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28 de mai. de 2013

Vovozinhas


Dessa vez meus olhos se voltaram para as pessoas bem idosas, principalmente as mulheres. Notei uma curiosa diferença entre elas e pessoas mais jovens. Não me refiro à obvia diferença visual. Refiro-me ao temperamento, postura, atitude. 

A maior parte das vovós  que vejo são mais delicadas, mais mansas, mais tranquilas e gentis do que os  mais jovens. Observo nas filas, nos supermercados, nos lugares lotados, nas salas se espera dos consultórios. São sempre elas as últimas a se exasperar. Raramente as vemos alteradas armando barraco. Nunca as vejo brigar com as atendentes ou alterar o tom de voz. Parecem mais pacientes e propensas a relevar, a tirar por menos e só observar. E sorrir.

Pergunto a mim mesma se essas senhoras já foram como eu. Quero dizer:  elas são a evolução natural e um dia eu vou ser fofinha como elas? Ou será que tudo o que vejo é o que sobrou de um mundo e de uma educação que não existem mais?  Elas são "a ordem natural das coisas" ou a prova cabal da nossa decadência? Um dia chegaremos lá ou já perdemos o bonde há muito tempo?

24 de mai. de 2013

Oração do Milho - lindo texto de Cora Coralina



 "Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. 
Meu gão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.


Sou a planta primária da lavoura.  Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal.  O Justo não me consagrou Pão da Vida, nem lugar me foi dado nos altares.  Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre. 


Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo.  Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito. Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário.  Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha.  Sou apénas a fartura generosa e despreocupada dos paiois.  Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.  Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.  Sou o carcarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.   Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessária e humilde.  SOU O MILHO"

Cora Coralina

21 de mai. de 2013

A noite, na estrada

Não gosto da estrada à noite. Ela é estranha e triste.
Difícil eu me sentir feliz na estrada, à noite. Enquanto o carro balança, do fundo do meu rio são evocados fantasmas incômodos e amargurados.

Acho que todos os fantasmas são amargurados, se não não seriam fantasmas mas apenas pessoas que partiram.

As árvores na beira da pista parecem querer dizer alguma coisa, acenar talvez. Ou só pedir "fiquem comigo!" É como se soubessem de alguma coisa grave que eu ainda não sei. Da mesma forma que eu, elas olham e sentem a presença dos atropelados que não conseguem sair dali. Ficam parados, olhando também os carros passarem. Eles tem o mesmo olhar perdido das árvores mas elas, vez por outra, ainda olham para nós. Eles não.  Eles parecem procurar alguém, alguém que trouxesse sua memória e os fizessem entender o que estão fazendo ali.

Fico melancólica com esses seres da noite aí acabo lembrando de dores recentes, dores antigas e toda bobagem cinza acaba fazendo sentido. Na estrada, à noite.

Às vezes, na estrada, meus olhos ficam úmidos. É quando me cai no colo aquela solidão sem jeito e sem remédio porque não tem nada a ver com companhia. É solidão numa camada mais funda.

Olho os ciclistas corajosos pedalando por entre os fantasmas. Talvez alguns deles nem existam mais. Eles nem se olham para não se assustarem uns aos outros naquele ambiente estranho. O que faz uma pessoa vaguear assim sozinha pelas estradas? Tenho tanta pena dos ciclistas da noite!

A pior solidão é a da beira da estrada porque é um lugar onde ninguém pára. É um lugar para os fortes.  Acho que também sou forte.

Não gosto de ver aquelas pessoas paradas com o olhar perdido enquanto passo. Sinto por elas algo parecido com o sentimento pelos ciclistas.

O carro, paternal, me leva dali.  Minha cabeça está cheia de lembranças reverentes nubladas.

Meus irmãos ainda pequenos... a mesa de jantar com sopa quente... balões coloridos de aniversário...  cadernos e lápis... Eu, pequenina e amada  ...  as primeiras flexadas de felicidade, o amor ... E pelas costas um frio fatal, uma coisa incômoda.

19 de mai. de 2013

A culpa é dele

Sinto o cheiro de flores de enterro. Tenho medo. Acho que meu blog vai morrer.

O começo do fim foi quando iniciei minha jornada curiosa no Facebook. Aqueles passeios desinteressados, sem profundidades, postagens engraçadinhas, verdades misturadas com mentiras, equívocos memoráveis, tudo isso consome tempo. Mas tempo não é o único problema. O problema é o costume

O Face é um pouco pior do que o Twitter por um motivo: no Twitter somos forçados e postar frases curtas mas no Face  somos forçados a encurtar idéias. Não é a mesma coisa. Se escrevemos muito, ninguém lê. Aí começamos a simplificar, encurtar, reduzir. Tudo isso é o exato oposto do que fazemos no blog, que é minudenciar, analisar, expor com calma. No final das contas isso vicia o cérebro e a gente se acostuma a pensar rápida e rasteiramente. Sou uma vítima.

Desconfio de que para eu voltar a escrever como antigamente terei que romper de vez com o Face.

A vida é cheia de escolhas...

17 de mai. de 2013

Vale de lágrimas *

Todos precisamos de um bom lugar pra chorar. Assim como não podemos mais viver sem o recolhimento discreto dos sanitários, a vida também não deveria nos impor a carga de chorar na frente dos outros. Quando não se tratar de algo intencional para enternecer os outros, chorar geralmente é uma atividade íntima e tímida, que a gente só quer fazer escondidinho. 

Chorar na cama pode ser bom, mas nem todo mundo dorme sozinho. Outra boa opção é o banheiro, mas na hora mais "sentida", pode aparecer alguém, cortar o seu barato e ainda testemunhar seus olhos inchados. Chorar no banheiro do trabalho então é quase como chorar em público. Desaconselho. Os colegas não só espreitam o seu tempo de permanência como ainda espalham historinhas a seu respeito. Batom novo, esmalte em dia, brinco de ouro, tudo isso passa despercebido mas olho inchado vai para o Fantástico.

Chorar na igreja é permitido. Muita gente vai lá só pra isso  ainda sair com bônus: alivia o coração e ainda ganha uma medalha por devoção sincera. Claro que o tiro também pode sair pela culatra e o povo concluir que o choro não era devoção coisa nenhuma mas puro sentimento de culpa por algum pecado escabroso que você acabou de cometer. 

Pensando bem, igreja não.

Cinema então, nem se fala! Só chore se for no começo do filme. Se a intenção for chorar no fim, pelo menos tenha o bom senso de escolher um filme triste, se não quiser sair desfilando com um bottom de "Desequilibrado".

Vou logo dar a dica: decididamente o melhor lugar do mundo para chorar é dentro do próprio carro.  Digo por experiência. O carro é o paraíso dos chorões. Parado ou em movimento, é a bolha de privacidade que todo mundo pediu a Deus. É quase um útero de lata.

Já verti lágrimas memoráveis dentro de carro. Quase me orgulho delas porque ninguém viu nem me molestou com perguntas indiscretas. Não me senti impelida a abrir o coração para ninguém e por conseguinte meu nome não estava nos noticiários do bairro no dia seguinte.  Tudo morreu ali mesmo, no aconchego das películas e bancos grafite. Tenha sempre maquiagem no porta-luvas.

Outro conselho: se é pra chorar, chore com música. Quando a gente chora sem música sempre sobram uns mililitros de lágrimas no reservatório e não é isso que a gente quer. A ideia é zerar o chororô e sair de cabeça erguida.  Sem música você não alcança o efeito desejado pois o alívio não é completo.   


Passo-a-passo: 1) Escolha uma trilha sonora que lhe abale as estruturas; 2) Toque em bom volume sem constrangimento. O volume indicado é quando os graves fazem tum-tum-tum no seu peito;   3)  Não se prive de repetir a música quantas vezes achar necessário, ou seja: até você se sentir ridículo por chorar tanto ou não verter mais nenhuma lágrima. 4) Desconfie que acabou: force a barra, pense em mais alguns outros assuntos tristes. Só quando não sair mais nada é que você estará pronto para enfrentar a sociedade hostil e curiosa.

Depois desse "tratamento" ninguém mais vai te derrubar do salto alto. A musica, quando adequada, solidariza-se com você, é uma espécie de anjo invisível que fica repetindo ao seu lado "Eu sei como você se sente... é assim mesmo... oh, tadinho... Oh!Oh!  ...  você tem razão, toda a razão... Entendo a sua dor...Oh dor... "  Reconfortante. 

O legal é que um bom fundo musical transforma qualquer pavulagem em Choro Procedente. E no carro dá até para soluçar! Não é um luxo?  

Logo depois de chorar sua alma vai estar lavada e enxaguada. Preserve-se: evite beijar na boca por pelo menos uns quarenta minutos. A explicação é que chorar tem efeito contrário a beijar. Chorar alivia, esvazia, mas beijar transforma você em uma panela de pressão. Ninguém se alivia beijando, essa que é a verdade. Beijar logo depois de chorar é o mesmo que fazer musculação logo depois da massagem relaxante. Entendeu? Pois é.

Estou falando em choro para me distrair. Estou com saudade da minha mãe e a melhor maneira de esquecer da propria dor é tratar da dor dos outros. 

Nunca mais vou ouvir sua voz doce me dizendo "Minha filha, Deus te guarde! Que Deus abençôe seus filhos, seu marido. Você é uma bênção! Que ele te faça uma boa mãe e uma mulher sábia..."

Ela sempre dizia coisas assim, me abraçava, comprava algum presentinho (Natal ou aniversário), escrevia um cartão... Hoje não tenho mais isso. Então chorei, choro e chorarei sem deixar pistas.

9 de mai. de 2013

É triste ser bonita...

http://super.abril.com.br/blogs/cienciamaluca/arrumar-emprego-e-mais-dificil-para-mulheres-bonitas/

Você reparou nesse link aí em cima? Pois é onde está dito que foi "provado" que arrumar emprego é mais difícil para as mulheres bonitas. Ei, peraí! Esse pessoal tá doido?

Eles dizem que em vários locais o Serviço de Pessoal é minado de mulheres solteiras nem sempre bonitas. Na hora da entrevista... imaginem o que acontece com uma pobre linda que apareça para ser avaliada.  Ah, a famosa maldade feminina! A porfia! A inveja! O medo de ser relegada! O engraçado é que homem bonito  - dizem - não tem o mesmo problema.

Claro que se o emprego oferecido for para modelos ou apresentadoras de telejornal, as bonitas vencem, mas de um modo geral não é assim. Quer ver?   Encare esse teste (somente para mulheres):

Você tem um homem com o qual divide o teto. Não quer se acabar em serviços domésticos, então resolve contratar uma ajudante. Alguém lhe indica duas candidatas. Você escolhe qual vai contratar:

ESSA?



OU ESSA???





Pois é, eu também.
Os caras têm razão...

5 de mai. de 2013

Fronteiras

Há uma maneira segura de sabermos a diferença entre amor extremado e demência? Entre bondade tipo "Madre Teresa" e doença emocional? Entre entregar os bens aos pobres e a  auto desvalorização doentia?

Há uma linha segura que separe o desejo louvável de servir o próximo do sentimento de culpa crônico? Há algo de real em nossos atos de bondade? Onde está a fronteira que separa o amor da fixação? O otimismo da idiotice?

Acho desconfortável ter uma cartela de etiquetas nas mãos mas não conseguir rotular nada com convicção.  A vida sem rótulos é mais difícil. Estou disposta a facilitar as coisas mas... não consigo.

O que é bondade mesmo? Ela não se confunde com o medo religioso de ser mau?  A negação cega dos nossos maus sentimentos não nos leva ao abrigo de falsos guarda-chuvas de virtude?

Pra piorar: qual seria a vantagem de descobrir a verdadeira face dos nossos sentimentos? Qual a utilidade de nos depararmos com uma necessidade patética de auto aceitação onde pensávamos que só existia caridade pura?

Se eu conhecesse a mente de um santo eu continuaria admirando-o ou passaria a ter pena dele? Ele é um ser elevado ou só uma pessoa doente e que sofre?

Acho que as coisas não precisavam ser tão complicadas...

1 de mai. de 2013

Olhares

Acho que ficamos velhos a partir do momento em que não conseguimos mais olhar para frente, só para trás. É isso o que marca a passagem do tempo, não as rugas.

Aos muito jovens só o que importa é o presente.  Eles não têm passado e ainda não viveram o suficiente para  perceberem que tipo de porcaria se pode colher, dependendo do que se planta. Não, eles não tem tempo de aprender com a vida dos outros nem com a sua própria, que nem parece que está passando. O futuro é tão distante que não merece consideração. É apenas uma ameaça. Há prazer demais no presente. Prazer demais, propostas demais, possibilidades infinitas.

Os adultos são diferentes. Nem sempre eles tem um passado longo ou digno de nota, mas já param para olhar para o passado dos outros e intuir que aquilo deve ter alguma coisa a ver com o presente e, consequentemente, com o futuro. Aí começa o medo. Os adultos, só eles, são os que olham para o futuro. O presente é uma ficção. O presente é  uma tentativa maléfica de fazê-los perder o foco. A vida é o que vai acontecer depois que eu cumprir todas as minhas tarefas - pensam eles. Há prazer demais no futuro. Prazer demais, propostas demais, possibilidades infinitas.

Os velhos... Esses não conseguem ver nada à frente. Eles chegaram no muro da vida. O futuro já era. O que foi, foi. O que não foi, não será mais. Eles são o resultado de uma longa equação que foi sendo resolvida através dos anos. O passado é seu tesouro, sua honra,  identidade, glória e mapa.  Só é seguro caminhar agora tendo em mãos o mapa do passado, que lhes aponta o caminho seguro. Pobres dos jovens, que não entenderam isso!

Nada é mais terrível para um idoso do que a ideia de um passado inóquo, sem sentido, inexpressivo. Quem não tem passado, não tem alma. É preciso ter algo digno de ser lembrado, talvez citado. Um passado que sirva de consolo para o presente e que os faça esquecer da ausência de um futuro.

Jamais roube o passado de um velho. Fictício ou verdadeiro, não importa: isso é tudo o que ele tem. Não invente, não conteste, não corrija, não remende. O passado de um velho é o que ele diz que é, e isso é o único sentido da vida.

27 de abr. de 2013

Árvores entrelaçadas



Gosto especialmente das árvores entrelaçadas. Penso em histórias dramáticas de amor, onde a persistência garante o final feliz. Imaginem quanto tempo é necessário para, finalmente, elas conseguirem se tocar. Talvez décadas de esperançosa busca. Sinto uma certa agonia nessa lentidão.

Tenho mania de emprestar sentimentos às coisas. É um vício mental. Sempre acho que um carro velho vai sofrer quando for trocado por outro. Os sapatos também me parecem muito ressentidos quando são deixados de lado. Panelas velhas, lápis no toco, sutiã desbotado, caneco de plástico, brinquedos surrados, árvores de natal descabeladas, flores de plástico... todos são tão suscetíveis à mágoa! Da mesma forma atribuo às árvores pressa, pressa de abraçar, e fico com pena delas.

A sorte, para as árvores, é que uma vez estando "nos braços" uma da outra dificilmente haverá infortúnio para separá-las. O tempo passará a conspirar a favor, solidificando a união. Duas árvores lançadas aos galhos uma da outra pela força do vento logo serão separadas; quando porém a união se dá na lentidão dos anos tende a ser eterna.

Quem sabe o tempo, da mesma forma, também venha a ser propício aos amantes humanos. Talvez o tempo prefira perpetuar o que conseguimos com espera e sofrimento. Talvez exista uma bênção escondida para os amantes pacientes e irredutíveis.

Bem, talvez não tenhamos nada a ver com árvores, pedras e ventos. Talvez eu só esteja forçando a barra para conseguir ver algum sentido no desejo adiado, na espera, na dor.   Para alimentar a esperança e sofrer menos, vale tudo. Vale até pensar que árvores se buscam, que sofrem mas depois rejubilam. Afinal a quem interessa a vida como ela é?

23 de abr. de 2013

Queria fazer um teste

Queria novamente vestir meu uniforme de Escola Pública com um EP bordado em azul no peito. Motivo de orgulho!

Queria sim vestir aquela camisa branca com minha saia azul marinho de pregas e meias "três quartos". Entrar de novo em formação com os colegas, colocar a pasta no chão ao lado da merendeira, pertinho do tornozelo. Então a diretora da escola iria lá para a frente e puxaria um dos hinos que aprendemos: Hino à Bandeira, Hino Nacional, Canção do Expedicionário, Hino da Independência... Qualquer um eu achava lindo e não tinha preferências.

Quando cantávamos a gente se sentia maior do que era, capaz até algum grande ato de heroísmo.

Se eu voltasse... respiraria fundo debaixo daquele sol ainda morno, já esperando a emoção infalível que me sobreviria. Eu amava os hinos. Eles me faziam acreditar que éramos um povo heróico, forte.

Não me envergonho de dizer que ainda sinto emoção quando ouço nossos hinos. Só que não é mais como antigamente, com aquele sentir peculiar. Hoje tudo escoa para o ralo da saudade com sentimento de perda. Aquela  dor de ver nossos sentimentos juvenis dobrar o rio na chalana.

É possível que algumas pessoas ainda se emocionem com nossos hinos. Raros jovens, uns poucos sem coragem de compartilhar essa "fraqueza" com os amigos. Quando eu era criança, amar a pátria era bonito.

Antigamente, no tempo dos militares, era um orgulho estudar em escola pública. Só quem ia para escola particular eram os alunos vadios (ou burros) que pudessem pagar. Lá, qualquer bestalhão passava. Quem era bom mesmo, estudava em escola pública e estufava o peito.

Lembro de um episódio no qual minha mãe teve que ir atrás de conseguir um ATESTADO DE POBREZA para poder manter minha matrícula. Sério!

  "Se alguém quer matar-me de amor, que me mate no Estácio..." Mãe, por favor, traga aquele meu uniforme branco e azul marinho! E minhas meias três quartos. Pegue minha mão e me leve tranquilamente pelas ruas do Estácio. Cumprimente o Kid Moringueira, nosso vizinho ilustre.  Despeça-me com um beijo e me deixe entrar no pátio pois os colegas já estão em posição de sentido. Quero sentir tudo de novo, mãe! Quero ouvir o hino! Deixe eu ser criança novamente, só mais uma vez. Quero sentir de novo aquela vontade de chorar, aquele orgulho, aquele amor pelos soldados.

Se pudesse eu faria um teste: voltar para aquelas cenas do passado para descobrir se ainda tenho coração para aquilo tudo.

É lindo o que uma criança é capaz de sentir e o que um adulto é capaz de manter se não forem  seriamente atrapalhados.


"Por mais terras que eu percorra, não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá", para aquele passado arborizado, para só mais uma vez me sentir brasileira-com-muito-orgulho.

15 de abr. de 2013

DIA NACIONAL DO CHORO MOLHADO.

Custei a assistir a mini-série Maysa porque não aguento ver, na tv,  picotarem uma historia para eu engolir os comerciais.  Comprei o box. E chorei.

Sabe, existe um chorar gostoso.

Se pensarmos bem passamos nossa vida domando as emoções. Chega uma hora que não dá mais. Tudo bem que a raiva tem que ser contida mas o choro pode ser liberado vez por outra sem grandes prejuízos principalmente quando se trata de uma comoção consciente, permitida e saudável.

Todo mundo tem que chorar vez por outra nem que seja só para hidratar a alma. No dia-a-dia precisamos posar de durões mas tem que existir no mundo um cantinho liberado para os "fracos".

Tinham que inventar o Dia do Choro: um dia no ano quando até as lágrimas mais descaradas estariam liberadas. E não só isso: as lágrimas seriam incentivadas e provocadas. Porque tem muita lágrima encroada por aí. Valeria tudo: músicas tristes, filmes comoventes, fotos profundas, poesias sensíveis... tudo arquitetado para o sujeito desabar. Gente, que saudável!  Os cardiologistas apoiariam com certeza.

Sim, eu sei que no dia 23 de abril se comemora o Dia Nacional do Choro, mas aí é choro-música. Portanto a data que proponho seria algo como DIA NACIONAL DO CHORO MOLHADO.

Nesses dias ralos que antecedem  o fim do mundo (é isso mesmo que eu disse)  estamos vivendo a ditadura do riso. No desespero do nosso presente decidimos que rir é imperioso e sofrer é uma chatice que se não puder ser evitada, pelo menos tem que ser encoberta. Sofrer hoje em dia é quase uma indelicadeza.

Só que todos temos dentro do peito um acúmulo de lágrimas. Assim como não se pode tomar cerveja sem urinar, não se pode viver nesse mundo sem chorar. Você tem que escoar suas lágrimas encalhadas ou vai se sentir mal, ficar inquieto, sufocado, com uma necessidade incessante de "fazer alguma coisa legal". Chore que passa.

Hoje as pessoas dramáticas ou sensíveis são sempre consideradas dramáticas demais e sensíveis demais. Antigamente diziam que elas tinham "alma de artista" ou "alma de poeta".  Hoje em dia são chamados de "malas."   Por isso estamos todos ficando muito gaiatos. Gaiatos mas sem graça.

Sobre a minissérie Maysa, ali é drama mesmo. Não foi a melhor que já assisti. Maysa não foi uma heroína. Ela estava mais para ovelha negra. Mas tudo bem porque a história nos ajuda a dar fim ao nosso encalhe de lágrimas. Além do mais é edificante quando conseguimos sentir a dor dos desajustados, dos que não se emendam. Sinal de que ainda resta compreensão e compaixão dentro de nós. Pelo menos uma centelha de Deus - ufa!

Pois chorei no escuro sentindo-me  tão humana, tão viva! Fez bem achar que entendo a dor dos que não conseguem ser melhores do que são, a dor dos que põe tudo a perder, dos que não tem a receita para serem alguém melhor. Minha alminha ficou leve.

Você precisa chorar. Depois me conte o resultado. Eu não conto pra ninguém.

REALIDADES BRASILEIRAS