cuide. Ele vai ser a próxima vítima.

The Day After - nada mais libertador. Tô dentro.

Cristina Faraon

7 de jun. de 2008

Nada


Ele está na cozinha. Eu estou aqui.
Estamos calados. Não falta assunto - sobra.
E tanto sobra que aflige
E tanto aflige que cala. e Tanto cala que pesa.

Não voaram pratos nem sapatos
Nem pássaros ou corações transpassados
Tudo está inerte e em seu lugar
E tudo espera. Tudo.

Menos o tempo.

Cristina Faraon

Bulmerangue

Bulmerangue não é aquele treco que você joga mas ele volta, teimosamente, e ainda acerta a sua testa?

Você já viu um bulmerangue ao vivo e a cores? Sabe o tamanho que tem, o peso... E sabe se é verdade que ele volta sozinho pra casa?

Sempre quis ver um coiso desses mas não encontro vendendo em nenhum lugar. Ainda existe ou foi extinto?

Acho que bulmerangue é como enterro de anão: a gente sabe que existe mas nunca viu.


Mas por que estou dizendo isso? Bebi demais? Não, nem de menos. Estou com a garganta e a alma secas. Estou triste porque existem relacionamentos parecidos como bulmerangue. Não no sentido de a pessoa nunca ir embora de vez, mas no sentido de todo o "não" que a gente diz acaba voltando e acertando na nossa testa.

Há relacionamentos não rigorosamente a dois. E o "não" é considerado uma terceira pessoa.

A descoberta da escada - uma nova paixão


Bem que eu desconfiava mas ontem tive certeza: alguma mudança se não assustadora, certamente curiosa esteve operando em mim, na surdina. A que se deu? Sei lá. A última hipótese é velhice.

Ontem abri meu armário e tirei uma embolorada fantasia de "Mulher Animada". Plano: assistir o show do Roupa Nova. Sono, preguiça, vontade de não ver a cara de ninguém mas fui forte! Sou forte! Sou uma mulher ou um rato?
Não vou resumir minha vida a ganhar o pau - digo, o pão de cada dia. Nada disso. Diversão é preciso e se eu estava desanimada, lá eu seria energisada com certeza. Muita fé nessa hora
Fui. Na pista. Uma hora e meia em pé antes de qualquer acorde ser tocado. UMA HORA E MEIA DE PÉ!
Os caras de preto tiveram o dia inteiro para arrumar o palco mas resolveram faze-lo quando o público começou a chegar. Sei lá, devo andar desatualizada. Vai ver que faz parte do show, pra criar clima, expectativa. É, devia ser isso.

Hordas de gente feia (desculpaê!) entrando resoluta no salão, tomando cada recanto, cada palmo de chão e se apossando de cada pedacinho de ar, respirando-o gulosamente e devolvendo tudo já fungado para a atmosfera. Credo!
Ninguém os detinha. Todos sorriam mas dava medo assim mesmo. Uma minoria tinha mais de um metro e sessenta. Melhor pra mim.

E a hora passando. E o calor aumentando. E a banda que eu pensava que iria anteceder o Roupa Nova que não aparecia? Cadê a banda "pré-show?" perguntei inocentemente. A "banda" era a música eletrônica que já estava "tuntunzando". Ah tá.

"Tudo bem, estou animada, estou animada, estou animada, não estou com sede, não estou com sede, não vou fazer xixi, não quero ir ao banheiro, não quero, não quero, meus pés não vão doer, meus pés não vão doer..." Aproveitei o tempo vago e o espaço exíguo para repetir essa reza desesperada.

TUM-TUM-TUM!... Ah que legal. Maior clima... Não parava de entrar gente. Foi ficando abafado. Depois de alguns minutos já podíamos cheirar o suor dos nossos companheiros e sentir seu hálito quando falavam, tal era a proximidade entre nós. Calor humano e calor desumado se misturavam. E eu pagando por isso.

Enfim, depois de muita espera eles chegaram. Aplausos! Gritos! Pulos! Mas minha bateria já estava pela metade. Achei mais sábio ficar quietinha mesmo.
De onde vinha aquela alegria insana? Será que aquele povo estava animado mesmo ou era só onda? Se estavam, a esquisita era eu, certamente. Mas eu não quero ser esquisita!
A multidão entrou em extase quando surgiram os artistas: uns simpáticos senhores com pouco cabelo. Uns amores! Cantavam, tocavam, dançavam, davam palavras de ordem... Só faltou fritarem tapiocas do palco e tirarem a roupa.

Meu Deus, que baruho infernal! O som estava regulado na letra D de Desumano e ninguém achava estranho. A vida é assim?
E eles mandavam para o público gritar, pular, levantar as mãos... Por que? Que estranho ritual era aquele? Nao tava bom a gente apenas pagar e ouvir? Ainda tinha que participar naquele contexto apocaliptico?

Limitei-me a sorrir e a balançar um pouco meu corpo exausto para nao parecer uma estátua, mas em dado momento me perguntei: o que está acontecendo comigo? Não consigo encontrar o motivo para aquela animação. O que é que eu to fazendo aqui?!

O grau de exigência do povo paraense é absurdamente baixo. O ambiente estava tão lotado que era mais fácil você morrer de sede do que atravessar o salão para comprar uma bebida. Além disso só de pensar que em quinze minutos eu teria que lutar com a multidão para ir ao banheiro, passava a sede e a... parava com suas exigências.

Horas de pé, um calor insuportável, o volume insano do som, pessoas me apertando, esbarrando, roçando, abanando o cabelo na minha cara... É a isso que chamam "ir para a night" ? Isso que é curtir muuuuito o fim de semana?
Sou de Marte.

Eu olhava as pessoas, via os sorrisos e pensava: tá todo mundo fingindo, só pode ser! Claro, pagaram o ingresso e não querem ficar com cara de enterro para serem chamados de chatos pelos amigos. Não é possível que não sestejam sentindo o suor escorrer até o umbigo, as costas doerem, o esfrega-esfrega.

Velhice? Mas haviam velhinhas lá que me pareciam animadas. Mais estranho ainda.

Sei lá, acho que durante alguma noite de lua cheia e janela aberta um ser peludo e dentuço chupou minha alma - e não foi o Nelson. A especialidade dele é outra.

Eu queria tanto me divertir! Mas me senti um peixe fora dágua. Não digo isso me referindo as pessoas mas ao desconforto.

A melhor parte do espetáculo foi quando saí do salão e sentei na escada, do lado de fora. Que maravilha, que anatômica! Nunca pensei que uma escada pudesse ser tão confortãvel. Estou até pensando em espalhar escadas pela minha casa: na sala, no quarto, no banheiro, no escritório... Para dormir, descansar, estudar, fazer refeições... tudo na escada. Transar na escada! REceber amigos na escada! Ler na escada! Meditar na escada!
E que tal lançar um sapato cujo salto seja em formato de escada? Conforto absoluto, sucesso total!

Vou patentear a idéia. Picadilly que se cuide!

Cristina Faraon

22 de mai. de 2008

Valeu, Jessé!

Amigo, você cantava pra caramba. Te dei o maior holofote aqui no meu blog porque você realmente merece. Obrigada pela participação. Que tal agora você dar uma descansada na voz, fazer uns gargarejos... Sei lá, tirar mais umas férias - ou melhor: continuar suas férias!

Ratifico tudo o que escrevi sobre você esses dias mas admito que eu estava um tanto sorumbático-emotiva. Não que você assim o seja, mas a vida assim o é. Tipo assim, entende?

No seu tempo aqui na Terra ainda não haviam inventado o "tipo assim" nem o "ninguém merece", mas acho que deu pra entender.

Não renego meus momentos dolorosos-poéticos. Eles são válidos e cálidos, só que nem só de lágrimas vive a Cristina.

Em assim sendo...

Entre as inúmeras atividades interessantes propostas pela vida, hoje dediquei-me a navegar pelo Youtube. Claro que fiz isso pensando em você - também.

Assista o vídeo do Repórter Inexperiente e comprove: cara, esse cara é o cara!

Já choramos juntos, agora que tal rirmos?


Cristina Faraon

13 de mai. de 2008

Porto solidão

"Se um veleiro repousasse

Na palma da minha mão

Sopraria com sentimento

E deixaria seguir sempre
Rumo ao meu coração

Meu coração, há calma de um mar

Que guarda tamanhos segredos
De versos naufragados e sem tempo

Rimas de ventos e velas

Vida que vem e que vai
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais"

Jessé

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Entregar-se à beleza é quase que sinônimo de entregar-se a dor. Semelhantemente é assim com entregar-se ao prazer.

Há um pacto sinistro entre a Beleza e a Dor e um quê de fatal nessa cópula. Talvez um ritual estranho e inevitável: é assim porque assim é.

Não se trata exatamente de uma paixão maldita, mas essencial. . Esse coito doloroso é o sentido da vida , é entrar pelo portal e chegar à animalidade dos anjos.

Prazer querido e negado, buscado e doloroso, assustador e inexorável, primitivo e sofisticado. Aura sagrada, terreno não sujeito a análise.

Entre a Beleza e a Dor há uma aliança de sangue fatal e visceral. Toda a violência essencial que nos gerou e que nos impele reside aí nessa caverna. é a maternidade dos poetas e dos anjos.

Beleza e Dor ou Prazer e Dor...

Prazer é a beleza em sua forma palpável. Prazer é quando conseguimos pegar a Beleza sujeitá-la, traze-la entre os dentes para que se debata até a morte... e mansa ressurreição.

Vinícius de Moraes, tradutor e porta voz da Paixão, revelou-nos que todo amor só é grande se for triste assim como todo poeta só é grande se sofrer.

Porto Solidão é mais que uma música: é um desses momentos nos quais a Beleza, como uma deusa irresistível, traz nas maos a lâmina da dor e o ritual segue implacável. Que estranha subversão da lei da procura do prazer!

Porto Solidão evoca coisas antigas e sagradas em mim e de mim, coisas que não sou capaz de entender - menos ainda de explicar.

Gosto do que nao se explica. O inexplicável traz a essência da verdade. Em nós, é o que temos de mais autêntico.

Entre as névoas do nosso ser, Beleza e a Dor se debatem em gozos.

Cristina Faraon

26 de abr. de 2008

Vil preconceito


Mal tenho coragem de me olhar no espelho depois de tudo. Minha imagem me torce o nariz e fala com desdém: "Você hein! Que decepção! Como tem coragem? Queria que todos os teus amigos soubessem!"

Sim, essa é a voz implacável da minha consciência, que não aprendeu a relevar, só a revelar. Tudo porque num dia desses...

Em um dia desses eu estava purgando parte dos meus pecados em uma sala de espera de um consultório médico. Em dado momento vi entrar uma adolescente.

Ela era linda! A ponto de, mesmo baixinha e muito mal vestida, chamar a atenção de todos - inclusive a minha, que não tenho o menor pendor para ser sapatão.

Sabe essas princesinhas de contos infantis? Pois é. Seu rosto era delicado e os lábios, muito especiais. Pequenos, mas denunciadores. Uma entregação total. O beicinho atrevido depunha contra a imagem de inocência que a visão do conjunto nos impunha de início.
Com a devida produção aquela princesa rôta poderia estar na televisão, em qualquer revista ou propagandas. Que rosto lindo! Que expressão cândida! Que pele clara!
... E que pobre!

Caramba, como uma anjinha daquela poderia andar tão esculhambada?
Se fosse rica e bem vestida sua imagem combinaria perfeitamente com qualquer carrão. Seria o tipo de mulher capaz de dilapidar os bens de qualquer marmanjo que ela mirasse.
Um Jaguar lhe cairia muito bem porque junto com o beicinho estaria agora seu nariz empinado fazendo côro. E ela Atenderia seu celular com as mãozinhas rosadas, unhas transparentes e um adorável ar de enfado. E receberia flores frequentemente porque seus admiradores teriam dinheiro para isso. Seria cortejada por empresários tarados, mas pelo menos endinheirado - duas grandes virtudes! Porque tarado pobre ninguém merece.
Ela esnobaria os casados ricos até levá-los à loucura e, por fim, à desistência; mas aos solteiros... seriam mantidos em coleira ou devidamente empilhados no freezer.
Em sua bolsinha Louis Vutton poderiam ser encontradas quinquilharias graciosas, inúteis e caras.
É... ela demoraria a amar. Mas casaria certamente, pouco depois dos 30 e já farta de baladas. Seus dois filhos seriam paparicados por babás gentis dia e noite. Ela, essa mãe dourada, ensinaria canções em francês aos pimpolhos durante as sessões de massagem.
E ela não pegaria sol nunca; seria eternamente macia, branca, clara e limpa... Sempre. Com o passar dos anos sua idade esvaeceria, tornando-se cada vez menos exata, menos calculável e, por fim, irrelevante.

Puf!

Mas não. Lá estava ela diante dos meus olhos com a pele ainda lisa, mas picada de mosquito. Uma mini saia vulgar, um par de chinelos no mesmo nível, top vagabundo aparecendo a barriga pálida e uma cara de quem não sabe nada da vida. E os cabelos? Compridos, ressecados e estranhamente alaranjados. Unhas roídas. Mas é claro que o "Ceará da Taberna" ou o "Bira das Pupunhas" não se importam com essas sutilezas.
Um homem de sensibilidade veria ali uma deusa. Um Zé-Qualquer não pode enxergar nada além de um magnífico pedaço de carne fresca, pronto para ser fecundado por espermatozóides desdentados.
Acho que ela está na idade, pronta para se apaixonar.
Aquela menina deve ser implacavelmente assediada, dia e noite, noite e dia por todos os machos das redondezas. Que lástima imaginá-la com sua breve juventude toda babada por grosseirões descamisados!

Sabem, imaginei que o destino mais próximo dela seja embarrigar. Parece um carma de meninas assim emprenharem antes dos 22 anos. Quem, com tão poucos recursos e vivência, aguentaria firme o constante bater das ondas? Quem, naquela idade, naquele bairro e vestida daquele jeito deixaria de engravidar?

Acho que no segundo filho de pais diferentes ela vai acabar se juntando com alguém que goste dela de verdade e lhe garantirá refeição três vezes ao dia. Só que ele será ciumento, não lhe dará flores nem a levará a lugares inesquecíveis. Bolsa de marca? Tá doida, mulher?

Tadinha... A chance de chegar bonita aos 40 está próxima de zero.
(Eu sou um monstro...)

Você está me achando abominável, não é? Esqueça essa postagem e não diga a ninguém que eu tive a cara de pau de escrever isso. Não vou nem assinar.

14 de abr. de 2008

Emtiví

Não digo que o estilo “jovem enfezado” esteja de todo fora de moda. Nada disso. Eles ainda fazem sucesso com aquela cara antipática e ar de quem acabou de ser injustiçado. É o estilo “infeliz chique” que mais vemos em capas de CDs de rock e campanhas publicitárias (de produtos caros): “Estou coberto de razão, odeio os meus pais e ainda tenho uma banda.”

Bem, por hoje não vamos nos debruçar sobre esses seres trabalhosos. Estou mais a fim de acusar a existência de uma tribo politicamente correta cujo habitat é o planeta MTV. Para começar aprenda a pronúncia: é EMTIVÍ. Anote aí.

O padrão “Emtivi” é bem alto astral. Isso prova que o tremendo esforço para passar a idéia de descontração vale a pena porque de fato o que a imagem deles sugere é “Uau! Tudo é tão legal!”

Os jovens Emtiví não usam drogas (embora a cara seja de quem fuma, cheira, pica, mastiga, enfia...) e tem pais muuuito compreensivos - e jovens também.

Atenção: se seus pais já estão muito passados da casa dos cinqüenta, você já não se encaixa no padrão Emtiví.

Essea tropa colorida pode ficar na rua o tempo que quiser, dormir onde quiser, tatuar, raspar, alterar, perfurar - tudo isso sem perder o charme nem a mesada. E mais: eles tem quartos muito bem transados do tipo “sou doidinho com estilo”. Claro que no final das contas tudo custa uma baba mas aí é que está: o lance é fazer os desavisados (gente como você) acreditarem que basta imaginação para ter um quarto semelhante.

Um ente “Emtiví” gesticula bastante, fala rápido, fala muito, com segurança, sorrindo, usa gírias novas e nem se cospe! É mole?

Pra não ficar tudo muito parecido há também os nerds de boutique - que não deixam de ser Emtiví, claro. São um contraponto necessário. Não usam quase gírias e freqüentemente se comunicam no dialeto internetês. Atacam de química, esoterismo, computador, causas sociais e tem o curioso hábito de conservar as mãos enfiadas no saco de batatas – digo, no bolso da calça.

Boinas e bandanas são bem vindos. Cavanhaque então, conta vários pontos. No caso dos rapazes, claro. Ainda não estudei o efeito do cavanhaque em uma garota de maria chiquinha e meias listradas. Melhor não arriscar agora. Deixemos isso para as próximas gerações.

A orientação é que os carinhas se vistam como se ainda tivessem dez anos de idade. Tipo "cresci demais e não sei bem como acomodar o fêmur". Já as garotas devem primar por usar roupas provocantes – não do tipo Play Boy, mas daquelas que dizem que “eu não sabia que essa roupa te deixava assim, tio”!

Uma autêntica garota Emtiví jamais dá uma de sedutora. A idéia é fazer com que o cara normal se sinta um depravado que não reparou que você não passa de uma menina sem maldade – ainda que sem calcinha.

Sorrisos insinuantes jamais. Uma “Emtigirl” sabe sorrir como se aquele cara estivesse fitando penas os lindo olhos do ursinho de sua camiseta - que por sinal estão saltando.

Como já deu pra notar são necessários vários itens para ser amiguinho da Sabrina Sato. Tente ser bonito e faça cara de rico. Ou pelo menos faça o favor de usar roupas estranhas e, se o salário permitir, pinte o cabelo de azul. Seja autêntico.

Dica: para ser “autêntico” você precisa ser como um deles, sacou? Observe e treine.

A essas alturas você está se analisando... medindo seu potencial, se olhando no espelho... e lembrando desconsolado dos itens de seu guarda-roupas. É... acho que você está fora dessa.

Tudo bem, sua tribo é outra! Você pode não estar no padrão Emtiví mas e daí? Alguém ainda vai te descobrir. Espere (sentado).

Cristina Faraon

REALIDADES BRASILEIRAS